Uma mulher apaixonada

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Dra. Albertina Duarte Takiuti

Ela é médica e tem um trabalho com adolescentes reconhecido internacionalmente – o Programa de Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, desde 1986, onde é coordenadora. Dra. Albertina Duarte Takiuti, ginecologista e obstetra no Hospital das Clínicas e professora na Faculdade de Medicina da USP, é uma pessoa movida à paixão pelo que faz. Portuguesa de origem, ela chegou ao Brasil com 10 anos e já se tornou moradora da casa onde hoje é seu consultório (R. Ásia, 150, telefones 3062-1366 e 3085-4594). Dotada de uma força extraordinária, nas palavras e nas ações, ela diz que dorme pouco e por isso sonha acordada. Acompanhe aqui um pouco do que conversamos.

Como começou o Programa Saúde do Adolescente?
Ele começa com a minha história de vida de médica que vai fazer 40 anos agora no final do ano. Me formei em 1970, e esse trabalho começou no Hospital das Clínicas, no Ambulatório de Ginecologia, quando eu tinha um ano de formada, com o Dr. Álvaro da Cunha Bastos, médico ginecologista e professor titular de ginecologia. Foi ele que fundou o primeiro serviço de ginecologia em nível nacional. Aprendi muito com ele, porque ele foi o meu perito, e o meu filho tem nome de Álvaro em homenagem a ele.

E como aconteceu a evolução do Programa?
Ele me apresentou a possibilidade de lidar com a menina adolescente, com a ginecologia da jovem e eu acho que as questões psicossociais das adolescentes são fundamentais. E aí, quando fui para a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo com esse trabalho, fui junto com a Secretaria do Hospital das Clínicas. Esse programa surge multiprofissionalmente, com a participação da Liga Americana de Saúde, e ele tem um resultado e é festejado internacionalmente.

O Programa foi divulgado?
A propaganda é o próprio programa. Vim da Bahia agora e pessoas de Moçambique, da Espanha, da França e do Canadá vinham cumprimentar nossa equipe porque sabiam que havia um programa no Estado de São Paulo que permanecia através dos governos e eles queriam saber qual era nossa forma que o programa não mudava. Todas as pessoas vinham nos cumprimentar, eles sabiam do Programa e de seus resultados desde 1998. Em Brasília, no Congresso da Adolescência, que foi em agosto, também fomos cumprimentados. Nós ganhamos prêmio num congresso internacional em maio e fomos muito aplaudidos.

Quais foram os resultados?
Em 1998, tínhamos 148 mil casos e passou para 94 mil casos em 2008. Então foram quase 54 mil casos de meninas que não ficaram grávidas.

A que você atribui o sucesso permanente do Programa?
Atribuo à possibilidade de você convencer prefeitos, convencer autoridades governamentais que esse programa é necessário, então ele não mudou, ele só foi acrescentando. Hoje, temos 25 casas de adolescentes no Estado, em lugares que são altos os índices de gravidez na adolescência. Quando você faz uma casa de adolescência, os municípios próximos de alguma forma se sensibilizam e vão fazer programas nesse sentido. Nós temos uma lei, a primeira lei da América Latina, que torna oficial a vida da adolescente, que informa, que ajuda e faz o acolhimento da adolescente, uma lei que fala claramente de sexualidade e de plano de vida. Os números são apenas um reflexo no indicador. Somos mais de 10 mil profissionais que deram cursos periodicamente – são três cursos por ano, cada curso tem mil pessoas, esse curso envolve em torno de 13 mil candidatos, ou seja, três mil que vêm e 10 mil para ligar. Cada um que vem aqui assistir à aula convida outros para assistir também e isso vai divulgando, então é uma multiplicação que a gente quase nem acredita que existe. Na verdade, por favor, hoje eu sou apenas uma coordenadora de um sonho que começou há 24 anos, mas esse sonho foi mostrando que é possível – quando uma pessoa está muito distante da gente e vem fazer um curso, ela vai para sua cidade pequena e sente que dá para fazer um trabalho e desenvolver um programa. Mais do que chamar a atenção para os resultados é a capacidade de assumir uma política pública multiprofissional e intersensorial, é isso que chama atenção.

Quem são essas pessoas?
São pessoas dos municípios ligadas à proposta de poder atender às adolescentes. Isso também está ligado à educação. Nós fazemos cursos com parceria da Secretaria da Educação, da Secretaria da Cultura. E depois as próprias Secretarias fazem seus programas, ou seja, é só uma semente que sai da possibilidade. O segredo do que mudou foi a possibilidade dos profissionais de darem ajuda em espaços simples, em diversos lugares com diversas oficinas. Então tudo isso é uma bênção.

Qual é o segredo do sucesso?
Nós recomendamos que os profissionais façam cara de paisagem e que saibam ouvir os adolescentes, que não julguem, que não sejam críticos, que não sejam julgadores. O segredo é possibilitar o adolescente a ter voz e possibilitar os profissionais de terem coragem de ouvir as vozes dos adolescentes, que eles tenham acolhimento, que sejam atendidos, não tenham maldades e nem críticas.

