Meu amigo Belchior

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Soube da chegada de um artista nordestino, que falava muito alto e era esquisito. Quem me falou foi meu parceiro Tiago Araripe. Tempos depois recebi um telefonema; ”Penna, aqui é Belchior, gravei uma música sua e quero lhe mostrar”. Combinamos o encontro e ouvi extasiado o comentário a respeito de John. Achei como acho hoje, uma gravação definitiva. E onde citava Lennon “pra que tudo recomece, basta que mostre o nariz”, ele trocou por “sonho escrevo em letras grandes pelos muros do País”. Lhe ofereci parceria e a minha amizade para sempre. E a música tocou. Tocou muito e ele nunca me disse como soube dessa canção.

Daí as relações foram consolidadas e resultou uma série de shows no Sesc com grande sucesso, e nós do Papa Poluição abríamos o espetáculo. Lembro da alegria do Helinho, seu empresário, com a quantidade de público. Naturalmente, a gravação de “Como Nossos Pais” com Elis Regina, puxava tudo. Foi nesse clima que decidimos que Belchior seria candidato a deputado federal pelo Partido Verde, o que não se concretizou, pois tivemos a legenda cassada em 1990.

Anos mais tarde, em noventa e seis, Bel faz uma série de shows pelo interior do estado, fazendo animação politica e finanças, o que traz grandes recordações de amigos que participaram diretamente dessa ação, como Scaglione e Camacho. Depois, ao longo de papos intermináveis, ele disse que iria encontrar-se com Elis para levar músicas pro seu lp novo, e que eu deveria mandar também. Ele as levaria. Marcamos nos encontrar no seu escritório, e na manhã da data marcada parti. Na descida da Rua Fidalga, topo com uma notícia aterradora: “Elis morreu”. Corri ao orelhão. Alô! Falei sobre a notícia. Ele negou pois esteve com ela na véspera, e insistiu para que eu chegasse logo. Peguei um taxi e quando lá cheguei, ele estava debruçado sobre a mesa, olhos mareados, com um papel escrito a mão, cujo título era: “E que tudo mais vá para o céu”. Era a letra para uma música de Jorge Mautner. Foi um choque muitíssimo grande.

Sempre estivemos próximos. Ele gravou uma canção minha e de Andre Luiz Oliveira, ainda inédita em disco, para um filme de Andre, “Louco por cinema”. Depois todos sabem. Belchior retirou-se. Aqui e ali, através de Osvander, um amigo de Betim, MG, chegava um recado de que estava bem.

Disse tudo isso, provocado por uma entrevista com o autor do livro sobre Belchior, neste guia, onde diz não ter me encontrado para um depoimento. Estranho. Moramos no mesmo bairro e não sou propriamente um inacessível. Valeu.

José Luiz de França Penna, Presidente de Honra do Centro Cultural Vila Madalena

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