Dona de uma editora que já lançou no mercado cerca de 300 títulos, Ivana Jinkings fundou em 1995 a Boitempo Editorial, que tem sede na Vila Madalena. Entre os títulos, muitos são dedicados ao marxismo, ícone do pensamento de esquerda. Também tem uma coleção voltada à cidade de São Paulo, com biografias, temas e a história de alguns de seus bairros, entre eles a Vila Madalena. Nesta conversa, Ivana, uma das autoras da “Enciclopédia Latino-Americana”, fala de bienais de livro, marxismo, preços de livros e formação de novos leitores.
Como você iniciou sua relação com os livros?
Nasci dentro da livraria do meu pai, em Belém do Pará. Eu e as minhas irmãs aprendemos a gostar de ler e fomos influenciadas pelos meus pais. Na minha infância e na adolescência eu lia tudo. Li muito Monteiro Lobato.
Seu pai, Raimundo Jinkings, teve uma grande influência em sua vida e na decisão de ser editora?
Sim. Meu pai era funcionário do Banco da Amazônia (BASA) e foi demitido em 1964, por conta das posições políticas dele. Ele fazia parte do Partido Comunista Brasileiro, o PCB. Ele precisou ficar algum tempo escondido por conta do golpe militar. Depois se entregou e quando foi solto não tinha trabalho. Como ele era cliente e tinha muito contato com as livrarias e editoras como a Brasiliense e outras editoras daqui do sudeste, acabou virando vendedor de livros. Começou vendendo livros em casa. Ele acabou virando uma referência. Ele era muito querido e sempre procurado pelas pessoas e se tornou referência para muita gente.
O que o tornava uma referência?
O diferencial dele é que foi um bom leitor e sabia indicar o livro de acordo com o tema ou autor. Ele não vendia livro que ele achava que não era bom.
Quando ele fundou a editora Boitempo, em Belém?
No final dos anos 1960. Meu pai e o Carlos Sampaio, que também era dirigente do PCB, abriram a editora e deram o nome de Boitempo (poema de Carlos Drummond de Andrade). Publicaram alguns títulos e muitos deles mal saíam da gráfica já eram apreendidos pela polícia. Por questões óbvias eles acabaram fechando a editora. Quando eu morava em São Paulo e decidi abrir a editora, quiz dar o nome de Boitempo em homenagem a eles. Abri a editora em setembro e ele morreu em outubro. Apesar da doença, ele sempre me incentivou muito a abrir a editora. Depois de muitos anos, fiquei sabendo que eles tinham a autorização do próprio Drummond para usar o nome.
O que a trouxe para São Paulo?
Cheguei em São Paulo em 1983. Cursei biologia no Pará, mas nunca fui buscar o diploma. Vim para São Paulo com uma carta de recomendação para trabalhar com um pesquisador em genética e acabei indo trabalhar no jornal Voz da Unidade, do PCB. Depois passei por outras editoras.
Como define a linha editorial?
Tem editoras que publicam um pouco de tudo. Eu diria a maioria. No caso da Boitempo, se eu recebo um livro de literatura e acho que o texto é bom, eu não preciso saber a posição política do autor para publicar. No caso dos ensaios, temos uma linha editorial bem definida e sempre publiquei autores de esquerda. Mas publicamos ficção, biografias.
O marxismo ainda é uma alternativa válida?
O marxismo, embora contestado, está cada vez mais atual. Veja a crise do capitalismo, a crise na Europa. Mesmo em países capitalistas da Europa que conseguiram conquistas sociais importantes, foi à custa de movimentos sociais e populares, foi a Comuna de Paris… Isso não foi dado à população. Foram conquistas dos movimentos populares, comunistas, socialistas e que continuam em curso.
As teorias de Karl Marx (1818-1883) ainda são válidas?
Marx não é uma receita pronta. Tem alguns pontos em que ele não foi perfeito. Marx não foi bom em tudo! Marx tinha uma cultura impressionante e foi brilhante em alguns pontos. Friedrich Engels (1820-1895), que trabalhou com Marx, por exemplo, fez um estudo com trabalhadores na Inglaterra que deveria ter ser feito aqui em São Paulo, onde ele mostra as condições de trabalho deles. Levando em conta os poucos recursos que dispunha, é um trabalho impressionante. Eles tinham métodos que são inquestionáveis, mas é claro que eles não eram perfeitos. A questão ambiental, por exemplo. Mas como teoria, o marxismo é imprescindível.
Mudando de assunto, a coleção Pauliceia tem títulos diretamente ligados à cidade de São Paulo. Como ela surgiu?
A coleção conta a história de alguns bairros e personagens de São Paulo. A ideia e a coordenação é do Emir Sader. A coleção foi inspirada em uma série publicada no Rio de Janeiro sobre bairros cariocas.
Quais foram os primeiros títulos desta coleção?
Foram: “Vila Madalena”, “Brás”, “Semana de 22”, “Democracia Corintiana”, “Ronda da Meia-Noite” e “Adoniran Barbosa”. É dividida em temas, biografia, eventos e bairros.
