Meditando desde cedo

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Nos últimos anos, a yoga
ganhou cada vez mais adeptos graças à mídia. Mas essa prática já existe
há milhares de anos. E não são só os adultos que podem se beneficiar
com os exercícios e ensinamentos da yoga. As crianças também podem
usufruir, e muito. A professora de yoga Maria Ester Azevedo Massola dá
aula para crianças em uma escola da Vila Madalena e também é professora
de pós-graduação sobre o assunto. Para que essa filosofia atingisse
ainda mais pessoas, em 2008 ela lançou o livro Vamos Praticar Yoga?
Yoga para crianças, pais e professores (Phorte Editora, R$ 45,00).
Nesta entrevista, ela conta como começou a praticar yoga e como
funciona seu trabalho junto às crianças.

Como você conheceu a yoga?
Eu
comecei a praticar quando entrei na USP, em 1987 mais ou menos, na
época em que tinha educação física obrigatória na faculdade. Escolhi a
yoga e gostei muito. Nessa época eu fazia geografia. Depois que fui
para a Educação Física. E desde lá nunca mais parei. Eu me senti tão
bem, gostei tanto. Depois fui estudar, entrei numa escola. E fiz
pós-graduação em yoga.

Há quanto tempo você trabalha com crianças?

muito tempo. Eu fazia caratê e dava aulas. Por isso eu resolvi mudar
para a Educação Física. Eu dei aula de caratê para crianças por 14
anos. Quando fiquei grávida, eu tive que parar com o caratê. Mas
continuei praticando yoga. Aí eu pensei que, quando voltasse a dar
aula, eu iria fazer um trabalho mais de alongamento. Eu já trabalhava
muito com alongamento com as crianças no caratê. E ele é muito
importante. A gente desenvolve a flexibilidade até a pré-adolescência,
uns 12 anos. E eu via que conseguia fazer de um jeito que as crianças
gostavam.

E como você descobriu a yoga para crianças?
Quando
fiz a pós-graduação, eu já estava começando a dar aula de yoga para
crianças, adaptando o trabalho que eu tinha com o caratê e a minha
prática de yoga. E fui inventando um pouco as coisas, sem sair do que a
yoga propõe. Só que numa linguagem acessível às crianças. Eu trabalho
com bastante brincadeiras, jogos, histórias.

Qual a diferença entre a yoga para adulto e para criança?
As
bases da yoga são as mesmas. Mas adapto a linguagem. Com as crianças,
eu não vou exigir que eles fiquem a aula toda em silêncio. Eles vão
tendo a vivência de toda a parte essencial da yoga. Mas em doses
menores.

A partir de que idade se pode praticar yoga?
Eu
acho mais fácil a partir dos 7 anos. A criança tem mais concentração, é
mais fácil parar, fazer um relaxamento, iniciar a meditação. Mas eu
pego a partir de 5 anos. As posturas são superatraentes para elas. Para
a criança menor, você vai brincando, vai apresentando, eles vão se
acostumando.

Eles ficam mais calmos?
Ficam. A criança
é mais agitada, mais falante. Mas você vai levando a aula e eles vão
aprendendo. Eu vou devagar com as posturas, o relaxamento. Vou
aumentando o tempo que eles conseguem ficar parados, relaxando. É tudo
uma linguagem nova para elas.

Como funciona a aula?
No
começo eu sempre converso um pouco. Gosto de fazer perguntas. E deixo
eles falarem. Nesse trabalho dos valores, é importante eles trazerem o
que acontece na vida deles, porque um enxerga no outro o que acontece
na própria vida. E é bom deixar falar um pouco pra depois eu conseguir
com que eles fiquem quietos. Às vezes eu começo com alguma brincadeira,
algum jogo. Depois eu passo para a parte das posturas, respiração,
relaxamento, e termino com uma meditação.

Como você passa para eles a parte da filosofia da yoga?
Basicamente,
quando eu explico os Yamas e Nyamas (preceitos éticos da yoga), sempre
conto uma história. Se eu for falar de Satya (verdade, não mentir), eu
procuro uma história que seja interessante e fale sobre a importância
da verdade. E começo a conversar com eles sobre isso. Vou na linha de
como a gente se sente quando mente. E eles respondem coisas bárbaras:
‘minha barriga dói’, ‘minha cabeça fica martelando enquanto eu não falo
para a minha mãe’. Na nossa cultura, a gente aprende que mentir é feio.
Mas, se você não achar feio, você mente mesmo. Na yoga é sobre o que te
faz bem. A gente vai aprendendo a encarar a verdade. Não só o não
mentir, mas como somos verdadeiros com nós mesmos.

