Diversidade cultural

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Alessandro Azevedo é paraibano de Pixunanã e criou o personagem Palhaço Charles que apresenta o Sarau do Charles há anos na Vila. Ele é fundador e coordenador da Associação Raso da Catarina, organização de interesse público voltada à pesquisa e à divulgação de manifestações artísticas sem fins lucrativos com sede no bairro. Tem projeto no Teatro da Vila e criou no ano passado a I Mostra Mangue Cultural com espetáculos públicos e gratuitos na Praça Eder Sader. Nesta conversa, Alessandro conta sua trajetória e seus projetos culturais, muitos deles voltados e realizados aqui na Vila Madalena.

Como foi o início de sua carreira?
Foi na Paraíba, onde participava de um grupo de teatro em Campina Grande. Montamos três espetáculos e com um deles viemos para Sorocaba (SP) participar de um festival de teatro.

E já ficou aqui em São Paulo?
Não. Aqui conheci a atriz Lelia Abramo, que foi a responsável pela mudança da minha vida. Ela me estimulou a vir para cá e fazer a escola de teatro do Antunes Filho. Cheguei em 1991 e morei um ano na casa dela.

A mudança foi grande?
Neste um ano aprendi coisas que eu não havia aprendido em toda a minha vida. Relacionado à arte e a cultura e à vida. Essa vivência com ela e Antunes Filho foi decisiva para minha decisão em seguir a carreira artística. Fiz curso de ator, de iluminador, de cenógrafo. Queria conhecer todo o processo, inclusive direção.

Como era sua vida antes?
Eu era casado na época com uma gaúcha de Bagé que estava indo fazer mestrado de antropologia em Brasília. Eu iria junto para fazer educação física na Universidade de Brasília. Ter conhecido a Lelia mudou tudo.

Em São Paulo você já atuava?
Sim. Eu fazia também animação de festas infantis e eventos como palhaço. Eu pensava que era fácil e tomei uma rasteira quando vi que precisava aprender outras habilidades que o palhaço exige. Fui fazer escola de circo no Tendal da Lapa, onde aprendi a fazer acrobacia, malabarismo e outras técnicas circenses.

Foi quando surgiu o palhaço Charles?
Antes veio o palhaço Melão. Ele tinha a roupa bem colorida e o nome foi dado pelas crianças. Eu me apresentava com ele todos os dias da semana. E curtia muito fazer isso.

Você se apresenta como Melão?
O nível técnico que eu cheguei com ele foi tamanho que até despertou um ciúme do criador. As pessoas perguntavam por ele depois de quatro anos fazendo ele. Resolvi dar um tempo com o Melão e neste período criei o Charles.

Como você o Charles?
Surgiu no primeiro sarau que fiz em 1996. Era o apresentador, uma espécie de “mordomo” para fazer a ligação com o público, por isso o nome Charles. Na verdade éramos três Charles, vestidos iguais com pequenas diferenças entre eles.

Como surgiu o Sarau?
A ideia era reunir artistas de vários matizes em um evento. No primeiro evento, em meu apartamento, tinha umas doze pessoas. No segundo, trinta, e daí em diante se tornou inviável no meu apartamento. Passamos para o Sindicato dos Bancários e no Espaço Lelia Abramo por dois anos. Lotava todos os dias.

Por que não em teatros?
Se apresentar em espaços alternativos era um pouco de rebeldia nossa contra o sistema. Queríamos quebrar os protocolos. Queríamos ver o trabalho dos amigos.

Você teve alguma inspiração?
Meu avô promovia semanalmente um encontro de poetas repentistas e chamava os vizinhos. Servia uma galinhada e depois tinha o show.

Além do Sarau você atuava?
Basicamente, mas as pessoas nos conheciam dos saraus e nos chamavam para outros trabalhos. Estamos fazendo o Sarau do Charles há 15 anos. Virou um movimento, programação alternativa para a cidade.

Sempre misturou atores formados com gente nova?
Sim, os artistas consagrados e aqueles que estão começando. Ou mesmo os consagrados que estão ensaiando e querem testar alguma coisa com o público, uma espécie de laboratório. A proposta é democratizar. A mistura dos artistas para o público é boa.

E quando você chegou à Vila?
O Sarau ficou itinerante e fizemos umas apresentações em uma produtora na Fradique Coutinho. Em 2000, viemos para a Rua Harmonia com a Cia. Raso da Catarina e o Galpão, onde funcionou por sete anos nossa sede. Tinha apresentação de teatro, música, cinema…

Veio para a Vila por acaso?
Eu morava na Pompeia e já circulava por aqui. Eu pensei: vou escolher uma casa por aqui. Achei um galpão que ficava no fundo de uma residência que da rua não se via.

Além de teatro fez cinema?
Além do meu trabalho de palhaço, tinha o trabalho de ator de teatro adulto e infantil. Atuei e dirigi alguns grupos aqui de São Paulo e de Porto Alegre. Em 1996, com a Cia. Raso da Catarina, montamos vários espetáculos. No cinema, tenho uma parceria com a diretora Eliane Caffé.

Que filme você atuou?
Com a Eliane, no longa-metragem “Narradores de Javé”, onde fiz um personagem. Ela conhecia meu trabalho aqui no Raso da Catarina e fiz a preparação de atores do filme. Também trabalhei em “Garotas do ABC”, do Carlos Riechembach.

