Eleições que se foram

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Era década de 1950. A recém inaugurada tevê, que não dispunha de profissionais, requisitava o pessoal do rádio e os locutores. Líderes de audiência eram constantemente convidados pelos partidos políticos, não só pela popularidade, mas também pela destreza em expressar-se em público e falar de improviso. Surgiram nessa época grandes oradores, comícios memoráveis, duelos de palavras e idéias, como Raul Duarte, César Ladeira, Renato Macedo, Emílio Carlos, Nelson Silva, Tácito Monteiro,Otávio Gabus Mendes, Pagano Sobrinho, Blota Jr, Pedro Geraldo Costa e outros tantos imigrando para a tevêou para a política local, todos, porém, sem abandonar o velho microfone apaixonante do rádio. Irradiavam tudo. Missa, futebol, corrida de cavalos, luta livre, bailes, noticiários, shows de circo…
Pedro gostava mais das campanhas eleitorais dos palanques e na tribuna nunca faltava, do que o exercício do glamour de parlamentar. Eram campanhas criadas sem nenhum recurso financeiro, na raça, apenas usava a criatividade. Os mais velhos lembrarão com certeza, quando o Pedro fez um enorme telescópio de papelão, pintado de preto, apontado para o céu no Viaduto do Chá, com um homem de branco apontando aflito e olhando pelo visor. Filas imensas a todo instante se formavam para olhar o novo astro anunciado. Quando o pedestre olhava no telescópio lia-se: “Para Deputado Estadual, Pedro Geraldo Costa”. Uma outra campanha, diante de tantas faixas de outros candidatos na Praça da República, a sua é que chamava mais a atenção. Embaixo da sua faixa, um bambu do mesmo tamanho cortado no meio, cheio de alpiste e farelo. Assim todos os pássaros e pombas da praça ficavam disputando sua faixa. Estava sempre virando notícia. Sabia como ninguém sair na mídia, sem gastar um tostão. O que não tinha.
Certa feita, pediu que eu lhe acompanhasse até o Mercado Municipal. De um amigo ganhou o que foi buscar, uma fêmea de peru, isto mesmo, uma ave perua. Saímos a pé, ele segurando com uma cordinha a perua viva pela calçada. E os três seguindo juntos, rumo ao Vale do Anhangabaú. Um gordinho simpático de terno e charuto, um menino perplexo e uma enorme perua desengonçada, juntos, como um hipotético filme de Fellini com Charles Chaplin. Curiosos, jornalistas, fotógrafos e redes de tevê, vinham e perguntavam o que era aquilo. E Pedro respondia: “Os outros candidatos têm suas inúmeras peruas (kombis)andando por aí. Eu como não tenho nenhuma, ando com a minha”. Depois numa outra, candidato a prefeito, nos programas de tevê, exibia sempre um paralelepípedo, e seu slogan era “Pedra no buraco e Pedro na Prefeitura”, época esta que ganhou o então prefeito Faria Lima, e Pedro em 3º lugar, acima de Franco Montoro e Laudo Natel, dois favoritos.
Sempre entre os mais votados, foi quatro vezes vereador por São Paulo, Quatro vezes Deputado Estadual e uma vez Deputado Federal, no entanto preferia ser chamado simplesmente de “radialista”, por amor ao rádio.
Quando o Pedro passava pelas ruas , todos faziam o sinal de “positivo”. Na sua velha caminhonete Marta Rocha, estava escrito em letras grandes: “Ao ver o Pedro, levante o dedo”. De estatura baixa, gordinho, fumando o seu charuto, sempre de terninho, chegava nas rodas e em lugares públicos, com a sua gravata virada, aparecendo a etiqueta. Num gesto natural, a pessoa virava a sua gravata, e nela estava escrito: “No lado direito, Pedro para prefeito”.
Com isso, eram campanhas limpas e alegres que ele promovia, com suas invenções. Uma de suas centenas de frases, entre elas o famoso slogan: “Maria sai da lata” e “Se cada um cuidar da limpeza, a cidade será uma beleza”. Nunca pichou um muro, não colava cartaz em poste, não ofendia ninguém, nem emporcalhava a cidade inteira com santinhos, muito menos ficava aos berros em alto-falantes, nem havia faixas suas penduradas em postes e árvores.
Apesar da pessoa digna, honesta e humana que foi, deixou em mim um orgulho grande de ser seu filho e um prazer enorme de espalhar suas estórias por onde passo. “Pedro amigo, conte comigo”.
Além de mim, meu filho caçula que não o conheceu, leva o seu nome como um pequeno barco que veio de longe passando por tempestades e calmarias. Nos portos que passou, deixou apenas amigos e saudades e uma bandeira branca levando mensagens de paz e fraternidade em sua pequena embarcação pelas ondas do rádio.
Era 15 de novembro de 1990. Dia de eleição. Entre carreatas percorrendo urnas, cédulas picadas caiam do céu. Flâmulas e bandeiras mil tremulavam na expectativa e em quase silêncio de apuração. Um pequeno corso fúnebre passava pela cidade. Era o dia que havia escolhido para partir.

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