O anfitrião de Yoani

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O historiador, escritor e editor Jaime Pinsky, é morador da Vila Madalena há mais de 40 anos. Professor universitário com passagem pela Unesp de Assis, USP e Unicamp, onde foi um dos fundadores da editora daquela universidade. Publicou mais de mais de duas dezenas de livros onde aborda o judaísmo, a cidadania, a história, entre outros temas. Tem obras em parceria com Florestan Fernandes, Rubem Alves e Rubens César Fernandes, para citar alguns. Criou, em 1987, a Editora Contexto, que já lançou mais de 500 títulos. Nesta conversa, ele fala de sua carreira, do mundo editorial e também da recente visita da blogueira cubana Yaoni Sánchez, que ficou hospedada em sua residência, na Vila Madalena.

Desde quando o senhor mora na Vila?
Desde 1969. Morei na Rua Carlos Norberto de Souza Aranha, na Rua Original, bem no buchicho da Vila e desde 2003 neste endereço. Gosto muito da região.

Como virou editor?
Foi meio por acaso. O então reitor da Unicamp, o professor José Aristodemo Pinotti, um dia “descobriu” que a universidade não tinha uma editora. Então, ele criou um conselho editorial com nove professores de áreas diferentes da universidade e fui um dos escolhidos e eleito para ser o diretor e criador da editora da Unicamp. Nessa época eu já havia publicado alguns livros e gostava desse negócio de editora. Quando terminou a gestão do professor Pinotti, fiquei até a nomeação de outro diretor. Nesse período de transição, notei que gostava desse negócio e sugeri abrir uma editora juntamente com alguns colegas. Eles acharam ótimo, mas não estavam dispostos a arriscar nenhum dinheiro, mas se ofereceram para coordenar projetos por áreas. Então nós começamos com uma equipe de coordenadores de alto gabarito e qualidade.

E aí surgiu a Contexto?
A editora tem 26 anos. No início funcionava na sala da minha casa, até de forma amadora. Para dar início, vendi um terreno que tínhamos na Granja Vianna, onde seria construída a casa da família. Como eu já trabalhava registrado desde os 14 anos, resolvi me aposentar da Unicamp e tocar o projeto da editora. A família toda foi mobilizada para ajudar. Mais tarde, alugamos um espaço e posteriormente compramos o imóvel onde ela funciona até hoje, na Lapa.

Qual é a linha editorial da Contexto?
Procuramos fazer livros muito sólidos, não quero dizer pesados. Procuramos a solidez no conteúdo e não na forma. Nossos livros têm uma forma leve e um conteúdo profundo. E ao contrário do que muita gente imagina, o livro da Yoani Sánchez não é um dos best-sellers da Contexto. Entre os mais vendidos, entre cinco mil exemplares por ano, cito o “Ler e Compreender”, das professoras de linguística Ingedore Villaça Koch, da Unicamp, e Vanda Maria Elias, da PUC-SP, que já vendeu 100 mil exemplares e foi lançado há dez anos. É um livro extremamente operacional. É prático e ao mesmo tempo profundo, assim como “Coesão Textual”, da professora Koch, que já vendeu mais de 200 mil exemplares. O livro que eu organizei, “História da Cidadania”, que conta com 20 autores espetaculares, foi lançado em 2005 e vende muito bem. É sempre citado em pareceres de tribunais e usado em faculdades de direito, sociologia, ciências políticas, história, em qualquer área que trata sobre a cidadania. É uma bibliografia obrigatória. Temos alegria em constatar que os livros que produzimos com muito cuidado, circulam e isso responde ao nosso objetivo e lema de “promover a circulação do saber”. Partimos de uma constatação de que os trabalhos dentro das universidades não circulavam.

O que é ser um historiador?
Todo historiador é um sujeito modesto. Ele olha para o passado para entender o que aconteceu. E às vezes até acerta (risos).Ainda somos poucos leitores?Pela população, o número de leitores é ínfimo. Acho que é um problema cultural. Passamos direto da cultura oral para a visual, imediatista e não tivemos tempo suficiente para a leitura. Não é por acaso que Chile e Argentina têm Prêmio Nobel e o Brasil ainda não. Aqui, o número de livros lidos, tirando os didáticos, oscila entre um e dois por ano por pessoa. É muito baixo!

Os digitais tomarão o lugar dos livros de papel?
Acho que o digital vai conviver com o papel. Temos e somos bastante pioneiros nesta área. Temos livros para vários suportes digitais. Eu tenho um leitor digital, mas ainda acho o livro em papel mais prático. Gosto de rabiscar e escrever nos meus livros. Claro que para quem vai viajar e levar um leitor em vez de uma pilha de livros é razoável. Agora, em casa, deitado e tranquilo, gosto de ler em papel.

No futuro, o que vai atrair o leitor?
Hoje, muitos livros são vendidos pela capa, pelo nome do autor, pelos comentários, dificilmente pelo nome da editora. Na versão digital, a editora vai ter uma importância maior. É como quando procuramos notícias na internet, você não procura “notícias”.

