E agora?

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Rolando dadinho, jogando bilhar. Cerva vem, cerva vai. Feriadão normal. Pelo menos até pintar o primo do Borges. Que carro era aquele? Talvez um Lada modificado ou um Fiat 147, ou até mesmo um óvni estilhaçado vindo exausto do espaço sideral todo furado de ferrugem e marcas de fogo. De dentro daquela lata velha sai um ex-futuro hippie direto de Woodstock, que viajou pelo tempo e aterrissou na Vila Madalena. Calça de saco, chinelão de pneu, cabelão e óculos escuros de John Lennon. As bolas da mesa de bi- lhar ficaram estáticas como astros imóveis no universo. O “ser”, então, sai de um facho branco nublado da luz do dia e adentra o boteco escuro e diz: “– Fala, Borjão, e agora?”

Não demora muito esse primo do Borges, o End Now, sugere a todos darmos um pulo rapidinho em Bertioga, na casa de umas amigas. Aquele cheiro de homem no ar já havia empesteado o lugar. Topamos. Todos a bordo do velho óvni. Nada de pegar na partida. Outro grito: “– E agora?” “Agora a gente empurra, End”, diz o Borges. Após uma grande explosão de fumaça seguida de faíscas, trisca e pega.

Cada boteco, uma parada. O sol se pôs no mar. Rolling Stones saía já rouco do toca–fitas TKR, ou o que sobrou dele. Alguns como Jimmy Hendrix e Led Zeppelin já se negavam a cantar de novo e a fita se enroscava inteira. Um misto de brisa e hortelã queimada vinha da janela do End. Naquela época havia alguns trechos pela praia, maior parte, da rodovia Pedro Taques, era na orla. Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe iam devagar recebendo aquela jovem tribo de felizes descendentes dos Tupiniquins.

Borges nos contou que de tanto ácido lisérgico que o End Now tomou, além de xarope, ficou monossilábico para sempre, repetindo sempre o tal “E agora?” Começamos a cavar e jogar folha de coqueiro, bananeira e mato. Escapamos. Em seguida, um rio, entre o mar e a estrada. 

Uma enorme duna de areia ao lado. O End não pensou duas vezes. Saímos do carro. Ele subiu de ré até onde pôde na duna. Com sa- crifício nos explicou que iria embalar, descer com tudo e passar planando pelo rio. Lá foi ele. Acelerou, veio e… Tibum! O carro entra e começa a afundar. Tiramos o maluco do End de dentro. Os bancos do carro, direção, quase tudo encoberto pela água. Daí, o que subia para o teto do carro de baratas que vinham de todo o lugar da carroceria era incrível. O óvni submergia. “– E agora, Borjão?” “Agora você não abre mais sua boca!”, bradou o primo. Voltamos e não poderia ser diferente. Pela manhã, pegamos o Expresso Cometa e retornamos ressaquiados, solteiros e cheios de picadas daquele feriadão que os anos setenta não trazem mais.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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