Como é feita a escolha do autor de cada título?
Escolhemos pessoas que inseridos no título/tema. O Mino Carta, por exemplo, não mora na Mooca, mas tem uma convivência grande com o bairro. Assim foi a escolha do Enio Squeff para escrever sobre a Vila Madalena.
Teve algum livro que seria pouco comercial e virou sucesso?
Não foi exatamente uma surpresa, mas o livro “Para ler o Capital”, do húngaro István Mészáros, com mais de mais de mil páginas, vendeu bem. As pessoas diziam que eu estava sendo louca e que não iria vender, que ninguém iria ler. Para viabilizar a edição, eu vendi cotas antecipadas. A primeira tiragem vendeu em poucos meses.
Os e-books alteram a venda e a leitura dos livros de papel?
Comecei com os e-books com muito medo. Tenho uma relação de vida com o livro em papel. Mas, percebemos que para livros mais extensos como é o caso do “Para ler o Capital”, não é fácil ficar carregando livros pesados. Neste último Natal, viajei com uma mala pesada, cheia de livros, enquanto que meu filho com seu Kindle baixou vários livros que têm o download gratuito. É outra forma de ler um livro.
A internet ajuda a vender?
Temos um bom volume de venda através da internet. Mas vendemos mais livros em eventos e palestras como a David Harvey. E nas feiras universitárias.
O brasileiro lê pouco?
Ainda é preciso formar um público leitor. É preciso mais bibliotecas públicas.
São Paulo não tem um número suficiente de bibliotecas?
Não basta ter o espaço físico. É preciso atrair o leitor. Promover encontros de autores e as escolas precisam formar e criar o hábito da leitura aos alunos. É claro que é melhor ler algum livro do que não ler nenhum, mas a impressão que eu tenho é que temos muitos leitores que leem um determinado tipo de livro e nada mais.
As bienais do livro ajudam a formar leitores?
Acho são eventos anti-incentivo de formar leitores. Eu não participo. Nem se me pagarem para participar. As pessoas só ficam pegando sacolas e folhetos. Tem muito de show. Ela é grandiosa e as grandes editoras montam castelos onde o livro não está no centro. Quando eu ia às antigas bienais, você tinha contato com os livros de outra forma. A impressão que tenho do público que vai às bienais é que eles vão ao evento como outro qualquer.
Como formar novos leitores?
O que forma novos leitores são políticas de acesso ao livro. As bibliotecas precisam funcionar em finais de semana, precisam ser atraentes. Na Mário de Andrade, reinaugurada recentemente, faltam livros, falta acervo.
O que você acha da chegada de grupos estrangeiros no setor?
Hoje em dia, temos uma concentração muito grande de editoras e de livrarias.
Você já teve proposta para vender sua editora?
Acho que ninguém até agora teve coragem de propor. O problema é que, quem compra, além do valor, tem interesse no seu catálogo e seduz com a promessa de manter a linha editorial além de manter o antigo editor no comando e com independência. Mas o que aconteceu até hoje não foi isso. Todos os amigos editores que eu conheço que venderam suas editoras acabaram saindo. Esses grupos não estão preocupados com qualidade. Eles querem lucro e nada mais.
O livro no Brasil é caro?
Não acho. A grande dificuldade que temos é que as tiragens aqui são baixas. Se fossem mais altas, eles custariam menos. Outra coisa é que não conseguimos vender para os outros países de língua portuguesa. E isso é uma limitação muito grande nossa. Mas se você compara com edições lançadas em italiano, em francês, são com preços semelhantes aos nossos. Os livros publicados em inglês têm uma vantagem. Aqui os impostos não são excessivos. Temos até algumas isenções. A questão principal para os livros no Brasil custarem o que custam é a falta de escala.
Livros infantis e juvenis são uma saída para as editoras sobreviverem?
Quem edita livros para esse público tem a possibilidade de vender livros para o governo, para as escolas. As universidades não compram livros como deveriam. As bibliotecas públicas têm o que chamo de péssimo hábito de pedir livros para as editoras. Elas parecem não saber que vivemos de vender livros. Não trabalhamos com o sistema de vender para escolas. O governo não compra livros para universidades. E elas, através das bibliotecas têm verbas para comprar livros, mas não têm um programa de compra de livros.
A editora sempre esteve aqui na Vila Madalena?
Sempre fomos uma editora meio cigana. Nascemos, saímos e voltamos à Vila Madalena. Iniciamos na Rua Turi, na Vila Madalena. Mas já passamos por outros endereços. Estamos aqui desde 2009. Agora vamos ficar para sempre, a casa é nossa.
Quais escritores você gosta de ler?
Embora não tenha editado, gosto muito de Saramago. Da infância me marcou muito o Monteiro Lobato.
Tem algum novo escritor que você recomenda ler?
Não é novo, mas ainda não é conhecido: Luiz Bernardo Pericás que está lançando o romance “Cansaço, a longa estação”. Ele merece ser lido.
Você lê com frequência?
Não tenho muito tempo para ler e eu me ressinto disso. Por conta do trabalho, chego em casa sem muita disposição para ler por prazer.