Você tem medo de quê?

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Atire a primeira pedra
quem não tem medo de nada! Impossível, não é mesmo? Apesar de parecer
negativo, o medo é um sentimento positivo e pode ser sentido sem
sentimento de culpa. O medo até um determinando nível ajuda, mas passou
disso, tornando-se exagerado, paralisante, imobilizando a pessoa, bem,
isso é fobia. É hora de procurar ajuda de especialistas.
Para saber
tudo sobre medo, fomos conversar com a psicóloga Laura Carmilo Granado.
Formada em Psicologia pela Universidade São Francisco (2001), ela fez
mestrado em Psicologia (Neurociências e Comportamento) pela USP (2005)
e é doutoranda em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia
também da USP. Além de moradora, tem consultório e é frequentadora da
Vila Madalena. Seu trabalho sobre fobia de aranhas valeu uma série de
matérias na imprensa escrita e televisiva. Aqui ela fala um pouco sobre
esse medo e outros. Acompanhe agora.

O que é fobia?
É
um medo de alguma coisa específica: aranha, lagartixa, e até das coisas
mais estranhas. É um medo maior do que seria bom para o indivíduo ter.
Por exemplo, o medo de uma aranha. É bom ter medo de aranha, algumas
são perigosas mesmo, tem veneno, mas a pessoa com fobia tem um medo
mais acentuado e que chega a ser irracional, ou seja, não faz sentido
aquele medo dado o perigo que o bicho representa. E esse medo, para ele
ser considerado uma doença ou mesmo uma fobia, ele precisa interferir
na rotina da pessoa. Se uma pessoa adora acampar, adora ir à casa da
mãe no meio do mato, mas tem fobia de aranha, então ela não vai. Ou
então, festa de Halloween na empresa. Ela fica apavorada porque vai ter
aranhas de plástico.

Como a fobia se desenvolve?
Geralmente,
na psicoterapia a gente chega à origem. Algumas pessoas aos 2, 3 anos
de idade. Alguns se lembram de ter medo na adolescência.

Quais são as fobias mais comuns?
Fobia
de aranha é mais comum pra mim. Existe o pânico com agorafobia, que é
medo de lugares abertos, que não dá pra escapar. A claustrofobia, medo
de lugares fechados, pode se manifestar de várias formas: pode ser uma
fobia de ficar dentro de um elevador ou de qualquer lugar fechado. É
outra fobia bastante comum. E muito comum é a fobia de determinados
animais: lagartixa, aranha, cobra. E uma um pouco mais rara é a de
aves, ou tudo que tem pena.

O que leva uma pessoa ter medo de pena?
Na
psicoterapia, a gente vai conversando e a pessoa vai associando. ‘O que
isso te lembra? o que isso te faz pensar?’ E vamos chegando a um
simbolismo do objeto fóbico. Aquilo simboliza alguma outra coisa, que a
pessoa não consegue nem pensar. É mais fácil ter medo do bicho do que
pensar naquilo tudo que aquele bicho representa.

Tem alguma fobia que não tem como interferir, por exemplo, medo de altura, de avião…
Essa
pessoa provavelmente não vai nem procurar ajuda. Agora, se é uma fobia
muito leve, mas ela fala: ‘não, eu quero entender isso’. Aí é uma
grande oportunidade de você chegar a uma simbologia por detrás daquilo.
Se a pessoa tem o desejo de viajar, se é uma coisa que ela gostaria e
não vai por conta desse medo, é algo que ela pode cuidar, sim, porque
faria diferença na vida dela. Diferente de alguém que não tem o menor
desejo de viajar, fica em casa, final de semana pega o carro e vai até
a cidade vizinha, aí é outra coisa. Se atrapalha, então vale a pena.
Agora também tem que ter uma disposição para olhar pra todos os
aspectos conscientes e inconscientes.
Quem a pessoa deve procurar para pedir ajuda?
Na
fobia, a pessoa geralmente procura um psicólogo. Existem medicamentos
que podem ser indicados nos casos de fobias muito graves, mas o próprio
psicólogo, se achar adequado, pode encaminhar para um psiquiatra ou, se
a pessoa tiver uma coisa muito intensa, o psiquiatra também vai
encaminhar para um psicólogo. O psiquiatra só medica. Quem vai entender
o que está por trás daquele medo, o que está acontecendo, é o
psicólogo.