Ainda é grande o número de meninas que engravidam?
Temos números assustadores: são 500 mil adolescentes no Brasil que engravidam, 94 mil só no Estado de São Paulo – é uma adolescente de 10 a 20 anos a cada cinco minutos que engravida, é uma adolescente que dá luz a cada cinco minutos. É uma a cada duas horas de 10 a 14 anos que dá a luz em São Paulo. É uma a cada vinte minutos de 10 a 14 anos no Brasil que se torna mãe. Outros países da América Latina e a própria Inglaterra ou os Estados Unidos ficaram 30 anos para fazer redução, com recursos enormes. Então não é falta de informação, é falta de negociação, é falta de poder falar ‘sem camisinha não transo’, é falta de ter voz e é falta de atitude. A questão é que não é só a precocidade de idade, também é a precocidade de vínculo, porque ela conhece muito pouco o parceiro, não tem intimidade nenhuma, nem sabe o nome direito dele e nem sabe a casa onde ele mora, nada. E quanto mais ela se sente insegura, mais ela necessita de migalhas de amor. Não é falta de informação, é medo de não agradar e isso é da mulher, que continua com essa culpa, com essa cobrança eterna.

E isso independe de classe social?
Independe. Uma pesquisa mostrou que as meninas de classe média tiveram um aumento de 34% de gravidez na adolescência. Nós temos certeza de que estamos reduzindo as taxas de gravidez, mas estamos vendo um aumento dentro da classe média – e essas meninas têm todas as informações, e têm mais de oito anos de estudos. Diante disso, verificamos que o estudo não está garantindo a mudança de comportamento para que as meninas não engravidem, tanto no Estado de São Paulo quanto no Brasil. As estatísticas mostraram que as meninas analfabetas eram apenas 300 e que meninas de um a dez anos de estudo eram três mil meninas, mas de 11 a 13 anos de estudos que engravidaram eram cinco mil meninas. Quando vemos quase o dobro de adolescentes com mais de 11 anos de estudo que engravidaram, nós mostramos que o estudo não está garantindo a mudança de comportamento.

E o uso da camisinha entre adolescentes?
Eles estão usando. Reduzimos o índice de HIV no Estado de São Paulo em 76% nesses 10 anos, mas verificamos que as adolescentes têm mais medo da gravidez do que o HIV, porque uma mulher apaixonada tem um universo próprio e ela tem dificuldade de usar a camisinha porque faz parte da magia do adolescente acreditar no outro. Mas isso não é só a mulher adolescente: toda mulher apaixonada, até as de mais de 40 anos, acredita.

E os anticoncepcionais?
Hoje temos pílulas de baixíssima dosagem, que são de 10 a 15 vezes melhores que as pílulas de antigamente. As adolescentes usam as pílulas orais praticamente sem nenhum risco. Mas elas não usam por medo de engordar, por medo de dar celulite, então estamos desmistificando esses mitos.

Você também escreve.
Sim, sou autora de seis livros e coautora de sete. O que mais gosto é “O Gosto de Ser Mulher”, mas tem outros muito bons. Acabei de escrever um agora, “Nutritivos e Saborosos”, que foi feito junto com nutricionistas sobre receitas que os adolescentes fizeram. Tem diversas receitas de sucos, tipo suco para não ter celulite, suco pacificador, suco verde, suco para tensão pré-menstrual, suco da vida.

Você já morou nesta casa?
Sim, morei aqui. O que me encantou era o charme do bairro. Meu filho nasceu aqui e minha filha veio pequena para cá. Quando vi a Vila Madalena, eu disse: ‘quero morar aqui’. Esta casa foi adaptada para os meus filhos, tinha uma sala enorme e eu gostava de jardins e minha sogra, que é japonesa, plantou uma amoreira, que tem a idade do meu filho, e plantou também a laranjeira em homenagem a minha filha.

Como você divide seu tempo?
De manhã, das 9 até às 15h eu sou pública, e das 18h até às 3h da manhã eu sou privada (rsrsrs). Faço fisioterapia todos os dias, opero aos sábados. Sábado à tarde e domingo é o dia da família. Faço dança de salão todo sábado às 22h. Escrevo de manhã enquanto meus netos não chegam. Quarta-feira é meu dia de amor para o hospital, porque eu começo às 9h da manhã e vou até às 19h… fico lá o dia inteiro atendendo e acolhendo todos os pacientes. Agora, não tenho tempo para gastar com certas coisas de cozinha, não vejo conta de banco, não dirijo porque não sei estacionar, uso táxi, mas eu faço até tricô… as minhas almofadas do consultório. Digo que tenho o tempo das coisas que gosto e tiro o tempo das coisas que não gosto.

Você consegue sair de férias?
Só consegui uma semana em março e fui para Nova York, mas nunca tirei um mês de férias.

Sua mensagem final.
Olha, estamos discutindo gravidez, AIDS e doenças sexualmente transmitidas. Daqui um tempo, podemos ter também muitas adolescentes contaminadas com HPV, que é uma doença sexualmente transmitida, que, se não for tratada em dez anos, pode dar câncer de colo de útero. Se os adolescentes continuarem sozinhos na internet, procurando redes de amigos virtuais e não puderem ter contatos físicos, eles vão ser todos escravos dos relacionamentos. O grande problema é que os adolescentes são contra todos os ensinamentos dos pais, dos professores, das autoridades, mas não contra seus namorados. Adolescente que responde para os pais, os professores, é escravo do/a namorado/a, faz tudo que ele/a quer. Nós queremos que a sexualidade não seja uma algema nos relacionamentos, temos que romper essas algemas. Temos estatísticas que 60% das adolescentes são abandonadas durante a gravidez, então nós vamos ter, daqui a 10 anos, se a gente não tomar cuidado, muitos filhos de mães adolescentes que podem ser também adolescentes grávidas, porque o circuito se repete.

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