Tem preferência entre cinema e teatro?
Sou fascinado por cinema. Quando comecei a fazer teatro na Paraíba, sonhava em fazer cinema.

Por que Raso da Catarina?
O Raso da Catarina, no sertão baiano, é o lugar onde o Lampião e o bando dele se escondiam quando estavam sendo perseguidos pela polícia. E por considerar que os atores também são um pouco cangaceiros e buscam a resistência, demos o nome.

Qual foi o primeiro espetáculo?
Em 98, montamos a peça “Lampião vai ao inferno buscar Maria Bonita”, texto de Altimar Pimentel, autor paraibano. Eu atuei e dirigi o espetáculo que tinha oito atores em cena. Estreiamos no palco do Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro.

E quando surge a Associação Raso da Catarina?
Em 2006, percebemos que criar uma associação sem fins lucrativos seria mais adequado para as nossas montagens e captação de recursos. Temos 30 pessoas ligadas à associação, técnicos, artistas, pessoal administrativo. Queríamos que a associação contemplasse a diversidade cultural do Brasil e trabalhamos com hip-hop, circo, cultura popular, teatro de rua.
Sua participação no Teatro da Vila, na Rua Jericó, começou quando e como?
Desde 2009 participamos deste projeto com a Escola Aprendiz. O Sarau do Charles ficou lá até o ano passado, agora nos apresentamos na Rua Fradique Coutinho, 1.004, no terceiro sábado do mês. O próximo será no dia 19. Mas nas noites de sexta, a curadoria é nossa. E no Teatro da Vila levamos esse conceito de diversidade cultural. Os Satyros estiveram à frente do Teatro na inauguração. E quando eles saíram, surgiu a oportunidade de ocupar o espaço. Eu sempre tive essa coisa de militância cultural. Era um espaço importante para ser ocupado aqui na Vila.

Quem já se apresentou no Sarau do Charles?
Muita gente. A Banda de Pífanos de Caruaru, Carlos Careqa, Seu Jorge já deu canja lá. São vários nomes que se apresentaram por lá. A proposta é ser democrático.

Em 2010, você montou a Mostra Mangue Cultural com apresentações na Praça Eder Sader. Deu certo? Teremos outra mostra neste ano?
Ocupar a praça pública está dentro da nossa militância cultural. É uma das nossas bandeiras. O balanço que faço da Mostra foi positiva. Apresentamos uma boa diversidade de artistas, com bom público e que poderemos ampliar na próxima Mostra. E como trabalhamos com recurso público, precisamos devolver ao público.

Quando será?
Com certeza será entre maio e outubro deste ano. Não tivemos que cancelar nenhum espetáculo por causa de chuva.

E quais outras ações que a Associação promove?
Agora temos a exposição de fotos do Mangue na Rua Fradique Coutinho, 1.004, onde acontece o Sarau do Charles que fica em cartaz até final de março. Desenvolvemos um trabalho de educação e cultura com mais de 100 crianças e adolescentes com a comunidade do Moinho, na Barra Funda. Ministramos aulas de informática e de circo. Entramos lá através do Escritório Modelo da PUC-SP. Primeiro trabalhei como voluntário e a cerca de um ano, com esse trabalho educacional. Agora, eu só coordeno a equipe do Raso.

E o projeto Circo para Todos?
A proposta é transmitir esses conhecimentos circenses para outras gerações. Todos os cursos são totalmente grátis para crianças a partir dos seis anos. Mas se aparecer algum adulto também pode frequentar. Nossos professores estão preparados. Serão cinco meses de curso e as aulas acontecem no Colégio Maximiliano, da Rua Jericó. As aulas serão no Teatro da Vila e na quadra de esportes. As inscrições vão até o dia 11 de fevereiro. Os interessados podem fazer a inscrição pessoalmente aqui no Raso, por telefone ou por e-mail. E no final queremos apresentar um espetáculo com todos alunos.

Que práticas circenses?
Entre outras, malabarismo e equilíbrio, acrobacia, chicote, contorção, perna de pau, monociclo.

Tem mais?
Temos desde 2009 o projeto O Circo Chegou com apresentações pelos bairros da cidade. No ano passado, nos apresentamos em vários pontos da cidade. Tudo grátis. Tivemos apoio da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Em 2011, faremos apresentações em 14 cidades do interior do estado. Mas em maio deste ano teremos um evento muito interessante e desafiador para mim.

O que é?
Chama-se Brasil dos Brasis. Será um encontro nacional aqui em São Paulo, onde vamos trabalhar as matrizes da diversidade brasileira. Teremos seminários com convidados de todo o país e da América do Sul. Durante o dia, rodas de conversa com especialistas e artistas. Grupos como o Quente da Madrugada de carimbó do Pará, o Grupo de Boi Santa-Fé do Maranhão, as congadas de Uberlândia (MG) e muito mais. Será montada uma lona de circo mas ainda não foi definido o local. Eu faço a direção e a concepção do projeto. Serão quatro dias intensos e Luiz Gonzaga será o grande homenageado. À noite, teremos os espetáculos. Tudo é grátis e aberto ao público.

Que importância tem a Vila Madalena para você?
Tem a ver com a qualidade de vida e da cultura. Para mim é fundamental. É um lugar que me deixa muito feliz! E quero ampliar os projetos aqui no bairro.

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