Toque italiano|no samba

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Foto:

Pasquale Nigro, um dos fundadores da Pérola Negra

Uma das escolas de samba
da Vila Madalena, a Pérola Negra, tem entre seus fundadores Pasquale
Nigro, italiano de Minervino Murge, pequena cidade da região da Puglia,
sul da Itália. Desde 1952, quando chegou ao Brasil, tem interesse no
samba que conheceu desde menino ouvindo marchinhas no rádio. Como ele
mesmo diz, fez do Brasil, e mais especificamente São Paulo, a fusão
entre suas origens italianas e a cultura brasileira. Letrista e bom de
samba, fez o hino da escola e tem parceria em vários sambas-enredo da
Pérola Negra, onde é diretor da Ala dos Compositores. Tem uma famosa e
concorrida cantina, na Vila, que leva seu nome e divide seu tempo entre
o fogão e a Pérola Negra.

O hino da Pérola Negra é seu, mas você tem sambas com parceiros, certo?
(Cantando) “Venha, você verá que vale a pena/chegar na Vila
Madalena…” Este é o hino da escola e é cantado antes do ensaio e na
avenida, antes da escola entrar no sambódromo. Quando eu estava fazendo
o hino da Pérola Negra, em 1978, tinha umas partes do samba. Queria
alguém para participar. Como não arrumei, fiz sozinho. Com alguns
parceiros, eu faço uma parte da letra e o outro complementa. Não tem
uma fórmula só.

No começo da Pérola Negra, falar da Vila Madalena não rendia um bom samba?
Achavam
que falar da Vila Madalena era muito pouco. Queriam falar do mundo.
Naquela época a gente sofria uma pressão da vizinhança. Por isso que eu
digo “a gente embora contra a corrente/cantando aquilo que sente…”.

Era preconceito da vizinhança?
Não.
É que um lugar, quando começa a crescer, surgem os prédios e a
vizinhança quer saber de tranqulidade e não quer saber se você está há
muito tempo no lugar.

E como vem a ideia para compor um samba?
Eu,
por felicidade, sou do tempo que não existia gravador. Eu memorizo
letra e música. Quando tem um tema, uma data específica. E nem todos os
compositores têm a mesma facilidade. É por isso que tem muitos
compositores que só fazem samba-enredo. Um exemplo, quando a Pérola
Negra tinha uma quadra na Rua Teodoro Sampaio, tinha uma escadaria com
52 degraus. Aí eu fiz (cantando): “se você quer saber onde tem samba
legal/é só descer 52 degraus…”, e aí vai. Eu fiz o samba sobre a nova
quadra da escola. E com esse mote – a nova quadra – surgiu um monte de
samba legal, feito por muitos compositores. É um samba de quadra.

Como surgiu a Pérola Negra?
Veio
de um bloco carnavalesco chamado Boca da Bruxa, que saía da Praça dos
Omaguás e ia até o Bar Redondo, nas esquinas da Rua da Consolação e
Avenida Ipiranga, para se encontrar com a Banda Bandalha, do Plínio
Marcos. Por essa razão que ele é o padrinho da Pérola. E existia na
Vila os Acadêmicos da Vila Madalena, que era um bloco. Os dois blocos e
o Bloco Tom Maior. A ideia inicial era juntar os três em uma escola.
Mas o Tom Maior acabou ficando de fora e virou escola mais tarde.

Você fazia parte do bloco Boca da Bruxa?
Sim.
Aqui na Rua Teodoro Sampaio tinha um bar chamado Arrastão. Era só gente
boa: o Zito, que tocava violão, o filho dele, tinha o Camisa, que
tocava um violão de cinco cordas, e eu já compunha naquela época
(1968). E em 1973, quando a Pérola foi criada, eu não estive na
reunião, andava ocupado com meu trabalho. Em 1977, fiz com o Borba um
samba-enredo, concorremos e ganhamos. No ano seguinte, eu e o Sílvio
Modesto fizemos outro samba-enredo e vencemos. Sei que foram cinco
sambas-enredo que eu com parceiros vencemos. E aí não concorri mais.

Desanimou de tanto ganhar?
Não.
É que a Pérola tinha, naquela época, uma diretoria estranha e a escola
teve uma caída. E aí, fiquei um pouco fora. Mas nessa época eu tinha um
sonho recorrente. Nele, a escola estava desfilando e eu não conseguia
alcançar a escola e coisas assim. E aí descobri que eu tinha que voltar
para lá. E aí voltei a desfilar nos carnavais.

Ser italiano e fazer samba. Já sofreu preconceito por conta disso?
Não.
Você sente isso por quem não é sambista e por quem não entende nada de
samba. Agora, quando você pega o pessoal como o Pé Rachado (falecido),
Sílvio Modesto, Borba, Feijoada e outros que nunca implicaram comigo…
Sempre me dei bem com esse pessoal.

Quem deu o nome de Pérola Negra à escola?
Tiveram
muitas sugestões de nomes: Unidos da Oeste, Unidos de Pinheiros, cada
um deu um palpite, mas acabou prevalecendo o nome Pérola Negra. Na
época, tinha uma música do Luiz Melodia com o nome Pérola Negra que
fazia muito sucesso e o nome estava no ar.

A Pérola Negra ainda representa a Vila Madalena?
Eu
acho que a Pérola é uma força muito grande na Vila Madalena. Acontece
que o pessoal elitizado fica olhando meio de lado. E quando é época de
carnaval, todo mundo aparece e faz questão de dizer “a escola é minha
vizinha”. Isso é comum. Mas a gente se preocupa o ano todo com a
escola. Hoje, já estamos estudando o tema de 2011. Ainda temos muita
identificação com a Vila Madalena.

