Memórias de uma militante

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Tita Dias, hoje empresária e sócia do restaurante Canto Madalena, sempre gostou da política e se define como um “ser político”. 

Durante anos, participou da luta sindical através do Sindicato dos Bancários e ajudou a fundar a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT). Foi, por duas vezes, vereadora no governo das duas prefeitas que a cidade teve: Luiza Erundina (1989-1993) e Marta Suplicy (2001-2004). Nesta entrevista, ela lembra da sua militância e faz comparações com os movimentos sociais de agora.

Como você iniciou sua luta política?
Iniciei em 1977 minha militância política no sindicato dos bancários onde, por nove anos, fui diretora. Sou uma pessoa de movimentos sociais. Fomos destituídos pelo então ministro do trabalho Murilo Macedo, mas mesmo assim continuamos nossa luta sindical. Eram tempos difíceis.

Quais conquistas vocês conseguiram para os bancários que você se orgulha?
Paramos o Banco do Brasil por melhores condições de trabalho para seus funcionários. Conseguimos desvincular o salário de ingresso dos bancários ao valor do salário–mínimo da época. Foi nessa época que ajudamos a fundar a CUT.

Não só a CUT como também o PT.
Além de fundadora, em 1980, e fiz parte da primeira diretoria nacional do partido.

Surgiu daí seu interesse em se lançar candidata a vereadora da cidade?
Eu sempre tive o sonho de chegar ao poder para poder fazer as transformações sociais. No meu primeiro mandato, tive o contato com as reais condições de vida de muitos moradores da periferia, do início do crack entre os jovens. Por mais que fazia, achava que era pouco e ficava ansiosa. O jogo político é duro e até me arrependo de não ter continuado na vida parlamentar. Voltei em 1994 como assessora do vereador Sergio Rosa, que vinha do movimento sindical dos bancários. Em 1998, disputei eleição para deputada estadual mas queria voltar para a Câmara dos Vereadores em 2000.

Como foi seu mandato?
Fiquei frustrada com a burocracia e a lentidão da Câmara. Lutar contra os vereadores da direita não era fácil. Não arreguei, mas passei por momentos pesados. Quando fiz parte de uma das comissões processantes que analisava a corrupção de vereadores, eu e a vereadora Irede Cardoso botamos pra quebrar, investigamos tudo. E por conta disso, recebemos telefonemas de ameaças. A atual vereadora Juliana Cardoso era filha da minha secretária e também recebeu ameaças. Infelizmente, a comissão não puniu ninguém apesar de termos provado que alguns vereadores tinham sido ímprobos. Para cassar esse pessoal, precisávamos de 2/3 de votos, e não conseguimos.

E como foi o seu segundo mandato?
Em 2000 fiquei como quinta suplente de vereador. Não acreditava que assumiria e estava conformada, e como não queria cargos no executivo, por saber que não tenho jogo de cintura, fui trabalhar com movimentos culturais e juventude no KVA, em Pinheiros. Esse era um campo em que eu já tinha experiência e muitos dos showmícios do PT foram feitos por mim e o pessoal do partido. Na época eu prestei vestibular para Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas e Letras na USP, mas não entrei. Mas aí aconteceu a eleição do Lula em 2002 e oito vereadores deixaram a Câmara e eu voltei a ser vereadora por um ano e oito meses. Foi uma época muito rica e gostei muito de ter trabalhado com a Marta Suplicy.

Durante seus mandatos, a cidade teve duas prefeitas. Você acha que elas sofreram alguma discriminação?
Quando a Erundina foi eleita, foi criticada por ser nordestina e solteira. Quando a Marta Suplicy assumiu, o preconceito passou a ser por ela ser bem nascida e rica, e muita gente dizia que ela não iria à periferia para não sujar os sapatos. Se fosse um homem não teria esses preconceitos, mas como eram mulheres, as críticas eram muitas.

Você volta a se candidatar?
Não acho.

E quem não gosta de política?
Tem a política e os políticos. O Lula fala para quem diz que não gosta de política é que tem pessoas que gostam dela e serão eles que vão governar e ocupar o poder.

