O criativo da Vila

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Lourenço Bustani

Ele ficou no 48º lugar em um ranking com 100 pessoas. Nessa lista constava nomes de peso como Rebecca Van Dyck, diretora de marketing do Facebook, Adam Brotman, chefe do escritório digital da Starbucks, Stefan Olander, vice-presidente digital de esportes da Nike. Nascido em Nova Iorque, filho de diplomatas brasileiros, o empresário é formado em Relações Internacionais e Ciências Políticas pela Universidade da Pensilvânia e ainda estudou Administração na Wharton School. Com apenas 32 anos, ele comanda a Mandalah, na Vila Madalena, ao lado de sócio Igor Botelho. Os dois têm como intuito oferecer consultoria de negócios para empresas que desejem que o seu lucro esteja em transformar a sociedade em um lugar melhor. Conversamos um pouco com o empreendedor para saber como isso funciona, veja o que ele falou:

Como foi receber a notícia que você foi considerado o brasileiro mais criativo do mundo nos negócios, pela revista americana Fast Company?
Fiquei no 48º colocado na lista e o melhor brasileiro, entre os 100. Quando uma conquista vem junto de um grande senso de propósito a satisfação é especial. Ser reconhecido e saber que está fazendo a coisa certa. Por isso compartilho esse ranking com o Igor Botelho, sócio-fundador da Mandalah que lá atrás apostou nesse sonho comigo, com toda a minha equipe, que trabalha dia a dia comigo por organizações melhores e mais humanas. E compartilho também com outros tantos brasileiros criativos e inovadores país afora: prefiro ser visto como essa representação de que o Brasil está inovando e pensando em fazer isso com consciência e maturidade. Comoção e realização pessoal? Perto de tudo isso que eu disse acima não é nada.

Como eles descobriram você?
Eles me procuraram, conversaram bastante comigo, perguntando sobre a Mandalah e sobre a minha vida. Retomaram na sequência, pedindo algumas informações adicionais sobre cases da empresa, contatos de clientes, e depois de um tempo marcaram uma foto “superprodução” em um campo de futebol alugado só para isso, com um fotógrafo top. Foi quando percebi que as coisas caminhavam bem. Depois da fotografia recebi um e-mail do diretor de redação da FastCompany me convidando para a cerimônia de entrega do reconhecimento, em Montreal. Lá ele me contou mais: começaram com 700 nomes, a partir da ampla rede que eles têm de clientes, anunciantes, jornalistas, formadores de opinião, consultores, gestores de fundos de venture capital, empreendedores, executivos etc. Desses 700, filtraram 200, e aí sim realizaram as entrevistas, chegando finalmente aos 100. Isso é para explicar o processo, mas pra mim só estar entre os 700 já teria sido um reconhecimento bem bacana.

Qual a importância desse título para o nosso país?
A palavra mérito é sempre muito relativa. Tem muita gente boa por aí. Mas eu acho que se fosse definir o que a Mandalah traz e que chama a atenção das pessoas é essa intenção de unir lucro e propósito. Empresas podem e devem ganhar dinheiro, ampliar seus negócios, buscar o sucesso; nós só queremos mostrar que isso é possível sem necessariamente prejudicar o planeta e as pessoas. Todos podem sair ganhando, é o valor compartilhado.

Esse título lhe ajudou?
É ótimo, sem dúvida. Na prática, no dia a dia, não muda nada. Não deixa de ser um indicador, uma referência, mas não posso e não devo pensar que é pelo ranking de uma revista que a Mandalah vai crescer. Nossa vida e solidez vieram bem antes da FastCompany. Vida que segue.

Qual a fórmula da criatividade?
Sem dúvida você pode aprender. Na verdade pode treinar. A fórmula é estar perto de gente boa no que faz, que te estimula e que pensa junto. Formações multidisciplinares e multiculturais ao seu redor vão te impulsionar a ver as coisas por milhares de outros ângulos. A soma das diferenças é sempre muito reveladora. Não se pode temer o experimentalismo. O ambiente profissional também ajuda. Hierarquias são coisas do passado, é preciso mais diálogo, ver o outro não pelo seu cargo e carreira, mas pelos detalhes que podem fazer a diferença.

