As ideias de Mahtama Gandhi (1869-1948) e o espírito de resistência pela não violência estão em cartaz na peça “Gandhi, um líder servidor” no teatro do Espaço Alberico Rodrigues na Praça Benedito Calixto há dois anos. O monólogo apresentado pelo ator João Signorelli narra momentos da vida do líder hindu e suas ideias de pacifista que até hoje repercutem pelo planeta. Nesta conversa, João Signorelli fala de sua carreira artística e revela seu trabalho no palco com Gandhi desde 2003 e foi assistido por mais de 600 mil espectadores.
Conte um pouco da sua carreira profissional.
Sou formado em jornalismo pelas Faculdades Objetivo (hoje, Unip) e artes cênicas. Como jornalista, fazia o jornal da manhã da Band FM e tinha um programa na madrugada, da meia-noite às três. Foi um bom período.
Como ator começou quando?
Em 1972. Eu tinha dezesseis anos. Foi na peça infantil “Turma da Mônica contra o Capitão Feio”, do Maurício de Sousa e direção do Abelardo Figueiredo, aqui em São Paulo. Na época fiz um teste para a peça “Homem de La Mancha” com o Paulo Autran e Bibi Ferreira. O espetáculo inaugurou no Rio de Janeiro o Teatro Manchete. O ator Grande Otelo que era o Sancho Pança estava no elenco e me convidou para fazer um teste para a novela Super Manoela na TV Globo. Foi assim que comecei na TV.
Foram muitas novelas?
Sim participei de várias. Ultimamente fiz algumas participações como em Caminho das Índias e recentemente, em Araguaia, na Globo.
Você quer voltar a fazer TV?
Eu gosto muito de fazer televisão. Com o Gandhi, viajo muito e não tenho como ficar oito meses disponível para uma novela. O ritmo é bem puxado e exige dedicação completa.
E cinema?
Gosto muito. Recentemente participei do filme “Salve Geral” e do “Bruna Surfistinha”. Atuei em no filme “Andaluz” para a TV Cultura que vai ao ar no próximo dia 21 de maio que chama. E no seriado “Brilhante Futebol Clube” para a TV Brasil. Estou sempre fazendo alguma coisa.
E o texto de Gandhi como entrou na sua vida?
Em 2003, fui convidade por Alexandre Garré, da revista Gestão RH, para fazer a peça para a abertura de um fórum de recursos humanos onde tema era liderança. Miguel Filiagi escreveu o texto a pedido do Alexandre.
E daí virou temporada?
Não. Era para ser uma apresentação só. Fiz toda a caracterização, raspei a cabeça e tudo o mais. Como o pessoal gostou, achei que deveria dar sequência.
E daí?
O Miguel me ofereceu o espetáculo porque ele não poderia continuar com a peça. Aceitei e comecei a fazer aos domingos apresentações em um bar aqui na Vila Madalena chamado Mojave. Depois da peça era servido um jantar. Depois passamos pelo restaurante Sattva. De lá, para um teatro na Praça Roosevelt e depois uma temporada no Teatro Ruth Escobar em 2009 chegamos ao Espaço Cultural Alberico Rodrigues.
Nova biografia de Gandhi lançada nos Estados Unidos diz que ele colaborou com a Grã-Bretanha arregimentando hindus para o exército inglês, abandono da família e sugere romances e obsessão pelo sexo. Isso desvaloriza Gandhi?
Amigos meus que moram nos Estados Unidos me contaram que esse sujeito é um picareta. O livro aborda uma suposta homossexualidade do Gandhi, que ele teria feito comentários racistas contra os negros entre outras coisas. Anos atrás, um outro livro afirmava que Gandhi teria um romance com uma mulher por anos.
Como tem sido a temporada?
Muito boa. Além das apresentações aqui no Alberico, fazemos a peça para empresas, universidades, ensino médio e instituições. A ideia é humanizar as ações das pessoas. Estamos aqui até 26 de junho. Mas poderemos estender a temporada.
Que importância tem para você fazer Gandhi?
Acho que alimenta minha alma. Eu cumpro meu papel como artista e comunicador. É uma parceria com o diretor Paulo Moretti que aqui me dirige. Acho que sempre vou fazer Gandhi… Por enquanto é o meu carro-chefe como ator.
Você não teme ficar marcado pelo personagem?
Sim. Já ouvi que me tornei o personagem. E por isso que faço outros trabalhos. Não quero ficar limitado.
A mensagem que Gandhi ditava décadas atrás ainda é atual?
