Histórias para viver melhor

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Claudia Vidigal

Psicóloga formada pela PUC-SP, Claudia Vidigal criou, em 2005, o Instituto Fazendo História, que transforma histórias de crianças e adolescentes de abrigos em um álbum criado pela própria criança com sua história e valores. 

O instituto atende a cerca de 1.500 crianças por ano em parceria com mais de 140 abrigos de todo o Brasil e até da Costa Rica. Moradora da Vila Madalena, Claudia conta como esse trabalho pode ajudar a autoestima desses jovens em situação vulnerável.

Como se envolveu com esse trabalho?
Tive consultório na Vila de 1998 até 2004, ao lado do metrô Vila Madalena, e trabalhava fazendo o registro de histórias de crianças de abrigos desde 2002. Desde pequena, fiz trabalhos voluntários; quando estudava no Colégio Santa Cruz, já me dedicava a trabalhos comunitários em comunidades necessitadas. Trabalhei muito nas comunidades do Jaguaré. Vi um potencial muito grande para trabalhar nesses lugares.

Quantos abrigos vocês atendem?
Temos o abrigo Odila Santos, na Rua Luminárias, mas nosso trabalho é em parceria com mais de 140 abrigos, com ou sem convênio com as prefeituras. Atendemos, em média, pelo Contando Histórias cerca de 1.500 crianças e jovens por ano.

Qual é o perfil desses jovens?
São jovens em situação de vulnerabilidade. São crianças e adolescentes que estão nos serviços de acolhimento e abrigos, que estão longe da família onde viviam correndo riscos, violência, muitas vezes vivendo em perigo iminente e ficam protegidas no acolhimento. Essas medidas de proteção temporária e provisória têm um período fixo de no máximo dois anos, que é o tempo que se espera que a família se reestruture e possa acolher essas crianças.

A pobreza é a causa dessa violência?
A miséria não deveria ser motivo de acolhimento. Segundo a diretriz nacional, nenhuma criança deve ser separada da família por questão de miséria. Mas a miséria gera violência. Por exemplo, a mãe sai para trabalhar e deixa a criança sozinha e ela vai para a rua, não frequenta a escola e fica vulnerável. A miséria gera outras consequências, que geram a proteção a essas crianças.

E quais são os objetivos do Instituto?
Resgatar a memória e registrar o dia a dia de crianças afastadas das famílias. Me inspirei na demanda. Hoje sabemos que existem trabalhos semelhantes em Portugal, na Espanha e aqui no Brasil, onde os abrigos estão trabalhando com histórias.

O que a inspirou?
Me inspirei na minha própria experiência de ir até um abrigo com 400 crianças na rua Sampaio Viana e vi pouca clareza sobre cada criança. Todas as crianças têm sua própria história, uma origem, uma singularidade. Vi que ali tinha muito potencial em descobrir as singularidades e subjetividades de cada criança. E ao fazer o resgate e o registro das histórias mostramos à criança que ela é única e tem seu valor. Os álbuns que cada uma faz são uma prova disso.

De que maneira as crianças entram no projeto?
Quando vamos aos abrigos, nosso voluntário e os profissionais do abrigo se reunem numa roda de conversa com essas crianças. Explicamos nosso trabalho e as crianças são convidadas a contar suas histórias e montar um álbum. Tudo é espontâneo. Tem crianças que querem contar no mesmo dia, tem outras que demoram. No final, todos participam e querem fazer seus álbuns.

Como é feito esse registro?
Nosso colaborador ajuda a criança a escolher o que vai colocar no álbum e fazer seu registro, e somos muito fiéis a isso. Não queremos incluir os fatos que elas não querem lembrar e também não criamos o “jogo do contente”, onde não pode falar das coisas difíceis. O álbum é a forma da criança se apresentar ao mundo. A criança escolhe o que quer colocar no álbum e reunir suas histórias. Nosso trabalho e ajudá-los a fazer as escolhas. 

O que isso ajuda a criança?
Esperamos que elas leiam mais e com prazer, que os adultos conversem afetivamente sobre suas histórias. Queremos que tenham consciência de suas histórias e que quebrem os ciclos de violência, negligência e abandono de sua origem.

Como essas crianças se relacionam com suas famílias?
As crianças, apesar da violência e da negligência, gostam de suas famílias. É sua referência. É onde aprendem a viver suas primeiras vivências e afetos. Mesmo não sendo a família ideal. A família é muito, muito importante! A criança percebe que tem muitas coisas nessa família que têm valor e outras que ela não gosta e não quer repetir em sua vida. Devagar, elas vão separando os valores dessa família que querem levar e outros que não querem para sua vida. É um trabalho de formação de identidade. 

Os álbuns reúnem que informação?
Contêm bilhetes, fotos, frases, lembranças que importam para a criança, que é a dona do álbum. O colaborador ajuda as crianças menores a fazer um álbum bonito. Ele conta a história viva da criança. 

De que maneira o colaborador trabalha com a criança?
Nosso colaborador passa um tempinho acompanhando essa criança em encontros regulares. Primeiro ele passa por um treinamento de formação aqui no instituto. Com a criança, ele conversa, conta histórias e a empatia entre eles acaba acontecendo. Usamos a literatura infantil, que funciona como mediadora para aproximar e facilitar essa relação. Além de saber do que gosta, procuramos abordar temas que importam, como a saudade, os sonhos.

Quantos colaboradores voluntários tem o Instituto? 
Cerca de 500, e temos educadores e supervisores acompanhando o trabalho. Lembro que trabalhar com essas crianças não permite experimentação. Quem quer conhecer nosso trabalho é bem-vindo. Cerca de 60% dos interessados viram colaboradores. 

Vocês têm parcerias com terapeutas?
Temos cerca de 40 terapeutas voluntários que atendem os casos mais graves por quanto tempo for necessário. São crianças ou adolescentes indicados pelos abrigos. Muitos profissionais são da PUC-SP e totalmente comprometidos com o projeto. Temos também supervisores voluntários e fazemos o meio de campo.

De que maneira vocês financiam esse trabalho?
Temos uma estrutura administrativa bem enxuta. Minha mãe, por exemplo, cedeu o espaço onde funciona o instituto. Trabalhamos por projetos e temos a ajuda de doadores individuais e empresas. Participamos de todos os editais em busca de mais parceria. Também promovemos campanhas de doações de livros, que depois são encaminhados aos abrigos. Nosso orçamento anual é de R$ 2,5 milhões e como somos uma OSCIP [Organização da Sociedade Civil de Interesse Público], nossas contas estão abertas em nosso site. Quem quiser participar do nosso trabalho é só acessar o site. 

Instituto Fazendo História
Telefone 3021-9889
www.fazendohistoria.org.br
institutofazendohistoria.wordpress.com

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