Sua criatividade lhe ajudou nos momentos de crise na empresa?
Se acreditamos que a nossa criatividade está sempre presente, ela vai ajudar tanto nos booms quanto nos busts. Portanto sim, já tivemos que fazer certas adaptações em momentos imprevistos (que na verdade são todos os momentos). Fugir do conceito de crise e aceitar que a vida é fluída, com seus altos e baixos, já é criativo por si só, não?

A Mandalah tem como proposta oferecer serviços que façam bem a sociedade ou ao meio ambiente. Como você faz isso? Funciona?
A Mandalah é uma empresa de visão, e por isso nos definimos como uma consultoria em inovação consciente. Atuamos na criação de serviços, produtos, estratégias, ou seja, podemos sim agir de diversos modos e em diversas áreas da estrutura de uma empresa, e inclusive por isso um rótulo, no nosso caso, se torna impraticável e arriscado. As empresas que só pensam em vender é o paradigma que desafiamos. Há companhias muito atrasadas no pensamento sustentável e humano. Outras já bem adiantadas, que levam isso a sério, mas muitas vezes não sabem traduzir em estratégias, não sabem fazer acontecer em harmonia com os negócios. A diversidade de diagnósticos é enorme. Nosso trabalho é atuar com cada uma delas nas suas disposições e possibilidades.

Como percebeu esse nicho?
O Brasil é um gigante que há um bom tempo vem acordando. E um dos caminhos desse crescimento é a oxigenação mental das corporações, ainda muito acostumadas ao jeitinho brasileiro e à informalidade. Quando retornei ao Brasil para ficar e fundar a Mandalah, ao lado do Igor, trouxe experiências profissionais e de mundo dos lugares onde morei, e vi que o terreno aqui era muito fértil pra ideias bem concebidas. Muita coisa precisando mudar, e o país se abrindo para o novo e para quem quiser colocar a mão na massa e fazer as coisas do jeito certo. Esse é o Brasil de hoje, com um potencial de dar inveja a qualquer um.

Você sofreu preconceito por escolher esse caminho?
Senti apenas que minhas ideias faziam parte de “um plano de contingência” – ou seja, quando tudo fosse por água abaixo, talvez nosso modo de pensar ganharia relevância como uma alternativa de desenvolvimento plausível. Aí veio a crise “mais que econômica” de 2009, uma colapso existencial do mercado, e a partir dela, especialmente, o ponto mágico entre o lucro e o propósito (que chamamos de inovação consciente) se tornou a menina dos olhos das organizações, que nunca souberam transcender o trade-off entre uma ação lucrativa e outra bem intencionada. Agora as duas não só coexistem, mas também se realimentam.

Como conquistou as empresas? A moda do sustentável ajudou?
Nunca tentei conquistar ninguém. A Mandalah não se vende, não se impõe. É um trabalho de compartilhar um modo de pensar e de sensibilização. E quanto à moda do sustentável, é um discurso de que já fugi faz tempo. Já pensou em tratar a honestidade como uma moda? Então…

Quais os clientes que você mudou a visão de trabalho?
Posso citar alguns cases como o estudo global sobre o futuro da mobilidade urbana, que desenvolvemos para a GM; recentemente também ajudamos a Nike a criar uma visão de marca integradora para o Rio de Janeiro, às portas da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016; para o Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 entregamos um trabalho de mapeamento de diversas expressões culturais brasileiras, que vão servir de base para o Plano Cultural Olímpico e hoje estamos com eles em um segundo projeto direcionado o branding visual dos jogos; junto da Natura demos vida à marca de perfumaria Amó; concebemos, como parceiros do Centro Ruth Cardoso, o Festival de Ideias, uma plataforma que recebe e impulsiona a implementação de ideias dos cidadãos para o desenvolvimento social; realizamos um estudo sobre o futuro da educação para o Colégio Bandeirantes, de São Paulo, analisando macrotendências do século 21. Trabalhamos com organizações públicas e privadas, brasileiras e estrangeiras, grandes ou pequenas, ONGs, negócios sociais e start-ups. Acho que a recompensa de todos os trabalhos é a mesma. Essa variedade é o nosso retrato mais honesto.

