“A Vila ainda é uma festa!”

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O jornalista e cronista Matthew Shirts foi um dos primeiros entrevistados do Guia da Vila Madalena. Neste mês, ele volta a ser entrevistado e continua a ser um fervoroso fã do bairro. Diz que é aqui na Vila que sempre curtiu a boêmia com os amigos jornalistas e outros personagens destas paragens. Escritor e cronista de mão-cheia da revista Veja SP e redator-chefe da National Geographic Brasil, ambas da Editora Abril, Mattew, ou Mateus, como prefere ser chamado, continua a preferir se deslocar pela cidade a pé ou de metrô para fugir da claustrofobia dos carros e dos congestionamentos da cidade. Nessas andanças sempre descobre um tema para suas crônicas bem sacadas, com um texto agradável e perspicaz. Nesta primeira edição de 2012, ele conta um pouco mais da sua experiência de Brasil e renova o seu apreço pela Vila Madalena, que para ele, apesar do trânsito, continua sempre uma festa!

Na sua primeira entrevista para o Guia da Vila Madalena, você afirmava que o bairro é sempre uma festa. Continua?
Sim, continua sem dúvida. Eu acho que a Vila Madalena nestes últimos anos enricou bem. Ela mudou muitíssimo, é claro. Ainda lembro-me da vez que peguei o meu primeiro engarrafamento na Vila Madalena há uns 14 anos. Eu saía de casa para buscar meu filho em uma festa. Ele tinha 12 anos, hoje está com 26. E era um sábado, 11 horas da noite e eu peguei trânsito na Vila Madalena. Eu estava na Rua Aspicuelta com a Fidalga. Coisa mais banal hoje em dia, mas naquela época fiquei admirado com o congestionamento na Vila Madalena.

Em quais endereços você morou por aqui?
Na verdade, nunca morei na Vila Madalena. Sempre morei nos arredores da Vila Madalena. Morei na Simão Álvares. Atualmente moro na Rua Louis Couty que é um pouco acima da Vila Madalena. Morei no Sumarezinho, na Borges de Barros, mas faz tempo.

Na sua opinião, quais são os principais problemas atuais da Vila Madalena?
Acho que já poderia parar de construir tantos prédios. Acho que está na hora de dar uma acalmada. Mas acho que isso não vai acontecer. Mas acho importante levantar esta crítica por causa do trânsito. Não é por causa dos bares ou das lojas. Acho que a Vila Madalena não aguenta mais tantos carros. É um problema comum e enquanto o problema do carro não for resolvido, eu acho que a parte dos edifícios fica muito complicada.

Mas apesar do trânsito e da verticalização, a Vila continua a ser charmosa?
Graças a Deus a Vila Madalena tem um grande charme. E para conhecer esse charme da Vila é preciso andar a pé. Acho que todos os novos moradores deveriam andar a pé (risos). Eu caminho muito a pé pela cidade. Quando venho a pé da minha casa até o edifício da Editora Abril (na Marginal Pinheiros com a Rua do Sumidouro) gasto cerca de 40 minutos. Mas dou uma paradinha para tomar um café, dou uma passadinha na Livraria da Vila…

Tem mais alguma coisa que você acha que a Vila precisa melhorar?
Eu adoro a Vila Madalena. Acho que a o trânsito é a única coisa que piorou na Vila. Eu gosto do barulho dos bares e gosto da festa. Acho tudo isso muito legal. Hoje eu sou um frequentador menos assíduo do que já fui. Eu gastei com muita rapidez e assiduidade minha cota de boêmia (risos). Adoro a boêmia, mas agora estou mais velho, cheio de trabalho, de filhos… Enfim, sou a favor da boêmia.

Esse seu costume de andar a pé tem uma razão específica?
Ando muito a pé porque eu não aguento mais andar de carro em São Paulo. Eu até vendi o meu carro. Hoje, não tenho mais carro. E como sou claustrofóbico, não aguento ficar parado no trânsito da cidade. Isso me enlouquece. Ando a pé, de metrô, de ônibus, de táxi e assim eu não preciso estacionar (risos). E você, quando você quiser, pode abandonar o ônibus, que é muito bom. Nunca fiz isso, mas quando eu tinha carro, tive vontade de abandonar o carro na rua várias vezes (risos).

