Uma mulher especial

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Pedro Costa

Nascia Madalena na cidade que detinha o apelido de “Terra da Garoa”. Nos versos de Mário de Andrade, essa garoa marcou outros cronistas da cidade nos anos vinte. Com freqüência quase diária, no final da tarde, a cidade era coberta por gotas finíssimas de água, que caíam de forma mais fraca que a chuva e mais forte que o sereno. Mistérios de mulher. Mário chamava este fenômeno de “treva cor de cal”.
Madalena ainda resistia a extinção da garoa, pela ausência das barreiras de prédios que formavam-se ao seu redor, freando a umidade que vinha do litoral para refrescar o nosso planalto.
Provinciana, nasceu aos pés do rio Pinheiros, subindo seus morros pelas aldeias de Tupis e Tamoios. Ainda menina, Madalena aparecia bela e soberana na paisagem paulistana, entre a nevoa do entardecer, feito miragem.
Aos poucos, colonos e imigrantes eram acolhidos carinhosamente por ela. Pequenas e acolhedoras casas eram, aos poucos, erguidas sob seu dorso de mulher.
Festas de ruas, de santos fogueteiros e de artesões festeiros, marcavam seus primeiros anos que começavam. Cadeiras nas calçadas nas noites de lua cheia.
Madalena nunca foi a submissa Amélia, mas sempre foi mulher de verdade. Nas décadas da ditadura militar, ainda adolescente abrigou com coragem seus jovens refugiados em seus bem guardados quintais. Acolheu e acolhe com carinho artistas e artesãos das mais variadas artes e partes do mundo. Madalena esteve presente, na concentração das “Diretas Já”, a caminho do grande encontro para o comício da Sé.
Madalena também sofreu quando jovem por ter sido usada como mão-de-obra barata para senhoras da City Pinheiros, por muitos anos. Era a vizinha pobre para as amigas. Há quem confunda esta mulher com a mimada Garota de Ipanema em painéis publicitários, há também quem a confunda com as patricinhas da Olímpia. São uns tolos. Madalena é cabloca. Tem canela fina e samba no pé. É a nossa Pérola Negra. Baita mulher!
Investidores gigolôs das grandes incorporadoras vivem te cerceando. Arquitetos feito alfaiates do concreto, insistem em vesti-la de estruturas quadradas e vigas metálicas, como se fosse uma mulher pós-modernosa, como uma triste Brasília de salto alto. Não sacam que seus chapéus são de telhas e não de lages e seus sapatos não são de mármores ou de cristal como os da Cinderela, são apenas soleiras de madeira. Madalena é uma dessas mulheres que precisam, além de carinho, muito respeito, precisam ser preservadas, restauradas e não despresadamente descaracterizadas.
Só Madalena tem a poesia que as outras não tem. Suas curvas, travessas e praças formam seu corpo e suas ruas são as veias onde passa a sua cidade.
Há quem diga que o Ivan Lins fez a música “Madalena” para ela. Quem chegou aqui para conhecê-la, nunca mais conseguiu ir embora, ficou as seus pés e não saiu da sua saia.
Neste Dia Internacional da Mulher, Madalena é a nossa musa. Sinto-me feliz de não ser o único a homenageá-la, Madalena tem seus eternos apaixonados por aqui, no fundo de suas oficinas de arte, ateliês, bares, becos e muquifos, sei que soa um grito de amor: “Salve Madalena!”

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