De Gutenberg ao Kindle

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De Gutenberg ao Kindle

Embora digam que o brasileiro lê pouco, vários números do mercado editorial atestam que ele tem lido mais. Os preços baixos também têm ajudado a aumentar as vendas. Conversamos com Rosely Boschini, sócia da Editora Gente e atual presidente da CBL – Câmara Brasileira do Livro, e moradora da Vila Madalena. Formada em arquitetura, ela exerceu a profissão durante 15 anos, mas está há 25 anos na editora. Em 2007, foi eleita primeira mulher presidente da CBL, onde fica até este ano. A CBL é um órgão que tem por objetivo difundir e estimular a leitura, e que também organiza a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, o Prêmio Jabuti, a Escola do Livro e participa de feiras nacionais e internacionais. Além disso, a CBL lançou o programa Minha Biblioteca, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, para motivar os alunos da rede pública a criarem o hábito da leitura. 

Quando começou seu envolvimento com os livros?
Meu envolvimento é completo. Acho que é assim desde muito jovem, sempre fui apaixonada por livros. Apesar de ser filha de uma mãe pouco letrada, ela tinha a educação como uma coisa muito importante. Ela me ensinou valores muitos importantes, porque achava que a gente só ia ser alguma coisa adquirindo estudo. E como a gente não tinha muitos recursos, meu caminho foi buscar em bibliotecas. Eu frequentava uma escola e todas as semanas eu pegava um livro diferente. Então a bibliotecária, quando chegava um livro diferente, me falava ‘acho que este você vai gostar’. Acho que foi o grande começo do livro na minha vida.

E como chegou à Editora Gente?
Quando o Roberto Shinyashiki fez o primeiro livro dele, de forma independente, ele decidiu fundar a Editora Gente e eu vim por causa da minha experiência administrativa. Peguei a editora com dois livros. Ele tinha um instituto de psicologia com muita coisa nova: tendências, terapias diferentes. Ele imaginou que, se tivessem livros, mais pessoas seriam beneficiadas e mais pessoas poderiam usufruir e se aprofundar. 

E o tamanho da editora?
Nós temos 42 funcionários e terceirizamos outros trabalhos, como, por exemplo, revisores, ilustradores, tradutores, capistas, etc.

E qual é seu segmento? 
É livro de autoconhecimento, livros mais ligados à psicologia, gestão, temos um catálogo enorme, e livros de esporte, principalmente corrida. Hoje temos três livros na lista dos mais vendidos, e eles ainda estão sendo negociados para a Itália, Portugal, Espanha e para a Coreia também. Os temas que envolvem relações humanas são temas de todas as nacionalidades. É bom saber que o que a gente faz pode fazer diferença em outros lugares.

O Brasil está lendo mais ou a produção de livros aumentou? 
Está lendo mais. Olha, o Brasil anda lendo por isso que a produção cresce. Em 2009, foram 386,4 milhões de exemplares. E, se você observar, os números de títulos também cresceram e o preço médio abaixou. Então é óbvio que os empresários de livros estão fazendo sua parte para colocar os livros no mercado. Uma pesquisa recente constatou que os brasileiros estão lendo mais – só que, por causa de parâmetros internacionais, tivemos que colocar o público infantil, então foi considerado também os livros didáticos.

Foram 743 mil pessoas na última Bienal do Livro de São Paulo.
Se você pegar as pesquisas da Datafolha das pessoas que foram visitar, o maior percentual foi de jovens de até 25 anos. Isso é inédito, é muito bom, porque são exatamente as pessoas que mais estão sendo bombardeadas pelas novas tecnologias, por novas mídias. Esses jovens podiam estar num show, mas eles foram a um lugar que só tem livros e só se fala de livros, e todas as atrações estão ligadas a isso.

Quantas feiras de livros existem no Brasil? 
Agora tem uma nova bienal que foi lançada em Recife, uma na Bahia, tem a de Curitiba, a de Tocantins, que é uma feira importantíssima, Belém do Pará tem uma importante também, em São Luiz do Maranhão, além de São Paulo e do Rio de Janeiro. E ainda tem várias feiras de livro pelo País. Temos um mercado fantástico.

