Ideias para a Vila Madalena

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O arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, além de ser um estudioso nos temas das cidades, é morador da Vila Madalena há mais de três décadas. Atual 1º suplente de vereador da cidade, Nabil é professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e presta consultoria de planejamento urbano. Sua tese de livre docência é sobre habitação popular referente aos período 1940-50. Nesta entrevista ele apresenta ideias de como deixar o bairro melhor e discute problemas que afligem a todos, como as enchentes.

Como foi a transformação da Vila Madalena até os dias atuais?
A Vila Madalena passou por um processo muito intenso de modificação. Talvez tenha sido um dos bairros que mais teve mudanças nestes últimos 40 anos.

Qual era o perfil das moradias e e dos moradores?
A maioria era de pequenas casas, que serviam para aluguel, cortiços. Não era operária porque não tinha fábricas ou indústrias por aqui. A maior parte dos trabalhadores era formada por oficinas, marcenarias, pequenos comércios. Fundamentalmente prestação de serviços populares. Uma pesquisa feita nos anos 1940 mostrou que 40% dos moradores da Vila Madalena eram portugueses. E ainda nos anos 1960 isso persistia. Esta casa onde moro foi comprada de uma viúva de um português que era marceneiro.

Casas com quintais eram comuns por aqui…
Isso é bastante importante para manter o equilíbrio ambiental. Em alguns lotes, os donos construíam muitas casinhas de aluguel no mesmo terreno. Alguns viraram cortiços. Outros em terrenos de 50 m de fundo, eles construíam a cada 10 m uma casa com sala, cozinha e banheiro em lotes de 8,5 x 10m.

As famílias eram maiores…
Naquele tempo a Vila Madalena era muito densa em número de habitantes. De lá para cá, o bairro perdeu moradores com a verticalização, como aconteceu em outros bairros da cidade. Antigamente, as famílias tinham quatro ou cinco filhos e viviam em um espaço menor. Agora, as habitações são maiores com famílias menores. Houve um densamento construtivo. Além disso, nós temos uma substituição que começou nos anos 1980 com os lotes residenciais e os não-residenciais.

Era comum esse tipo de moradia e comércio?
A habitação ficava no fundo do terreno e o comércio na parte da frente. Por exemplo, as padarias que existiam eram menores e tinham em maior número pelo bairro. Onde existe hoje a Villa Grano já existia uma padaria. E muitas eram combinadas com habitação.

A localização da Vila tem algo em especial?
É uma área popular e está localizada no quadrante sudoeste da cidade. Ele começa pelos lados de Higienópolis, Consolação passa pelos Jardins, Pacaembu, Perdizes. Esse quadrante é de alta renda de São Paulo. E a Vila Madalena era um bairro popular como outros no meio de uma região valorizada. Por isso que ela acabou atraindo uma população classe média com pouca renda. Foi o meu caso. Recebi uma pequena herança e busquei um lugar onde dava para comprar e achei esta casa aqui na Rua Fidalga onde moro há mais de 30 anos.

Que lembranças você tem quando chegou?
Não era tranquilo. Haviam muitos conflitos. Eram muitas moradias, era meio barra pesada. Aqui tinha a residência, uma marcenaria e uma casa de aluguel. Tudo no mesmo espaço, o que era muito comum. E tinha um grande quintal com árvores frutíferas que mantenho até hoje.

Você já conhecia a região?
Conheci através de uma amiga da USP que alugou uma casa aqui perto para fazer um atelier.

Outros profissionais vieram para cá, cineastas, arquitetos…
Vieram para cá por ser mais barato neste lado da cidade. Lembro que quando eu me mudei para cá, tinha o Martin Fierro, que era o único lugar que tinha café de máquina e funcionava onde existe hoje o Bar das Empanadas. A Mercearia São Pedro era um empório de secos e molhados e conseguiu durar até hoje.

Que bar você lembra daquele tempo?
Do Bar da Terra do Cícero. Era na Mourato Coelho perto da Aspicuelta. Ele foi fechado pela polícia pelo agito.

E quando a Vila Madalena começa a ganhar esse ar boêmio?
Nos anos 1980, os bares eram mais alternativos. Tinha o Bar Tolo, por exemplo. O pessoal vinha por causa dos aluguéis baratos. Eram pequenos comércios. Prédios eram poucos. A verticalização teve um boom no final dos anos 1980. Na época, teve um movimento chamado “Antes que a casa caia” que lutava para evitar a verticalização do bairro. Dele participavam vários moradores, principalmente os mais novos de Vila Madalena.

