Sábado de balcão em balcão

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Largo do Paissandu. Sabadão. Verão. Nem hora, nem destino. Acabava de perder meu relógio num jogo de sinuca. Enquanto um cãozinho vira-lata me seguia, talvez por solidariedade, entrei num bar mais próximo. Descansei, sentei. O cãozinho deitou. Seu olhar pediu um tira–gosto e minha boca, uma cerveja.

Entre as pessoas que transitavam pelo largo, lá estavam engraxates, mendigos, um cego e seu realejo, bêbados, malandros, otários e um pastor, de pé no banquinho, aos berros com Lucas e Mateus, folheando a bíblia.

Manhã azul que eu e meu companheiro de patas admirávamos tudo em silêncio e cumplicidade. Um camelô vendia produtos eróticos ao lado do pastor, que dividia o pequeno público ao redor. Uma negra louca e banguela dançando com uma margarida murcha na boca bêbada de frente a uma loja de disco tocando alto um potpourri de músicas bregas.

Louca feia e ao mesmo tempo linda, que de olhos arregalados xingava, chorava e dava piruetas. Fez-se a única sadia daquela manhã bonita. Como que magnetizada pelos pares de olhos, veio ao nosso encontro. Tomou o que tinha no meu copo mais o osso do cachorro.

Hora de partir, pensei. Mudos e de comum acordo, partimos os quatro, como uma verdadeira cruzada. Eu, o cão, a louca e o pastor. Com a fúria solene e a arrogância de um exército de desbravadores, invadíamos a Avenida São João, conquistando a Praça da República.

Nessa ocasião, contei ao amigo Glauco sobre aquele sábado no centro. E do balcão que estávamos, pegou um guardanapo e fez este desenho que guardo num baú de saudade…

pedrocosta.pira@uol.com.br

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