O ser humano ainda é o mesmo com seus problemas e dificuldades. A violência, a disputa, a vontade de competir ainda faz parte do homem. Só que agora é mais sofisticado em termos tecnológicos. E menos sofisticado em termos humanos. A mensagem de Gandhi ainda é atual e acredito e tenho esperança na humanidade. Como ele diz, somos todos irmãos.
Dá para aplicar os ensinamentos de Gandhi nos dias de hoje?
É difícil, mas acho que dá para colocar em prática muito do que ele ensinou. Você vai pagar um preço, como eu estou pagando.
Explique isso.
Dizem “a peça não tem conflito, é pregação, é só autoajuda”. No início da temporada eu ouvi coisas absurdas da mídia que nem se deu o trabalho de assistir a peça para poder criticar. Um desses jornalistas disse que a peça era tão alternativa que nem merecia aparecer nas páginas do jornal dele. Anos depois estamos nas páginas desse mesmo veículo. As coisas mudam.
Isso não o desanima?
Não, de jeito nenhum. É o que eu queria fazer na vida. Ser um comunicador e através do teatro eu faço isso.
Que conceitos a peça passa para as pessoas?
Ser gentil, respeitar as pessoas, não ter medo e olhar o outro de maneira diferente.
O texto fala de valores éticos de um líder. É indicada para políticos?
Alguns próceres de um grande partido brasileiro já assistiram. Fiz apresentações na Câmara Municipal de São Paulo e na Assembleia Legislativa.
O que Gandhi tem para ensinar às empresas?
Nas empresas, faço apresentações voltadas para o motivacional. Em uma delas onde fiz o monólogo, me avisaram que na equipe tinha seis doutores com PhD e tudo o mais que eram pessoas intratáveis e não respeitavam ninguém. Desde a mulher que serve café aos colegas. Depois da peça teve um jantar e eu sugeri que cada um fizesse o prato do outro. Um desses doutores foi o primeiro a fazer o prato do outro. Não sei se teve continuidade, mas na hora alguma coisa mudou na vida dele depois de ver a peça.
Esse tipo de “surpresa” é comum de acontecer?
Vou contar outra experiência. Fiz uma apresentação na Penitenciária Feminina aqui em São Paulo. No dia seguinte, a diretora me ligou e disse que “foi muito bom e uma das detentas se aproximou de mim e disse ‘ontem, depois de assistir a peça e ser recolhida para a cela, sentia pela primeira vez uma mão amiga no ombro’”. Ouvir um depoimento desse não tem preço.
Como você chegou ao Espaço Cultural Alberico Rodrigues?
Conheço o músico Marcos Santuris, que é um citarista muito legal e ele já se apresentou aqui no Alberico Rodrigues. Um dia ele me ligou e me disse que aqui seria ideal para eu encenar Gandhi. Logo depois conversei por telefone com com o Alberico e já combinamos inicialmente fazer uma temporada de dois meses e já estamos aqui há dois anos. Foi o melhor espaço que encontrei nesses oito anos para encenar o Gandhi. Além do teatro, tem a livraria, o café e a simpatia maravilhosa do Alberico Rodrigues, que traz uma grande energia. Aqui, fico à vontade e me sinto em casa.
Antes deste texto você já tinha alguma ligação com Gandhi?
Conhecia ele, mas é claro mas não fazia parte do meu universo. Tinha visto o filme, que achei maravilhoso. E eu pratico tai chi chuan há muito tempo e já tinha um pé no Oriente. E depois da peça comecei a fazer ioga. No início eu resisti um pouco com medo de perder o conhecimento que eu tinha do tai chi. Hoje, consigui mesclar os dois, sem problema. Aliás com a ioga meu fôlego triplicou em cena. E também faço muita meditação. Isso me ajuda muito. Tudo isso graças ao Gandhi.
Faz parte dos seus planos conhecer a Índia?
Sim, mas ainda não tive férias para ir. Quero sentir o ar que ele respirou e pisar no chão que ele pisou. Apesar de continuar a ser um país com muitas diferenças e ser um país com muitas línguas e diversas religiões e é um país democrático apesar de tantas pessoas diferentes.
Quem vem assistir Gandhi, o que vai encontrar?
Um ator sincero, que quer fazer de seu ofício uma verdade. Uma direção que se preocupa em fazer um trabalho de qualidade. E um texto reflexivo que faz pensar. Além de estar em um lugar com uma boa livraria, um café maravilhoso… Venham conferir!