Qual sua opinião atual sobre o PT?
O PT cometeu alguns erros, e isso é de responsabilidade da direção nestes últimos anos. Por ter se afastado das ruas em algumas situações. Quando era vereadora, vi companheiros de partido fazendo coisas que criticávamos da direita. Estava no nosso programa e na nossa ética. Eu e outros companheiros de partido apostávamos na construção de uma consciência cidadã.

O que precisa mudar na política?
O financiamento de campanha. Quando estava em campanha, participei de sabatinas com empresários que queriam ajudar financeiramente os candidatos, sem se importar com o partido, com propostas sérias. Discutíamos, às claras, a democracia. Alguns empresários contribuíram com a minha primeira campanha. Em 2004, a situação era outra e os empresários vinham oferecer apoio em troca de garantias que eles teriam seus pleitos atendidos. Como isso não era possível, não contribuíram. Precisamos de uma reforma política séria.

Analise o governo do PT.
Temos avanços e conquistas sociais importantes. Estamos avançando. O bilhete único, que surgiu aqui em São Paulo no governo da Marta, foi criticado, mas hoje está presente em muitas cidades brasileiras.

Dilma se reelege?
A política é imponderável. Ela tem tudo para ser reeleita. A oposição tem muitos erros. Estou curiosa para ver o que a Dilma vai apresentar nesta campanha de novidade. Porque não é só manter os programas sociais, acho que o povo quer novidades e o povo está cobrando. 


Que você acha dos movimentos sociais da atualidade?
Esses movimentos têm muitas contradições e carecem de lideranças. Na época da ditadura, nós tínhamos interesse em derrubar a ditadura, o mesmo aconteceu no Fora Collor. Hoje, as bandeiras são múltiplas e o “vem pra rua” tem muitos significados. Nem pior e nem melhor, embora tenha muita gente querendo criminalizá-los. Quando, em junho de 2013, eles surgiram, a população estava ao lado deles. Com o surgimento dos black blocs, a sociedade não está apoiando como fez no início. Não acredito que se constrói a sociedade atacando símbolos. Na época que eu militava, a luta armada era uma opção. Eu não fui por esse caminho por não acreditar naquela tática. A violência não é o caminho.

Como você virou empresária?
Sempre gostei da política. O bar era um sonho do meu marido, Gilberto, o Giba, e continua sendo. Em 2000, enquanto eu trabalhava para minha volta à política, ele abriu com sócios o bar, aqui era um empório. E como não fui eleita, trabalhava com política cultural. Passada as eleições, o Canto Madalena estava em crise e o Giba e os sócios estavam querendo vender parte do bar. Eu não queria. Eles tinham inaugurado um bar no Mercado da Cantareira que estava indo muito bem. Faltava quem ficasse aqui. Resolvi assumir o Canto Madalena como um desafio. Até então, eu nunca tinha feito nada parecido. Mas, como boa filha de portugueses, entrei com a cara e a coragem e passei a administrar o bar.

O Canto Madalena é uma referência de cozinha brasileira?
Sim. Sempre promovemos festivais de culinária de regiões do país. No carnaval tivemos um festival de cozinha pernambucana, . Nosso restaurante tem muito a ver com o Brasil. Além de novos pratos da cozinha do norte, quero ampliar nosso empório.

O bloco de carnaval que saiu este ano volta em 2015?
A ideia foi de um grande amigo e parceiro, o Paulo Rosa, dono do Canto da Ema. Sempre fazemos parceria. Este ano, ele sugeriu criar um bloco de forró. Inscrevemos o bloco na última hora. O bloco saiu do Canto da Ema e veio até o Canto Madalena, no dia 22 de fevereiro. Foi superlegal. No ano que vem vamos nos organizar melhor. Quero fazer festival de música para o bloco e trazer os bonecos de Recife e outras coisas.

Você mora na Vila Madalena?
Deixei a Vila há seis anos. Moro em Perdizes. Aqui morei na Fradique Coutinho.

Do que você gosta ou não no bairro?
Adoro andar a pé e sempre que posso caminho pelas ruas da Vila. Apesar da transformação imobiliária, que não me agrada, sempre temos uma novidade, um restaurante, um bar, um ateliê. Acho isso ótimo. E Perdizes ainda não tem isso. Lá tem muita pirambeira.

Canto Madalena
Rua Medeiros de Albuquerque, 471
Telefone 3813-6814
cantomadalena@uol.com.br

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