Como foi o Brasil na Feira de Livros de Frankfurt, em outubro? 
O Brasil está crescendo ano a ano. Dentro da CBL sentimos a necessidade de se profissionalizar para ir à Feira de Frankfurt e para outras feiras de uma forma geral. Há quatro anos fizemos uma parceria com a Apex e nos estruturamos para participar em feiras internacionais. Então, Frankfurt teve um espaço lindo, maravilhoso, divino como o Brasil, bonito como a produção editorial do Brasil e só lá no estande do Brasil, no período de cinco dias de feira, tivemos um valor de 550 mil dólares fechados. Eram 50 editoras brasileiras nesse estande. 

Agora estão chegando os livros eletrônicos, como o Kindle, o iPad. Isso vai matar o livro de papel?
Ah, eu não acredito. Mas eu acredito que isso vai pegar. Fizemos uma parceria com a Feira de Frankfurt, também inédita no Brasil, para fazer o 1º Congresso Internacional do Livro Digital, que aconteceu em março do ano passado. Convidamos 600 pessoas, 65 jornalistas, e foi bem interessante, porque 80% dos convidados eram internacionais. Pouco antes desse congresso, numa outra feira, ouvi uma italiana falando as quantidades de pessoas no Orkut, Facebook, etc. Na mesma época, em outubro de 2009, vi que o número de crianças de até 12 anos que usa a rede era de 230 milhões. Quando ouvi esse número, minha ficha caiu e pensei: eu não sou leitora de livro digital, mas essa nova geração não tenho dúvida nenhuma de que será.

É uma realidade.
Ele vem de uma forma diferente porque, por exemplo, quem estuda principalmente buscando informação, o livro digital é maravilhoso porque é possível ver somente tal coisa, eles não precisam mais levar aquele calhamaço de papéis para ver uma coisa específica… Se eles precisam apenas do capítulo 2, eles vão estudando. Se precisar um dicionário naquele momento, para algo que você não entendeu, sem precisar pegá-lo e colocá-lo ali na mesa… você vai adorar. Eu tenho filhos e eles fazem tudo no computador. Acho que o livro digital veio para facilitar a vida.

E aqueles livros infantis com dobraduras, aqueles castelos se abrindo, como vai ficar essa magia no livro eletrônico?
Bom, o problema é que a gente só vê o livro digital de forma linear e ele não é para ser linear, ele deve ser diferente. É muito legal ler um livro com animais, com música, se possível com ilustração, etc. Agora, tem livros com entretenimento, onde tudo é possível, e aquele livro que requer imaginação, como os de Monteiro Lobato, Júlio Verne, você vai pôr sua imaginação. Mas de qualquer forma nós também fomos crianças diferentes das que estão aí e não podemos falar que uma coisa é melhor do que a outra, apenas são diferentes. Acho que os dois jeitos são importantes e vão conviver por muito tempo, porque eu amo papel, enquanto eu viver, as fábricas de papel vão ganhar muito dinheiro comigo.

Como é que ficam os direitos autorais do livro digital? 
Nesse quesito acho que vai ter um debate muito forte. A lei de direitos autorais tem que ser de alguma forma modernizada por conta principalmente do livro digital.

E a CBL já está fazendo algo?
Sim, mas é importante que a lei dos direitos autorais garanta a propriedade do autor, porque qualquer trabalhador tem que viver do seu trabalho, então o autor tem que poder viver do trabalho dele. O importante com o avanço da internet é que se tenha um certificado digital, da mesma forma que temos o ISBN (sistema internacional que identifica um livro) para o papel. 

Você lê todos os livros que publica? E na CBL?
Na minha editora, sim. Na CBL, não dá. Em 2009 foram lançados em torno de 21 mil títulos novos, são muitos livros.

E sua relação com a Vila? 
Ahh, adoro chegar em casa e depois sair com meu marido andando pelo bairro. Vou a cafés, restaurantes, olho as vitrines. É um bairro delicioso.

E sua mensagem final para os nossos leitores?
Eu acho que é assim: o mundo está dentro dos livros, é fundamental as pessoas lerem. Eu não consigo nada sem uma leitura, absolutamente nada. E um governo que se preza é um governo que incentiva a leitura.

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