Na hora da sessão com o psicólogo, já se entra em contato com o que tem medo?
Não,
necessariamente. No meu consultório tem algumas plantinhas perto da
janela. E já aconteceu de aparecer aranha enquanto eu atendia um
paciente com fobia de aranha. A aranha pequenininha, mas que causa
medo. E aí a gente tem que lidar com isso. Então, se a fobia ainda está
muito acentuada, mata ou não mata? Ou então, se está um pouco melhor,
eu tiro. E você vai avaliando se a pessoa está melhorando conforme a
reação. No meu doutorado, estou fazendo um estudo que é exatamente
isso: eu uso o método tradicional da psicanálise, que é entender a
história que está por detrás daquilo, o que chegou a constituir aquele
sintoma na história da pessoa, quais foram as experiências, tudo isso.
Só que eu estou usando o objeto de que a pessoa tem medo na sessão, não
necessariamente ele. Quer dizer, se a pessoa tem fobia de cachorro, eu
não trago um cachorro pra sessão, mas fotos ou elementos que, de alguma
maneira, remetem àquilo. Mas aí a gente chega no simbolismo, o que está
por trás daquele medo. A minha proposta de doutorado é essa: não só
conversar, mas ver o elemento fobígeno e aquilo vai gerando as
associações que permitem chegar às questões inconscientes até de um
modo rápido.

Quanto tempo demora um tratamento desses?
É
muito interessante porque, por exemplo, com a psicanálise muitas vezes
em semanas ou em questão de um mês, o sintoma já está muito atenuado,
em muito pouco tempo. Conforme a pessoa vai entendendo o que está por
detrás disso, ela vai querendo mexer em toda a estrutura que dá base
pra aquilo. Às vezes, tem só um mês de tratamento e a pessoa já traz
uma foto de aranha! Ela começa vendo figuras e daqui a pouco já quer
ver fotos de aranha porque nunca viu. O sintoma muitas vezes é uma
simples desculpa pra você ter acesso a essas questões que passam a ser
muito interessantes, da pessoa ir se conhecendo, são aspectos mais
internos dela própria.

Por que a mente humana faz isso? Por segurança?
É,
o Freud fala que é pra evitar o desprazer. Por exemplo, como é que você
vai lidar com o desprazer de ter ódio de um pai que você ama? É muita
coisa pra lidar numa criancinha. Não dá, não tem condições de elaborar
isso.

Mas nem tudo na vida moderna é pai e mãe.
É,
nem tudo. Hoje em dia se fala muito da questão do pânico, que é uma
doença muito frequente. E a gente vive numa sociedade que, embora as
relações sejam muito facilitadas por internet e tudo mais, não é uma
sociedade em que existe amparo. O amparo não é tão presente na
sociedade moderna. Tem muitos estudos que falam disso, dessa cultura do
desamparo e quanto a crise de pânico é manifestação disso.

Atualmente tem o problema de insegurança também, medo de ser assaltado, de sequestro.
Sim.
E muitas vezes, é muito bom ter medo de ser assaltado porque você pode
mesmo e tem que tomar os devidos cuidados. É um medo bom. Ninguém quer
eliminar esse nível de medo.

Quem tem uma fobia tem propensão a ter várias?
Muitas
pessoas têm. Vão tratar de uma determinada fobia, mas a pessoa também
pode não gostar de várias outras coisas. É um complexo. É raro o caso
em que se restringe somente a um aspecto e esse caso normalmente é mais
fácil. Interessante dizer que todo fóbico diz: ‘ah, as aranhas me
perseguem’, ‘as cobras me perseguem’. Mas não é. É que eles têm aquilo
que se chama de pré-atenção muito acentuada para aquele elemento.
Aparece uma aranhinha num cantinho, que ninguém vai enxergar, a pessoa
que tem fobia de aranha vai enxergar. Na fobia geralmente existe uma
dupla: medo e fascínio. Então, às vezes, quando a pessoa está
melhorando, ela pode entrar em contato com essa parte do fascínio. Essa
dupla medo e fascínio é muito presente.


e-mail: lauracg@usp.br

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