Pedro Costa: a carteira hipster

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Cotovelos no balcão. Coxinha com café numa tarde de inverno. Olhar que tanto procura ver, tudo vê… Uma carteira no balcão. Abro e vejo a foto do dono. Pergunto ao rapaz da copa, que desconhece. Havia visto um salão de barbeiro cheio de sujeito com a mesma cara ao lado do bar. Entro na barbearia retrô com fotos de New York antiga e percebo todos iguaizinhos. Coque no cabelo, barba abundante, cara de poucos amigos, camisas estampadas e braços tatuados, parecendo um gibi. Por um momento penso que estou numa tribo chique do Uzbequistão com todos de sapa tênis. No furgão ao lado, que vende hambúrguer vegano com tempero indiano, também todo mundo parecido com a foto da carteira encontrada. Aos poucos vou me vendo perdido na terra dos “Barbas” procurando um barbudo com cara de mau. Começo a me arrepender de estar à procura do dono. Procurar um sujeito que pretende ser diferenciado dos outros e, no entanto entre tantos diferenciados parecidos não é tarefa pra qualquer Sherlock. Intrigado, volto ao boteco explico e tento deixar a droga da carteira com o caixa que não aceita ficar com ela.

Lá estamos nós. Eu e meu amigo da foto e sua carteira. O cara só podia ser da redondeza, ou haveria ele vindo de uma estação do Metrô, tipo Armênia e passado por lá molhando um pouco sua barba nos cafés da Madalena? O cara do furgão preto itinerante, parecido com o cujo, diz que já o viu por ali, mas que o nome ele desconhecia. Até aí eu também, pensei até que poderia ser o próprio me zoando. Do outro lado da rua uma oficina de motos Harley-Davidson que vende cerveja artesanal, clientes e mecânicos idênticos de novo.

Desisti de achar o próprio dono, decidi entregar a qualquer sósia da mesma tribo. Fui para o ponto de ônibus, mais um sujeito semelhante ali parado na minha frente, assobiando. Coloco a carteira bem devagar atrás dele e digo: “Ei amigo, caiu sua carteira aí?”. Pega feliz e me agradece: “Orra! Pensei que a havia perdido, valeu cara!”.

Enfim a carteira encontrou seu dono e eu o dono da foto. Ao subir a escada do ônibus acenou para mim sorrindo. Teria sido tão fácil, pensei. Bastaria reparar que entre todos os iguais era o único que sorria.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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