Suas caminhadas são sempre pelo bairro? É um exercício?
Caminhar para mim tem duas funções. Serve para eu fazer exercício e muitas vezes caminho com o Antonio Pedro, o Tota, que, aliás, foi quem me levou pela primeira vez na Mercearia São Pedro. Eu geralmente ando pela Avenida Sumaré e Paulo 6º. Gosto de andar a pé pelo bairro para explorar e é meu meio de transporte. É muito gostoso passear a pé pela Vila.

Falando na Mercearia São Pedro, você também já participou de uma coletânea de contos organizada pela Mercearia. É um dos seus lugares preferidos da Vila?
A Mercearia São Pedro tem um lugar especial no meu coração. Porque foi lá que começou para mim a Vila Madalena. Além dela, tem o Bar das Empanadas, o Jacaré, que acabou de completar 21 anos. Eu frequentava a Mercearia São Pedro quando ainda não era bar. Era só mercearia. Eu ficava em pé tomando cerveja com o meu amigo, professor Antonio Pedro, o Tota, que frequenta minhas crônicas. Eu levava o meu filho, que tinha nessa época um ano de idade, no carrinho de bebê. E eu fui convencendo seu Pedro (dono da Mercearia) a colocar mesas nas calçadas. “Seu Pedro, o senhor vai ficar rico!”, dizia para ele. Seu Pedro tinha medo de bar e aí convencemos o Pedrinho e o Marcos, os filhos dele, dos quais sou muito amigo, a colocar as mesas na calçada. Fiz questão de lançar meu livro de crônicas, O Jeitinho Americano, depois do lançamento na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, também na Mercearia. No livro tem uma ilustração feita pela minha mulher (Luli Penna) onde estou eu, os amigos e o Marquinhos bebendo na Mercearia São Pedro. Depois das mesas na calçada a Mercearia ficou melhor. Hoje não vou com a mesma frequência de antigamente. Mas já encontrei por lá – juro por Deus! – acadêmicos, professores universitários americanos e franceses que estão visitando a cidade. A Mercearia se tornou uma referência literária da cidade e é um bar de escritores. Fico feliz com isso. E ela não vai mudar nunca. Eles são muito conservadores (risos). Você encontra na Mercearia até fitas de VHS! Você compra até o meu livro lá com desconto. E quando eu vou lá, sempre compro um livro com eles. Um dos meus amigos que vai lá também é o escritor Reinaldo de Moraes, autor do romance Pornopopeia. Ele é o Rei da Mercearia São Pedro e tem muitas histórias da Mercearia. Eu sugiro que vocês deveriam entrevistá-lo um dia desses para o Guia da Vila Madalena.

Você conheceu o Brasil pela primeira vez através de um intercâmbio. Como foi isso?
Sou do sul da Califórnia. Nasci na cidade de Del Mar, próxima a San Diego. Vim para o Brasil para fazer intercâmbio através do programa American Field que visava promover a paz mundial. Fui parar em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Esse programa de intercâmbio foi criado pelos motoristas americanos de ambulâncias da Segunda Guerra Mundial. É muito louco isso. Eles, durante a guerra, presenciaram muitas barbaridades, muito sangue e gente ferida. Resolveram criar o programa para promover o entendimento mundial entre os povos. Hoje eles estão presentes no mundo inteiro. A ideia é que você possa conheça uma outra cultura em sua integridade. E foi assim que eu fui parar em Dourados.

Você falava português? Sabia alguma coisa sobre o Brasil?
Quando aqui cheguei não sabia nada de Brasil, de português e muito menos de Dourados e do Mato Grosso. Foi uma aventura. Cheguei em 1976 com 17 anos e fiz o 3º colegial no Colégio Imaculada Conceição de lá.

Foi amor a primeira vista?
Nos primeiros meses eu me dei muito mal e odiei o intercâmbio. A coisa mudou no final quando então eu já entendia e falava o português. E quando voltei para os Estados Unidos, continuei a estudar português e história do Brasil na faculdade. Voltei ao Brasil quando estava no 3º ano da faculdade e fui estudar na Universidade de São Paulo (USP). E como eu sou metido a intelectual, me dei bem na USP (risos). Adorei a USP, São Paulo… Eu gostei do movimento da cidade e essa coisa de metrópole.