E como eles recebem as aulas de yoga? O que eles acham?
Normalmente,
todos gostam. Todos vão superanimados. Mesmo no começo, quando eu pego
turma nova, ou quando entra um aluno novo. Eu não sinto dificuldade.
Agora, a criança mais agitada, com mais dificuldade de prestar atenção
nela mesma, essa demora mais tempo para de adaptar à rotina da yoga.
Mas com paciência dá certo.

Quais os benefícios para eles?
A
parte dos valores é muito importante. Hoje em dia está muito em falta
conhecer os valores. Falar a verdade está fora de moda. Respeitar os
outros, ninguém sabe mais o que é isso. Só funciona quando a gente
sentir que nos faz bem. Você não vai praticar porque os outros estão
mandando ou porque sua mãe falou que isso é feio. Os adolescentes amam
que eu leve histórias de respeito, verdade, cooperação. Outra parte que
a nossa cultura tem de frágil é o encontro com a gente mesmo, que a
yoga traz. Nós não aprendemos a parar, a gostar de ficar quieto. É
difícil. O nosso instinto é de movimento, de reagir.

E para o corpo?
A
flexibilidade é muito importante e deve ser trabalhada até a
adolescência. O trabalho de equilíbrio ajuda nas posturas. Algumas
posturas trabalham com a força muscular e a respiração. Ela é o que faz
a ligação do interno com o externo. Está muito ligada a nossa parte
emocional. O mesmo centro que controla a respiração controla também
nossas emoções. E não só que as emoções alteram a sua respiração, como
o caminho inverso. Se você consegue controlar a sua respiração, você
consegue influenciar a sua parte emocional.

No seu livro você fala que a yoga é a integração do corpo, da mente e do espírito. As crianças conseguem entender isso?
Conseguem.
Isso é um conceito difícil para nós, ocidentais. Tem vários modos de a
gente ir levando a pessoa a sentir essa relação. Quando você vai fazer
uma postura, vai perceber como está o seu equilíbrio, o que está
acontecendo com o seu corpo enquanto você está na postura e quando você
volta. A criança vai sentindo que se acalmou, está leve. Ela é muito
viva nas sensações. Se essas crianças continuarem mais vivas nas
sensações corporais e emocionais, talvez se tornarão adultos mais
equilibrados que nós.

Quando surgiu a ideia do livro?
Surgiu
com meu professor, Marcos Rojo Rodrigues, que é o coordenador da
pós-graduação que eu dou e que acompanha esse meu trabalho no colégio.
Ele achou o trabalho muito legal, que estava indo muito bem e falou que
eu precisava escrever um livro porque tem muitos professores querendo
saber como é esse trabalho com elas. Eu já tinha vontade de escrever um
livro para crianças. Então eu quis escrever para elas, mas qualquer
professor que pegar meu livro vai saber como trabalho cada parte da
yoga.

Você utiliza uma linguagem bem simples…
É.
Tudo o que eu escrevi é o que eu faço na prática. Uma criança que nunca
praticou pega o livro e consegue entender. Um pai ou uma mãe. Muitos
estão interessados em praticar com as crianças.

Quais respostas você já teve em relação ao livro?
Está
sendo interessante. Várias mães me falaram que começam a ler a primeira
parte que tem os preceitos éticos e surgem conversas muito
interessantes. Outra coisa legal é que crianças em condomínios ou na
rua se reúnem e estão praticando. Inclusive em bairros mais pobres. A
minha porcentagem da venda do livro eu recebi em livros. E dei para
muita gente que não teria condições de comprar. Fico feliz que eles
achem fácil e entendam.

O que você percebe de mudança nas crianças em geral?
Eu
acho que é um trabalho a longo prazo. Eu gosto de pensar que estou
plantando sementes nas crianças e, aos poucos, vão germinando e
crescendo. Muitas comentam que usam, por exemplo, antes de uma prova.
Às vezes elas falam que estão há um mês sem mentir, e isso é uma coisa
muito importante para elas. É muito legal.

Elas começam a se perceber mais…
Com
certeza. Elas ficam mais conscientes, prestam mais atenção. Muitas
relaxam antes de dormir. Muitas praticam em casa, gostam de fazer, têm
suas posturas preferidas, gostam de relaxar. Se elas crescerem gostando
de relaxar, ótimo. Serão adultos bem mais saudáveis, equilibrados.

estercasa@insign.com.br

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