“O Nerso”

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1851

O nome correto era Nelson. Acabara de sair da cadeia do extinto Carandiru. Como todo preso recém-saído do presídio vinha de uma maratona de meses sem conseguir alguém que lhe confiasse um emprego. Enfim, havia batido na porta certa. Meu pai dirigia uma camionete Marta Rocha da família. Já cansado de virar aquela enorme e pesada direção mecânica por muitos anos, ofereceu ao Nerso a função de motorista, que aceitou de imediato. Assim nos acompanhou e transportou nossa infância inteira pelos quatro cantos da Pauliceia.

Éramos uma escadinha de seis irmãos. Nos finais de semana todos na caçamba da camionete. Como toda criança, um pedia pipoca, outro queria ir à matinê, ou um algodão doce da esquina, a outra tirar a sorte no realejo da praça. Assim, diante de tantos pedidos, quase sempre, meu pai socorria ao prestativo motorista: “Nerso, lá no Carandiru serviam pipoca ou algodão doce?”, “Não, nem pensar Seu Pedro. Lá o negócio era fogo!…”. Desta maneira quase tudo que pedíamos se diluía nas estórias escabrosas do Nerso e ficávamos conhecendo tudo sobre o duro dia a dia do presídio, o que de certa forma era muito pior que diante dos nossos desejos negados e ainda contávamos com a brisa no rosto, nossos sorrisos e os passeios livres e soltos sobre São Paulo de antigamente.

O tempo passou depressa sob as rodas da Marta Rocha. O Nerso já não estava mais com a gente. Meu pai havia arrumado para ele ser motorista da Assembleia no Ibirapuera, e o apelido já era outro: Sodré, pois tinha a mesma cara do então governador. Por ironia do destino o velho motorista falecera semanas antes do ex-patrão, que ainda acamado soube da morte do companheiro de muitos anos. Eu já adulto, num resquício de menino, ouvi meu pai dizer: “Como bom chofer, o Nerso foi à frente para abrir a porta quando eu lá chegar”. E assim foram percorrer outros caminhos talvez sonhados por Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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