A novela da Globo “Vila Madalena” também tornou o bairro famoso…
Também ajudou. Na época aqui virou um point da juventude. E a coisa foi crescendo e o número de bares onde o pessoal bebia na rua cresceu muito. E os imóveis ainda não eram tão caros e os bares ainda eram mais populares. E é claro que teve uma reação dos moradores por causa do barulho, do trânsito que ficava congestionado. E foi uma fase que durou até os anos 1990.

E as enchentes pela Vila Madalena? Como resolver?
O que acontece é que deveria ser mantida uma área de proteção ao longo dos córregos. São as chamadas APP (Área de Proteção Permanente). No córrego dos Corujas foi feito e preservado um parque. No córrego do Rio Verde não foi feito nada disso. Deveria ter sido reservada uma área para isso. Fizeram coisas escandalosas, como o prédio que foi construído na Rua Girassol encostado ao córrego e está totalmente irregular.

E o que deveria ser feito?
Onde hoje está o Beco do Batman e o do Aprendiz na Rua Belmiro Braga o quarteirão todo deveria ser demolido para escoar a água. A impermeabilização do solo, além da canalização do córrego, agravou o problema.

Pode ser revertido? Temos tecnologia disponível?
Tem projetos nesse sentido.

Piscinões resolveriam?
Acho uma bobagem. Precisamos que em todos os prédios tenham pequenas caixas para reter as águas das chuvas que poderiam ser utilizadas na rega dos jardins e lavagens das áreas comuns e até nas caixas de descarga dos apartamentos. A água desce com muita velocidade lá em baixo, não tem escoamento, acumula e cria as enchentes e leva tudo com ela, lixo, carros…

O número de bares e de comércio na Vila Madalena é bom ou ruim?
Desde que eu era vereador (2000-2004), o conflito de bares com a vizinhança era muito forte na Vila. Havia muita bagunça pelas ruas. É preciso ter um equilíbrio entre os imóveis residenciais e os não-residenciais para o bairro ser vivo e ter qualidade de lazer e moradia. Então, o que precisamos é ter convivência entre todos.

Dá para conviver moradores e comerciantes?
É preciso evoluir para que os dois lados – moradores e comerciantes – possam viver em harmonia. É positivo para o bairro. Por outro lado, sofisticou, mudou o público e encareceu demais o preço dos imóveis, estacionamento… Tem uma série de coisas que precisam ser resolvidas em matéria de urbanismo.

Quais?
A Vila Madalena virou rota de passagem entre a Marginal Pinheiros e a região da Paulista, Perdizes e arredores. A discussão na época era impedir que a Vila Madalena virasse bairro de passagem para os automóveis. Hoje as pessoas que saem da Cidade Universitária e Praça Panamericana em direção à Paulista, Higienópolis, Perdizes, usam a Vila Madalena. As vias que fazem essa ligação são a Rua Teodoro Sampaio e a Cardeal Arcoverde.

O Boulevard Madalena seria uma solução?
Esse projeto foi rejeitado pela população. Eu acho que deveria ser pensado e compatibilizado com um plano de bairro. Além do plano diretor da cidade, têm outras estâncias: o plano regional que é de cada subprefeitura e o plano de bairros, que é plano local, que não foi feito ainda. É preciso compatibilizar os interesses do bairro com os da cidade.

Como funcionaria?
Com o uso do Bilhete Único, um sistema de transporte seria alimentado pelo trem, metrô, ônibus, com o uso de veículos menores – vans e micro-ônibus. Seria uma Ponte Orca, que não funciona como deveria. Ela sai de uma estação do metrô até outra, sem paradas. Se os micro-ônibus parassem pelo caminho, como deveria ser, o usuário desceria próximo de seu destino. Esses veículos menores circulariam a cada cinco minutos até às duas da manhã. Isso facilitaria ao público e aos trabalhadores utilizarem o transporte urbano. São coisas básicas de um planejamento urbano que nós não temos. Nem aqui na Vila Madalena e nem em outro bairro da cidade.

Os ônibus de hoje seriam substituídos por veículos menores?
É. Não tem sentido hoje esses ônibus desse tamanho circulando pelo bairro. E com um veículo menor, a frequência pode ser maior.

E para finalizar. É bom morar na Vila Madalena?
É claro.

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