Você procura por fontes confiáveis como Estadão, Folha de S. Paulo, G1, Uol, enfim. Vamos falar de Yoani Sánchez. Ela ficou hospedada aqui na sua casa?
Sim, nos quatro dias em que esteve em São Paulo.

Foi possível passear pela Vila?
Infelizmente, não conseguimos fazer um passeio a pé. Fizemos um passeio de carro. Evidentemente a Vila não é um lugar para ser curtido de carro.

O que ela achou de São Paulo?
Adorou São Paulo. Ela ficava aqui na varanda do apartamento com o computador, escrevendo, vendo a paisagem e curtiu muito. Achou tudo muito lindo. Na noite de autógrafos na Livraria Cultura, ela foi muito hostilizada e não conseguiu falar.

O que ela disse sobre isso?
Para profundo desagrado dela, um grupo de uns 30 jovens a impediu de falar. Ela ficou muito revoltada. Para ela, as manifestações políticas são normais e gostaria que isso acontecesse em Cuba. Mas impedir o lançamento de um livro foi uma atitude anticultural. A hostilidade foi excessiva, embora o grupo favorável era maior, mas não organizado como o outro.
 
Ela seria agente da CIA?
Você será o primeiro jornalista a quem eu vou falar sobre isso. E olha que falei com todos. Se ela é agente da CIA, a CIA está pagando muito mal! Ela chegou aqui com uma mala com 15 quilos, mais da metade disso, livros e computador e um mínimo de roupas. Até lavamos a roupa dela de um dia para o outro para ela não ficar sem roupa. O único luxo que ela tem, ou queria ter, é na área de comunicação eletrônica. Ela tem um Apple antigo e até precisou usar o meu. Teve um empresário, de origem cubana, que vive aqui no Brasil e ficou rico, nos procurou e se ofereceu para dar um presente para ela. A Yoani me perguntou se eu o conhecia. Ele é amigo de uma pessoa próxima, que é séria e sabia que não iria explorar isso politicamente. Ela e a família dele foram ao Shopping Villa Lobos e compraram algumas coisas eletrônicas e um sapato fechado, porque chegou aqui com sandálias de verão, mas ela seguiria viagem para a República Tcheca, em pleno inverno. Então, se ela recebesse dinheiro da CIA ou de quem quer que seja, ela teria essas coisas com facilidade. Ela vive dentro das possibilidades dela em um país com restrições.

Como o livro dela veio pra sua editora?
Edito o livro dela desde 2009. Alguém disse que havia uma blogueira cubana interessante que havia publicado um livro na Itália. Eu não sabia quem era. Quando fui à Itália, conheci o livro dela, “Generación Y”, editado pela Mondadori, com crônicas mas sem uma organização. Não gostei e não achei interessante. Mas quando um conhecido foi à Cuba, pedi para levar uma mensagem minha, sugerindo que ela mandasse crônicas do seu cotidiano em Cuba. Ela gostou da ideia. Depois nos falamos por telefone e ela me mandou o material que me chegou às mãos não pela CIA, que eu não tenho contato (risos)!

O livro teve edição especial?
Quando o material chegou, o organizamos de uma forma diferente. Criei o título e fiz a apresentação do livro e um autor da editora escreveu o posfácio. É a visão dele e não concordo totalmente. A ideia do livro é mostrar que ela é uma patriota cubana e não podemos confundir o Estado com o Governo.

Qual sua impressão dos grupos que a hostilizaram?
Uma das coisas que me deixou preocupado foi a pouca reação de integrantes do Partido dos Trabalhadores, além do Senador Eduardo Suplicy e do jornalista Eugênio Bucci, às manifestações contra a Yoani.

E o tratamento da imprensa?
Ela chegou aqui em casa na hora do jantar e perguntamos o que ela queria comer. Pediu pizza, pois falaram pra ela que São Paulo tem a melhor pizza do mundo. Fomos com ela até a pizzaria Monte Verde, aqui ao lado. Na entrada do prédio havia jornalistas, que nos acompanharam até a pizzaria. Pedi para que eles não entrassem e que na saída eles poderiam fazer as fotos e falar um pouco com ela, que estava afônica. Foram respeitosos.

O senhor uniu ela e a imprensa?
Sim. Todos os que pediram entrevista tiveram ocasião de conversar com ela. Fizemos uma coletiva na Contexto e todos os meios foram pontuais e respeitaram o tempo determinado. Curioso foi o convite de uma emissora de TV: queriam mandar um helicóptero para buscá-la, mas aqui não temos heliponto!

E os contatos com os políticos?
Ela aceitou se encontrar com o governador Geraldo Alckmin, no Memorial da Resistência, no antigo Deops, no bairro da Luz. Ela é muito viva, bem informada e não se deixou manipular por políticos. Eu dava pra ela minhas opiniões, mas as decisões de ir ou não, foram exclusivamente dela.

Ela fez algum pedido especial?
Ela é muito simples, sem afetações. Escrevia seu blog aqui na varanda, telefonava com regularidade para o marido e o filho. De despedida, pediu uma reunião familiar e meu genro que é argentino, fez um churrasco na casa da minha filha para ela e nossa família. Ela gostou muito.

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