Pedro Costa, Tilápias Uspeanas

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Surgia no começo da década de 70, quando notaram que havia lagos nas margens do rio Pinheiros, com nascente própria e acima do lençol freático, portanto isolado do rio, a Raia da USP. Outrora em suas margens, o rio Pinheiros chegou a reunir mais de 15 clubes de regata. Em suas águas, a noite permitia, como no encanto de outrora, a lua e sua sombra tremula se espelhar sob suas águas limpas, sereias, botos e indinhos Tamoios já foram vistos por alguns invasores noturnos, puladores de muros inebriados, onde íamos pescar. Exatamente lá. Na raia da USP. Tilápias e lambaris nos aguardavam sempre em certas madrugadas.

Bar do Gerson. Era a concentração e o ponto de encontro da pescaria. A postos eu, Risada, Gino Ranciaro, Pirirí e Nica. Varas de pescar, iscas, embornal, linhadas, lanterna e cachaça. A tralha completa. Três da manhã era a hora boa. E o sono do vigia da USP também. Dentro do fusca do Risada, o “Trovão Azul” partia sereno, exceto pelo cano de escape amarrado que raspava no chão e produzia lindas faíscas e mais risadas do seu dono que sabia dirigir só carrinho de mão. Lá fomos nós na calada da noite para mais uma pescaria. Ágil e magro o Nica subia primeiro no muro dando a mão: “Arriba muchachos”. O Risada, sempre com acesso de riso fazia a escadinha. Pirirí, nosso eterno bardo, queria sempre tocar um rock sem guitarra em cima do muro ou fazer um breve discurso sobre o racismo, que de pronto tirávamos aquele seu lencinho vermelho do Jimmy Hendrix de seu pescoço para amarrar sua boca. Muro pulado, silêncio para não acordar o guarda noturno, varas em riste, sentávamos na grama. Tilápias tilintavam tontas no embornal que aos poucos enchia. Pirirí teimava sempre em vão, num estribilho rimar rio Pinheiros com Rio Pedrense.

Assim foi durante anos nossa pescaria noturna. Logo de manhã tinha tilápia na brasa, lambari a belle munière, frito ou ensopado, cerveja e violão para a galera madalesca. Até que um dia essas noites tiveram fim. O Nica levou sem a nossa permissão, uma tarrafa e lá já estava ele antes de nós, recolhendo um monte de peixe. Ao subirmos com sacrifício o muro, a rede despenca lá de cima caindo peixe na Marginal pra tudo que é lado. Motorista desviando e mendigos pegando peixe na pista. Pirirí discursando sobre o “Milagre dos Peixes”. Viatura. Todo mundo em cana. Vaquinha, fiança, liberdade e tilápias nunca mais.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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