Rolando Boldrin, o homenageado deste ano, é um bom tema?
Ele é uma pessoa muito querida. Ele é coisa nossa. E fala muito da nossa cultura. É bem coisa do Pérola.

Falar de nossas coisas. Sempre foi assim na Pérola?
Antes,
a escola só falava de temas de São Paulo, Piolin (palhaço), Adoniram
Barbosa (compositor), Portinari (pintor), Zequinha de Abreu (músico),
São Paulo dia a dia. É uma das características da nossa escola que eu
acho que deve continuar.

As pessoas da Vila Madalena desfilam na Pérola Negra?
Tem
empresário e tem o pessoal simples. E muita gente de fora. A Pérola não
é elitista. O pessoal já disse que a Pérola era uma escola de branco,
de estudantes, de jornalistas, do Partidão, falavam muita coisa. Podem
falar o que quiserem. Nós somos assim. Pode ser que em outras escolas
predominem mais negros, mais pobres…

As escolas aprenderam a explorar os benefícios da internet…
É
isso mesmo. Hoje, a escola vende fantasias pela internet. A fantasia do
Pérola é barata. Custa R$ 250. Você não imagina a mão-de-obra que dá
para fazer. E nós não temos interesse em cobrar muito caro. Não
queremos explorar.

As chuvas de dezembro até o final de
janeiro causaram danos no barracão da Pérola, lá na Vila Leopoldina.
Isso vai prejudicar o carnaval da escola?

É verdade, mas não
prejudica. Tivemos de refazer muita coisa. O pessoal teve de trabalhar
dobrado. Mas vamos sair normalmente. Isso acontece e a gente tem de
trabalhar com os imprevistos. E isso serve para unir mais a escola.

Os desfiles de hoje são melhores ou piores que os de antigamente?
Se
chovia durante o desfile, os instrumentos sofriam mais e o pessoal
colocava plástico em cima do couro. Com a água o couro do instrumento
desafinava. O plástico veio ajudar nesse ponto, embora o som seja
diferente. O desfile era mais simples. Tudo evolui e para quem tem
saudade dos desfiles de antigamente, que vá ver os desfiles dos
terceiro e quarto grupo! É mais simples. Não dá para sentir saudade dos
abre-alas de antigamente. A comissão de frente de hoje é teatral, com
coreografia, que é um resumo do tema da escola.

O que representa a velha guarda para a escola?
É o bastião da escola. Eu sempre digo para os novos: consulte sempre a velha guarda.

As escolas do Rio e São Paulo têm muita diferença?
Nós
não ficamos devendo nada para eles. Ultimamente, trouxemos para São
Paulo o pessoal de Parintins (AM), que são os melhores em carros
articuláveis, e eles trabalham tanto aqui como no Rio. A diferença fica
no dinheiro. Os carros deles custam R$ 1 milhão. O nosso R$ 100 mil.

E a bateria?
A
bateria da Mangueira é diferente das demais escolas. Ela tem uma batida
característica. As outras são parecidas. Antigamente eram diferentes,
mas foram mudando com o passar do tempo. Atualmente eles tocam sambas
que a gente não sabe se é marcha…

Escola de samba é mais do que os carros alegóricos, não?
O carnaval vai além do desfile. Tem toda a preparação, todo o envolvimento da escola no tema.

E a audiência dos desfiles pela televisão?
Muita
gente desconhece que o carnaval de São Paulo tem mais audiência para a
TV do que os desfiles do Rio de Janeiro. O paulista gosta de carnaval.

O que você considera um ponto forte na Pérola Negra?
Eu
diria o seguinte, sem querer puxar a brasa para a minha sardinha, mas a
velha guarda da Pérola é muito forte. Bons compositores como Nandão,
Sílvio Modesto, Murilão, Borba e outros que vivem de samba o ano
inteiro são alguns dos nomes da velha guarda da Pérola. Os que estão
chegando também são bons. O pessoal jovem respeita o pessoal da velha
guarda.

Você, como chef, usa no samba a mesma receita que usa na cozinha?
Tem
uma frase que eu gosto bastante: “Reunir sem confundir, distinguir sem
separar”. O maestro em uma orquestra reúne os instrumentos sem confusão
e o mesmo se aplica na cozinha, na hora de preparar um prato. As
pessoas têm de saber quem é quem.

Sua relação com a gastronomia vem de família…
Meu
avô tinha um restaurante na minha cidade natal, Minervino Murge. Foi o
primeiro da cidade. Ele era um grande chef, trabalhou em navios e na
Argentina. Essa experiência ele passou para a minha mãe, inclusive um
livro de receitas dele que agora está comigo.

Você chegou em que ano no Brasil?
Em 1951. Eu tinha 6 anos.

E nunca pensou em voltar para a Itália?
Já fui lá várias vezes, mas nunca pensei em sair do Brasil. Da Itália vim para Pinheiros e aqui fiquei.

Que cozinha que você pratica?
É uma cozinha pugliesa, do sul da Itália. É uma cozinha de época. É o que as pessoas procuram quando vêm aqui.

Com tanto tempo por aqui, você ainda gosta da região?
Sim,
e aqui tem de tudo. Moro numa casa aqui na rua do restaurante. Eu digo
o seguinte: São Paulo é a capital social do mundo, onde convivem
pacificamente todas as diferenças e eu faço parte dessa multidão.


www.pasqualecantina.com.br

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