“Então, o Sartre pediu explicações ao Fidel Castro sobre esta coisa horrível de perseguir os homossexuais, compreende?”. Eu contava empolgado ao lembrar de Jorge Amado numa das suas voltas à Bahia, diante do olhar azul e interessadíssimo do meu interlocutor. Porque era assim mesmo. Sempre que Jorge voltava da Europa, além dos esperados presentes, tínhamos uma gratíssima reunião, na companhia dos seus filhos Paloma e João Jorge, onde éramos informados sobre as principais preocupações dos intelectuais da época. Vejam que esta não é uma história qualquer. É uma grande história. Porém, se não fosse pela saudade que tenho do meu melhor ouvidor, o Scaglione, não lembraria desse diálogo que tivemos e não revelaria a vocês esta minha relação de amizade e gratidão que tenho pelos Amados todos, tão importantes na minha formação.
E eu contava, por exemplo, que Jorge gostava de me presentear com camisas, por que tinha descoberto a maneira mais fácil de comprar que era a seguinte: “Chego na loja em Paris e peço uma camisa para o sujeito mais magro e mais comprido. Aí vem certinho”. Ou, no dia em que ele me viu com um sapato mais para Jovem Guarda do que os usados pela esquerda festiva, saiu com essa: “Trata-se de um sectário de pés trocados”. E nós rimos muito dessas lembranças para em seguida Scaglione comentar com seu jeito doce e estimulante de intervir: “Parece que vivi tudo isso. Eu nunca fui à Bahia, mas de tanto a gente conversar, parece que conheço de ponta a ponta”.
Embora reconheça que esteja vivendo uma epopéia sem precedentes, enfrentando uma campanha majoritária onde a todo o momento surgem obstáculos inesperados. Aqueles que merecem comentários ao pé do ouvido, na imensa maioria das vezes, para rirmos escancaradamente. Passo a temer que tudo isso se perca por falta exclusiva de um bom ouvidor. Não há história sem um bom ouvidor. E sem José Luiz Scaglione, saudoso amigo, tudo é muito mais difícil.
Um pouco, vou tentar fazer de vocês agora, meus caríssimos leitores do Guia, meus novos ouvidores, sem contudo confundir as bolas porque o memorialista desta publicação se chama Pedro Costa e trata o assunto com inigualável maestria.