O cantor e compositor Zé Geraldo veio para a Vila Madalena há 15 anos. Aqui criou suas filhas, fez do bairro a sua casa, e basta dar uma volta com ele pela rua onde mora para constatar que conhece todo mundo. Zé Geraldo agora fala da Vila em uma de suas músicas. “Na barra do seu vestido”, feita em parceria com Zeca Baleiro, faz parte do cd “Catadô de Bromélias”, o 16º da carreira do compositor, lançado este semestre pelo seu próprio selo, “Sol do Meio-Dia”, com distribuição Unimar Music.
O álbum conta com 10 faixas inéditas. Além de “Na barra do seu vestido”, tem ainda a canção “Última Reza”, de sua filha, também cantora e compositora, Nô Stopa. Além de trazer uma versão de um clássico de Bob Dylan, um dos grandes ídolos de Zé, “Mr. Tambourine Man”.
Nascido em Rodeiro, na Zona da Mata mineira, e criado em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, Zé Geraldo caiu na estrada cedo. Com 18 anos foi estudar e trabalhar em São Paulo, ainda com o sonho de se tornar jogador de futebol. Mas, sua vida seguiu outro rumo, e ZeGê, como era conhecido nos anos 1970, lançou três compactos e um LP pela gravadora Rozemblitt.
Ainda nos anos 1970, participou e foi premiado em inúmeros festivais até gravar, em 1979, seu primeiro disco como Zé Geraldo, “Terceiro Mundo” (CBS). Ainda pela CBS lançou “Estradas” (80) e “Zé Geraldo” (81). Canções como “Cidadão”, “Como Diria Dylan” e “Senhorita”, indispensáveis no repertório de seus shows, fazem parte desta primeira safra de gravações, assim como “Rio Doce”, com a qual Zé Geraldo participou do Festival MPB-Shell de 1980, e “Milho aos Pombos”, que tornou o artista conhecido em todo o Brasil no mesmo festival promovido pela Rede Globo, em 1981.
Duas de suas músicas foram temas de novelas da Rede Globo: “Semente de Tudo” (Livre para voar) e “São Sebastião do Rodeiro” (Paraíso).
Com mais de 30 anos de carreira, Zé Geraldo lançou também, com Duofel, o cd “Acústico” (1996/Paradoxx) e com o amigo de muitos anos, Renato Teixeira, gravou “O Novo Amanhece” (2000/Kuarup).
O primeiro DVD de Zé Geraldo, “Um Pé no Mato – Um Pé no Rock”, foi lançado em junho de 2006. Gravado Ao Vivo em 2005, no Teatro do Sesc Pompéia, também saiu em cd.
Confira a entrevista com ZeGê.
Como a Vila Madalena entrou na sua vida?
Eu já vou completar 15 anos aqui na Vila. Para mim foi importante vir para cá por diversos aspectos. Primeiro porque minhas filhas estavam em período universitário e foi muito bom para elas. Especificamente a Nô, que começou a se enturmar com músicos, compositores, no Sarau do KVA, no Blen Blen, e ela se descobriu para a música. A outra filha, a Gija, que é advogada, se formou, se enturmou aqui na Vila também. E eu acabei me acostumando porque sinto que aqui tem um aspecto de interior. Pessoas conversando nas calçadas, conversando fiado… Vou ali no ponto de táxi da Wisard com a Fradique, onde chamo de CBF, a Central Brasileira de Fofoca (risos…).
Central Brasileira de Fofoca?
Sim, ali a gente fica sabendo de tudo que acontece na Vila, quem perdeu, quem ganhou, quem foi roubado… Enfim, jogo uma sinuquinha lá Toninho, vou ao Empanadas, caminho em volta do Fórum, gosto de dar um giro… Meu cachorro já conhece os quatro cantos da Vila.Tenho acompanhado a evolução do bairro. Gosto de algumas coisas, de outras não, mas de um modo geral gosto muito daqui.
Já são mais de 30 anos de carreira, e Catadô de Bromélias é seu 16º disco. Fale um pouco sobre este lançamento.
A cada dois anos, procuro lançar trabalhos inéditos. Já vinha pensando neste disco nos últimos anos, depois que lancei o DVD “Um Pé no Mato – Um Pé no Rock”. Vinha compondo algumas coisas. Catadô de Bromélias, escrevi essa música quando, há dois anos, passei duas semanas viajando com Xangai lá pelo sul da Bahia, pelo Norte de Minas. Fizemos shows e comecei a escrever esta letra lá, inicialmente pensando nele. O Xangai tem todo um jeito de palco, de declamar as poesias, ele é único. Fiquei pensando nele cantando esta letra, declamando, não sei. Mas não falei nada pra ele. Voltei pra São Paulo, terminei a música, e aí logo ele lançou um cd novo, quer dizer, ficou sem chance dele gravar a música. Resolvi eu mesmo gravar. Primeiro porque eu gostei do título, acho que tem tudo a ver, e a música ficou legal. É um trabalho de músicas inéditas. Gravei uma versão do Bob Dylan, “Mr. Tambourine man”, gravei a primeira parceria minha com o Zeca Baleiro, “Na barra do seu vestido”, que fala inclusive de um romance aqui pelas ruas da Vila Madalena.