Você estava se preparando para ser um brasilianista?
Foi uma época muito bacana. Fiz faculdade em San Francisco. Cursei em Berkeley, Estudos Latino Americanos, e depois História do Brasil em Stanford. Fui treinado para ser um brasilianista. Quando eu percebi que não iria conseguir seguir a carreira aqui no Brasil, acabei indo parar no jornalismo, que é uma área que sempre me interessei também. E acabei fazendo carreira aqui.

E acabou ficando…
Acabei indo e vindo algumas vezes até casar com uma brasileira e ter filhos. Acabei fazendo a vida aqui e adoro viver aqui.

Seu começo no jornalismo foi na Copa do Mundo nos Estados Unidos em 1994?
Sim. Cobri duas Copas do Mundo de futebol, em 1994 (Estados Unidos) e 1998 (França) pelo jornal O Estado de São Paulo. Foi assim, em 1994, que eu comecei a escrever as minhas crônicas. Eu sempre gostei muito de esportes. E na verdade o único grande artigo acadêmico que eu publiquei direitinho foi sobre a história do futebol no Brasil. Jogo futebol todos os domingos e sou um centro avante ruim de bola (risos)!

Além do futebol, o carnaval também o seduziu…
Desfilo pela Pérola Negra há oito anos e sou da Velha Guarda. Quem me levou para a Pérola foi o Pasquale Nigro, que tem o restaurante Pasquale. Vou à quadra e desfilo no bloco que o Pasquale organiza. O carnaval rende muitas crônicas. Eu gosto de desfilar no carnaval.

O que o povo brasileiro tem que você gosta mais?
Acho o brasileiro muito legal. Ele tem uma sociabilidade simpática e interessante. Tem um jeito muito bacana de se relacionar com o outro. Isso eu não conheço em outros povos. E nós, os gringos que estão acostumados com outro tratamento, que são mais bagunçados e alegres, como eu e o Pasquale, que acham legal o Brasil. Mas tem o outro lado. O que eu não gosto do Brasil é do trânsito e do jeito do brasileiro guiar. É a única coisa. É claro que sou contra a corrupção, naturalmente. Mas isso não me toca diretamente e vou deixar para os jornais e cientistas sociais. Com a minha formação em antropologia, eu posso dizer que o trânsito e o modo do brasileiro guiar seu carro me desagradam. E tenho uma solução. Acho que é só tirar o vidro fumê de todos os carros. Acho que isso é o maior problema. O vidro fumê privatiza o espaço público. Então a cultura muito sociável e as pessoas se tratam muito bem, amigavelmente e ao se esconder você tira esse personalismo e a relação fica alemã, mas aí falta a cultura alemã das regras. Então fica o pior dos mundos. Se tirar os vidros fumês dos carros, isso ia ajudar e muito.

Trabalhando em uma revista que aborda com frequência o meio ambiente e a sustentabilidade, como estamos tratando o planeta?
Acabamos de chegar aos 7 bilhões de habitantes no planeta. Eu queria que a minha secretária que está de licença-maternidade desse o nome ao filho dela de Seven por conta disso. Mas ela não topou (risos). Eu trabalho muito com esse tema. Acho que se todo mundo usasse menos o carro seria melhor. Uma das matérias recentes da National Geographic é sobre cidades e fala disso. Toda cidade é muito sustentável em termos de moradia. Muito mais que o campo, por exemplo. Porque se gasta menos por juntar um número maior de pessoas. Não dá para ter metrô no campo. Podemos andar a pé e fazer tudo por perto. Podemos trocar ideias e ter uma economia de ideias que vai facilitar a vida. Gosto da urbanidade e sua sustentabilidade. O que não é sustentável é o trânsito. Porque os carros ficam parados nos congestionamentos consumindo recursos naturais desnecessariamente e é poluidor em qualquer caso. Mas enfim, andar a pé para mim é uma maneira mais inteligente e quando você anda, você pode refletir suas ideias. Eu sou um pedestrianista e, além de andar, uso muito o metrô

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