A trajetória de Tonheta

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Antonio Nóbrega se define como “artista que não pertence intrinsecamente a nenhuma família artística específica, que se sente pertencente a todas elas…”

“Do circo à literatura. Sinto-me parte de todos esses universos. Não de uma forma superficial, mas também não de uma forma visceral. Minha única visceralidade, na verdade, é o Brasil, e digo que essa visceralidade é descompromissada com qualquer ideia ufanista. Uma ausência de ufanismo, todavia, que não prescinde da presença de paixão”. Nesta entrevista, na sede do Brincante, que fundou na Vila Madalena, Nóbrega fala do início da carreira, a descoberta da cultura popular, sua arte em suas diversas formas e sobre a companhia de dança com o espetáculo Humus, que fará a estreia na cidade no próximo dia 17 de maio no Auditório Ibirapuera. 

Conte como você começou a carreira de músico.
Foi meu pai, que era médico, sempre gostou de música e nos incentivava, que percebeu que eu tinha a mania de ficar na mesa tamborilando e achou que eu levava jeito para a música. Ele me matriculou numa escola de música onde estudei violino erudito.

Você teve outra profissão além das artes?
Sempre foi músico, artista. Nunca fiz outra coisa na vida além de música, dança e teatro. Na minha adolescência, eu formei com as minhas três irmãs um grupo musical. Nele eu tocava, dançava.

E como se deu seu encontro com a cultura popular? Foi no Recife?
Meu encontro com a cultura popular aconteceu em 1970. Foi nessa ocasião que o Ariano Suassuna (escritor e poeta) me viu tocando o Concerto em Mi Maior, de Bach, num recital numa igreja do Recife, e me convidou para ingressar no Quinteto Armorial, onde tocava violino tanto na versão tradicional como na popular.

Quem dos compositores eruditos mais lhe chama a atenção?
Na verdade, gosto mais de uma obra do que de um compositor específico. Mas não posso deixar de citar Bach, Tchaikovski, assim como os brasileiros Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Pixinguinha e outros tantos que toquei e ainda gosto de tocar. Mas, no geral, sempre ouvi um pouco de tudo.

Você teve no Recife um Bumba Meu Boi. Como foi isso?
No Recife fui tomando gosto pelo Bumba Meu Boi e cheguei a ter o meu próprio, o Boi da Boa Hora, e depois veio o Boi Castanho do Reino do Meio-Dia. Foi no Bumba Meu Boi que conheci a figura do Mateus, que é um personagem do Boi. Daí surgiu a ideia para eu criar o meu Mateus Tonheta, que depois ficou só Tonheta. Ele é um personagem que mistura a alegria do palhaço assim como joga com as outras figuras dramáticas do Boi. Eu me apresentava com o meu Boi pelas ruas do Recife no Carnaval e no Natal. O Tonheta veio aparecer oficialmente em meu trabalho em Bandeira do Divino (1976), que era uma releitura das folias caminheiras que chegam às casas das pessoas pedindo permissão para comemorar o nascimento de Jesus e a chegada dos Reis Magos. Em Brincante (1995) ele também fazia parte do espetáculo.

E como foi sua participação no Quinteto Armorial, do Ariano Suassuna?
Foi aí que comecei a assimilar os elementos da arte erudita com a arte popular. Ter trabalhado com ele foi uma experiência muito importante e rica para mim.

Nós valorizamos como merece a cultura popular brasileira?
Ainda precisamos conhecer melhor nossa cultura popular que, para mim, é muito rica. Não sou daqueles artistas que querem torná-las peças de museus. Para mim, a festa popular pode receber outra leitura e continuar a ser festa popular, o que faço com meu trabalho e principalmente na minha dança. Sempre estou pesquisando e escutando o que está sendo feito pelo país.

Por que trocou o Recife por São Paulo?
Vim para São Paulo para mostrar meu trabalho e conhecer o cenário onde muita coisa acontecia e ainda acontece. São Paulo e Rio de Janeiro eram os grandes centros. Recife tinha ficado pequena e eu queria crescer artisticamente e precisava mostrar meu trabalho. Quando cheguei por aqui, fui morar em Pinheiros. Anos depois, me mudei para a Vila Madalena e, em 1992, consegui este espaço na Vila onde até hoje funciona o Brincante.

Quais as lembranças que você tem da Vila Madalena daquela época?
Quando cheguei a São Paulo, fui morar num sobrado que não existe mais. A Vila Madalena daquele tempo me lembrava um pouco da Recife que deixei. Até o nome de algumas ruas daqui eram idênticas, como a Harmonia. Hoje a Vila Madalena está muito mais verticalizada… Além de ter morado por aqui, morei no Butantã e, atualmente, no Alto de Pinheiros.