É difícil ser empreendedor no Brasil?
O que me sustentou como empreendedor foi o propósito. Essa é a dica que eu dou para os empresários. Encontrem o porquê dos seus negócios e ele vai te levar além. Vai ter gente querendo reduzir tudo a pó, dizendo que o bem é conversa fiada, que o importante é ganhar dinheiro. É nessa hora que uma boa dose de equilíbrio e leveza de consciência vão te fazer superar as barreiras e prosperar.

Como você descreveria sua empresa?
Na  noss sede em São Paulo, ficamos em um sobrado bastante aconchegante na Vila. Cuidamos como se fosse a casa de cada um. O Shivah (o cachorro), a comida caseira, tudo dá um ar de conforto que ajuda muito no trabalho. Também enchemos o lugar de cores, ideias e arte: tudo que motive o pensamento, o olhar. Mas não tem nada a ver com o Google.

É verdade que tem cachorro todo tempo na empresa com vocês?
Sim, é o Shivah, o nosso goldenretriever. Ele não só fica na Mandalah, como eventualmente visita clientes, vai à palestras minhas. A presença dos animais traz as pessoas mais pra perto do seu estado natural de tranquilidade. Esse equilíbrio e esse conforto (o popular “quebrar o gelo”) criam ambientes mais propícios para diálogos e para pensar nos negócios de um jeito ainda não refletido. O Shivah ajuda com esse toque de pureza.

Como escolhe sua equipe?
Tem que ser pessoas que não se contentem com os paradigmas e cenários vigentes, que ousem em ir além. Indivíduos com rigor analítico, que trabalhem bem em equipe e tenham apreço pela criatividade e espírito empreendedor; curiosos, multiculturais, que falem outros idiomas e sobretudo que carreguem consigo uma ética não negociável.

Por que escolheu a Vila Madalena para montar a sua empresa?
Por ter um “feel” residencial, pelo perfil descolado, mais tranquilo e mais humano de seus habitantes, pela discrição e também pelo nome simpatíssimo do bairro. Gosto da vista, o relativo isolamento que a região mantém do resto da cidade – uma selva de concreto.

A Vila influencia a sua criatividade?
Me sinto em casa aqui. Os únicos ruídos são dos passarinhos e dos cachorros latindo. Não intimida, tem um ar um pouco menos poluído que os outros bairros, vejo o horizonte da varanda do meu escritório. É um bairro que aproxima, acolhe.

O que não gosta na Vila?
Dos preços exorbitantes de aluguel e da dificuldade de andar de bike (por conta da topografia irregular, com muitas subidas e ruas e calçadas mal cuidadas).

O que as pessoas do bairro têm?
Têm apreço pela qualidade de vida e um espírito de cordialidade e abertura para o cultivo das artes. A Vila consegue unir o retiro residencial e um certo afastamento do ritmo de São Paulo com uma pulsação totalmente urbana e essencialmente paulistana. Sinto falta disso no resto da cidade.

Muitas pessoas andam reclamando da Vila. Os empreendedores são os principais. Alguns estão saindo do bairro. A justificativa é que o aluguel é caro e não tem tanto público. Você como criativo nos negócios, concorda com isso?
Concordo que está ficando caro e me chateio com isso. Mas isso segue a regra de oferta/demanda. Afinal, as pessoas estão percebendo que é um bairro bom e onde as pessoas vivem melhor. Com isso, a demanda sobe, e com a oferta beeeem limitada, o preço dispara. There’s no freelunch. Não acho que a região esteja na mesmice. Tem muita gente bacana morando aqui e muitos comerciantes bem interessantes, por mais discretos que sejam. É low-profile apenas, o que ao meu ver é favorável.

Quais seus projetos para o futuro?
Viver o presente, que anda bem badalado e exigente (e não é uma reclamação. Como eu disse antes, lutamos pelas conquistas, e as conquistas trazem mais responsabilidades). Feito isso, torço para poder descansar um pouco no futuro.

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