Nada como um dia após o outro. Após noitadas regadas a álcool, a melhor bebida chama-se Undenberguer ou o seu parente nobre, o Fernet Blanc. Costumo dizer que Cristo após várias tentativas em ressuscitar Lázaro, só teve sucesso quando lhe deu tal remédio e o despertou para a vida. Assim, dito por mim mesmo como o melhor medicamento para o fígado, dada a sua fórmula contendo boldo e outras ervas benéficas ao aparelho digestivo. Minha mulher, além de acreditar nessa ladainha, sempre me recomendava após minhas bebedeiras o tal remédio: “Pedro, hoje não. Dá um tempo, toma aquilo amargo, só com ervas!”. E lá ia feliz tomar meu Undenberguer com 47% de álcool, sem que ela soubesse do teor alcoólico do tal drink. Até que um belo dia, depois de anos a fio tomando o dito cujo e “dando um tempo no álcool”, meu amigo, e tinha que ser argentino o disgramado vendo-me pedir o tal drink seguindo o conselho de minha companheira, me entrega: “O quê, só erva? Isso aí tem mais álcool que muita bebida não tem!”. Quase matei o portenho delator.
Outro dia, assistindo TV, vi o Gilberto Gil contar como foi composta a letra ‘Cálice’, escrita por ele e Chico Buarque. Gil havia feito a primeira estrofe da letra da música. Telefonou para o amigo Chico se ele topava acabar junto à letra. Solícito, Chico aceitou. Combinaram no dia seguinte à noite em sua casa. Na época, isto foi em 1973, década marcada pela ditadura militar do então Garrastazu Médici. Tanta mentira tanta força bruta. Chico ofereceu ao parceiro uma bebida que estava adorando embora um pouco amarga. E dá-lhe então o Fernet, geladinho. Lá pelas tantas, Gil disse: Como beber dessa bebida amarga? Chico emenda: tragar a dor engolir a labuta. Chico morava numa cobertura de frente à Lagoa Rodrigo de Freitas… Na arquibancada para a qualquer momento ver emergir o monstro da lagoa. Dali em diante, havia descoberto um apreciador ilustre de minha bebida preferida.
Ainda hoje, quando tomo o tal vermute, não o chamo mais de remédio, digo apenas que vou ouvir um pouquinho de Chico e lavar a alma. Talvez o mundo não seja pequeno. Nem seja a vida um fato consumado. Quero inventar o meu próprio pecado. Quero morrer do meu próprio veneno…