O que o levou a fundar o Teatro Brincante na Vila Madalena?
Eu e a Rosane Almeida participamos de um festival de teatro em Curitiba e fizemos um grande sucesso com o espetáculo Brincante. Quando voltamos para São Paulo, nosso desejo era dar continuidade e apresentar o espetáculo por aqui. Ao procurar um teatro para nos apresentar, não encontrei nenhum que nos oferecesse os melhores dias da semana – sexta, sábado e domingo. Nos ofereceram a terça e a quarta. Achei que assim ficaria difícil de ter público e ainda não éramos um grupo conhecido. Então, por uma questão de orgulho até, resolvemos ter nosso próprio teatro. E achamos este galpão na Rua Purpurina, onde até hoje está o Teatro Brincante. Antes funcionou, no mesmo espaço, uma vidraçaria. Com o famigerado Plano Collor, muitos empresários quebraram e, quando cheguei aqui, o dono passou o espaço para nós. Tivemos que praticamente reconstruir o local para ser aberto como nosso teatro. E estamos aqui desde então.

Qual era a proposta do Brincante? Apenas apresentar os espetáculos criados por vocês?
Inicialmente, ele foi criado para ser nosso local de ensaio e de apresentação dos nossos espetáculos. Com o tempo, eu, Rosane Almeida, Romero de Almeida Lima e Bráulio Tavares, os fundadores do Brincante, e outros colaboradores, fomos introduzindo a parte educacional e as oficinas de formação de atores.

Como vocês se mantêm?
Nos mantemos com patrocínios e apoios culturais, além dos cursos e outras ações. Mas ainda dependo de alguns patrocínios e todos os anos preciso ir atrás dos incentivos culturais que existem por aí para continuar funcionando. Não é fácil. Tenho que correr atrás para renovar os contratos e buscar novas parcerias.

Em relação aos incentivos culturais, como você vê as políticas governamentais?
Espetáculos do porte do Cirque de Soleil e outros festivais que têm acontecido no Brasil e aqui em São Paulo, como o Lollapalozza, levam muito dinheiro de brasileiros que pagam um ingresso caro para assistir a artistas estrangeiros. Nada contra. Esses espetáculos conseguem incentivos da maneira legal, mas sinto falta de uma política cultural que dê mais apoio ao que é feito pelos brasileiros e acho que o público deveria dar mais valor à produção nacional. O brasileiro vive uma onda consumista. Fiquei sabendo recentemente que os brasileiros gastaram no último ano em viagens e compras no exterior mais de seis bilhões de dólares. Já pensou como seria bom para a nossa economia se parte desse dinheiro fosse gasto aqui no Brasil? Fiquei sabendo que tem gente que viaja para os Estados Unidos para comprar enxoval de bebê. Precisamos pensar sobre isso e rever nosso consumismo.

Você acredita que o vale-cultura vai ajudar ou não à produção cultural?
Assim como a lei Rouanet, acredito que o vale-cultura vai incentivar e dar um novo impulso às artes em geral. Acho que é pouco, mas, se isso facilitar o acesso à cultura de uma forma geral, será bom. Para nós, que produzimos arte, ele é bem-vindo.

Ao completar 40 anos de carreira, seu trabalho é muito conhecido?
Muita gente já ouviu falar de Antonio Nóbrega, mas nem sempre sabem quem sou. Até alguns anos atrás, isso era pior porque vivíamos na dependência da divulgação dos meios tradicionais de comunicação. Hoje, através das redes sociais, podemos viver de uma maneira mais independente. Fazemos a divulgação de nossos trabalhos através das redes sociais e isso se espalha rapidamente. Acho que é muito bom para todos porque a informação fica mais democratizada. Nesses anos de carreira, fiz muitos espetáculos, tenho três DVDs lançados mas não apareço muito na TV, que é a principal fonte de informação para muitas pessoas. Isso não me desanima e continuo firme.

Em 2012, você comemorou seu “centenário” com um show em homenagem a Luiz Gonzaga.
Aproveitei a coincidência de comemorar em 2012, 40 anos de carreira e mais 60 de idade no ano do centenário do grande Luiz Gonzaga e criei o espetáculo Lua, que foi muito bem recebido pelo público em geral.

Até o dia 19 de maio, o Itaú Cultural presta uma homenagem a você com a Ocupação Antonio Nóbrega. O que você acha disso?
Fiquei muito feliz com o convite. Lá estão muito dos figurinos que criei para os meus espetáculos, fiz algumas apresentações para o público, rodada de conversa e de dança onde o público foi muito participativo e caiu na dança comigo.

No próximo dia 17 de maio, você estreia sua companhia de dança. Como foi a criação dela?
A companhia, que é patrocinada pela Petrobras e pelo Ministério da Cultura, tem 13 bailarinos e estamos ensaiando e nos apresentando há cerca de dois anos. Já fizemos espetáculos em alguns CEUs de SP e em alguns Sescs do interior do Estado. É o primeiro espetáculo que crio e não estou no palco. A concepção do espetáculo Humus é minha e sou codiretor. Serão três apresentações, dias 17, 18 e 19 de maio, no Auditório Ibirapuera. Será nossa estreia paulistana. Pretendo que a companhia seja a minha interpretação do que é dança brasileira.

www.antonionobrega.com.br
www.institutobrincante.com.br

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