“…com o peito em brasa, desejando brisa…”. Brisa seria uma pessoa?
(risos…) Pois é, é uma expressão poética. Talvez seja até um apelido para uma pessoa. Mas não tem nada a ver, não. Falo das ruas da Vila, e é a primeira parceria minha com o Baleiro, o que me deixou muito feliz porque eu gosto muito dele como artista, como amigo, pessoa boa que ele é. E inclusive agora ele gravou a outra parceria nossa que vai sair no cd que ele está lançando agora. A música chama “Ela falou, malandro”. Fiquei muito contente com este meu trabalho, tanto a parte final quanto a parte poética, musical, a parte sonora está muito bonita. Há muito tempo não ficava tão feliz com um trabalho.
Outra música do cd – “Última reza” -, é composição da sua filha, a Nô. Como é esta parceria?
Uma vez ela estava viajando e me ligou dizendo para escutar a música que ela havia feito. Ouvi e decidi gravar a música, achei muito bonita, a Nô é muito talentosa, e é a segunda música dela que eu gravo. É a cereja do bolo deste disco. Ainda estamos devendo uma parceria de fazer uma música juntos, estamos devendo para nós mesmos. Eu tenho uma relação muito sincera com qualquer música, seja ela da minha filha, seja de outro autor. Ela tem que primeiro me tocar, não adianta nada ser música da minha filha se ela não me tocar. Como é que eu vou passar emoção para as pessoas se eu não sentir nada? Então, não é porque a música é dela, mas porque a música é boa. Nesse aspecto temos uma relação muito boa. Poucas pessoas têm esse prazer de gravar e cantar uma música da sua filha e ter sua filha participando ativamente da sua carreira. É muito importante para mim e dou muito valor.
Além da Vila Madalena e de amor, entre outros temas, você fala de fé em uma das músicas. Você se considera um homem de fé?
A fé é fundamental porque a gente precisa acreditar em alguma coisa para acordar de manhã e sair de casa para trabalhar, estudar, enfim, tocar a vida. Eu sou sim uma pessoa de fé. Esta música, “A Fé”, fiz há muito anos e gosto muito dela, ela é muito forte. O povo que vive sem fé é um povo abandonado.
Como avalia sua carreira nesses 30 anos? É uma carreira estável?
Graças a Deus. Lá pelo meio dos anos 80 tive muitas dúvidas, não sabia se eu parava… Via as gravadoras armando esquemas nas rádios, nas tevês para outros artistas. Eu ficava de lado. E achei que era melhor eu seguir outra carreira. Quase parei. Mas constatei que eu tinha um público muito forte, que ia aonde eu ia. E foi fundamental descobrir no meio deste público muitos fãs de Raul Seixas. Quando percebi isso agradeci a Deus e falei: não vou parar coisa nenhuma! Vou é corrigir algumas coisas na minha rota, e foi o que fiz. Avalio minha carreira como estável, sim. Agora estou numa época de colheita. Plantei bastante, cuidei, e agora estou numa época boa. Sempre digo que atravessei um longo deserto nesses anos todos, a minha música me deu forças para eu atravessar esse deserto e chegar aqui inteiro, feliz, trabalhando, saudável, sendo seguido por uma porção de gente que canta as minhas músicas. Valeu todo sacrifício. Vejo que meu trabalho frutificou.
Você diz que tem alma de artista, desprovida de rótulos. Como é isso?
Esse negócio de rótulo… Qualquer música que fazemos aqui no Brasil é música popular brasileira. Ela pode ser rock, samba, bolero. Não há necessidade de rotular. A música tem que fluir assim como as plantas. Cada um tem que ter a liberdade de cantar o que quiser, independente se vão rotular ou não. A música caminha por si.
Ainda tem aquelas canções que não podem ficar de fora dos shows, como Senhorita e Cidadão?
Sim, são músicas que marcaram a minha história. Canto com a maior alegria, como se fosse a primeira vez porque não posso virar as costas para a minha história. E outra, se não cantar Senhorita e Cidadão eu apanho! (risos). Apanho e não recebo o cachê. O show de lançamento tem o seu dinamismo. Mistura um pouco das músicas antigas com as novas para poder dar essa ligação da história.
Você participou de vários festivais. Acredita que eles ainda sejam importantes?
Quando participei, nos anos 70, os festivais tinham a importância de revelar valores. As gravadoras já tinham o hábito de mandar alguém assistir aos festivais. Eu participei de muitos festivais, aliás cheguei ao meu primeiro disco porque fui descoberto em um festival aqui em São Paulo pelo produtor da CBS, o Romeu. Os festivais de agora dão continuidade a este trabalho. Hoje, naturalmente, existem outros meios de comunicação, mais ágeis, mas os festivais ainda dão a oportunidade a jovens compositores de ir para o palco, mostrar a sua música, sem nenhum compromisso com nada. Uma música pura, com sentimento puro. Isso é importante para que surjam novos valores.