Desde garoto gosto de comer fruta no pé. Sempre que posso, ou quando o coração pede, saio andando pelas ruas mais tranquilas da vila. Catando pitanga, batendo os olhos nas mais vermelhinhas, nas amoras mais pretas, nêsperas e ameixas mais amarelas, frutas por aqui que dão em penca. Geralmente as melhores estão mais altas. Paro sob o pé e fico pensando um jeito de pegar, com o cuidado de não quebrar nenhum dos galhos. Distraio-me e volto a ser o moleque fui. Questiono aonde vim parar, porque o tempo insiste em andar ou apenas indagar sobre a amizade, a humanidade, onde nos perdemos, o porquê de complicarmos as coisas… Coisas que só o caminhar respondem.
Hoje cedo consegui uma pitanga esticando bem os braços e as pontas dos pés, quando um garoto baixinho apareceu do nada, ou saindo da escola, segurou minhas pernas antes do meu desequilíbrio. Enfim peguei a carnuda pitanga. Olhei para o garoto e para ela, num ímpeto e zelo recíproco, entreguei a bela frutinha que ele habilmente encaçapou direto pra sua boca. Agachei, bati no joelho, ele subiu nos meus ombros como um Zorro ao seu cavalo Silver, ou Roy Rogers ao Trigger e o Fantasma ao seu cavalo Herói, ou Cisco Kid com o Diablo, assim eu e aquele garoto, pensei: “Agora não tem pra ninguém”. Repetimos a dose. Esvaziou seu estojo na mochila. Mudos e de total acordo, subiu de novo nos meus ombros e assim rodeando o pé de pitanga lotamos o seu estojo e sentados na sarjeta devoramos uma a uma entremeadas por sorrisos da gente. Um leve soquinho entre as mãos, um estalar de palmas seguido d e dois olhares de “valeu”, partimos sem dizer adeus.
Voltando feliz pensei, que aquele garoto assim como eu não dissemos nossos nomes, nem ao menos nos falamos, porém parece que nos conhecíamos há muito tempo, num instante senti que não havia estado com ninguém além de mim, catando pitangas, pois aquele garoto era eu, que estava apenas precisando trazê-lo de volta pra mim.
pedrocosta.pira@uol.com.br