Retratando vidas

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Morador da Vila Madalena desde que tinha apenas dois anos de idade, Paulo Fridman, um dos fotógrafos mais publicados no exterior, tem as pessoas como sua maior fonte de inspiração. Pessoas comuns, que circulam pela cidade, pelos bairros, pela periferia; pessoas que se preocupam com o futuro do Brasil, que sonham e que querem uma chance para se expressar. Essas pessoas fazem parte do projeto “Retratos Falantes”, um mosaico de retratos anônimos, em exposição na estação Vila Madalena do metrô até o final de julho.
Há cerca de sete anos, o fotógrafo percorre as ruas movimentadas da capital paulistana com um estúdio portátil. Nas suas andanças, procura capturar não só a diversidade da população, mas seus desejos, anseios e sonhos. A cada pessoa fotografada dá uma folha em branco para que expresse sua opinião em relação ao futuro do País. E foi na Vila Madalena que o projeto começou, em plena Feira da Vila. A pioneira foi uma senhora, que surpreendeu o fotógrafo ao escrever a mensagem: “O Brasil é lindo e bom; porém já era, pois está entregue a ladrões e vagabundos, que não ajudando o povo, deixam-no à míngua, levando-o a roubar, pois têm fome”. Assinou como Maria Augusta Nunes Dias, 80 anos, ex-advogada e ex-professora.
A fotografia entrou na vida de Paulo como hobby e passou a ser profissão quando ele foi para Nova Iorque, onde estudou e trabalhou muito, como diz. Hoje, seu trabalho faz parte do acervo permanente de diversos museus e centros culturais e ele fotografa para as mais importantes revistas e jornais do mundo, como Time, Vogue, The New York Times, e para empresas como American Express, IBM e Mercedez Benz.
Paulo Fridman recebeu o Guia da Vila Madalena em sua casa para esta entrevista.

A fotografia era apenas um hobby. Como passou a ser profissão?
Bom, começou há muito tempo. Aqui sou eu [mostrando uma foto de quando era criança] recebendo um prêmio na escola: essa máquina fotográfica [apontando uma câmera antiga na estante]. Tinha oito anos. Estudei no Colégio Rio Branco. Meu pai tinha um laboratório de fotografia, aqui nessa casa, e eu gostava muito de foto. Eu já fotografava sem máquina; imaginava fotos. Essa máquina era mais um brinquedo. Mudei pra cá com dois anos de idade. Na época em que estudei engenharia não tínhamos muita escolha. Havia três opções: engenharia, medicina e direito. E ser fotógrafo não era muito divulgado; não tinha escola e nem nada. Das três, a que era mais tranqüila para mim era a engenharia. Acabei entrando cedo na escola; escolher uma profissão com 17 anos é complicado. Entrei, fiz e acabou. Eu na verdade queria ter sido músico. Toco um pouquinho violão e contrabaixo, brinco.Mas descobri depois de ter tocado até profissionalmente que não tinha nascido para isso. Então, a fotografia já era uma coisa que eu gostava muito, assim como o cinema, e não sabia qual dos dois gostava mais e qual queria fazer. E acabei optando pela fotografia. Isso foi em Nova Iorque. Foi mais fácil para começar também. Cinema é muito complicado. Fotografia é uma coisa que se faz mais sozinho. Você vai e faz o seu caminho.

E qual foi o caminho que percorreu para reconhecido mundialmente?
Não sei se eu trilhei; as coisas foram acontecendo. Eu fui para Nova Iorque, era para ficar uma semana e ir para a Europa: a passagem permitia ficar em Nova Iorque e eu resolvi ficar; fui numa escola, no International Center of Photografy, e eles tinham uma bolsa para estudante estrangeiro, e acabaram me dando. Comecei a trabalhar como assistente, como fotógrafo e as coisas foram acontecendo. E eu tenho paixão pela fotografia. Uma coisa puxa a outra. Acho que é assim, não é? Você se dedicando… Se você está ligado numa coisa não tem porque não dar certo. E tem que trabalhar muito. Em Nova Iorque aprendi a trabalhar mesmo. A concorrência é brava.

Você já fotografou pornochanchada. Como foi?
Foi por acaso. Trabalhava como engenheiro,como estagiário na construção civil. Depois, queria ser músico e fui tocar num navio. Descobri que não tinha jeito, que não podia viver disso nunca na minha vida! Quando voltei, pensei em testar outra coisa na engenharia. Tentei engenharia de produção, mas não durou quatro, cinco meses. Não agüentei. Foi quando encontrei com um amigo meu. O cara era empresário, resolveu entrar no cinema, estava fazendo uma produção, me convidou para ser fotógrafo no estúdio. Pensei: Legal! Foi meu primeiro trabalho. Pedi demissão e fui. Desde então passei a me dedicar à fotografia.

Você fotografa para as mais importantes revistas e empresas do mundo, além de já ter feito exposições em diversos museus e centros culturais. Qual seu tema preferido?
Pessoas. Sou fotógrafo de pessoas. Quando voltei de Nova Iorque fiz algumas exposições aqui, trouxe um estilo. Eu gosto de fotografar pessoas. Tenho um trabalho de retratos, portraits.

Como define seu estilo?
Uma coisa que eu faço é levar um estúdio para a locação. É aquela coisa de fotografar com luz artificial fora do estúdio, por exemplo, e cuidar mesmo da foto, da pessoa, pensar realmente na idéia por traz de um retrato. Assim como você leu sobre mim antes de me entrevistar, eu leio sobre todo mundo que vou fotografar. Assim você pode ter um diálogo, sabe o que você quer e o que fotograficamente vai fazer, qual a síntese de cada imagem. O que eu procuro é a essência. Mas é difícil definir. Falar da fotografia é complicado.

Por isso busca esses retratos na rua?
Sim. Todas essas fotos [de “Retratos Falantes”] são nas ruas de São Paulo. E eu comecei, por acaso, nas ruas da Vila Madalena, na Feira da Vila Madalena, em 1999. Era um concurso onde convidaram 28 fotógrafos para fazer ensaios sobre o tema Brasil na virada do século. Fiquei pensando no que iria fazer. Gosto de fotografar pessoas e acabei chegando nisso, nessa coisa de passar a palavra para as pessoas e unir o texto à imagem. Foi assim que comecei esse trabalho. Na Vila Madalena foi o primeiro dia que eu fiz, ainda com filme e com uma câmera de médio formato. Montei um estudiozinho na Feira. Onde quer que eu vá levo um estúdio, na Avenida Paulista, na Praça da República, na rua Morás, no Largo da Batata, em vários locais de São Paulo. Ficava umas duas horas em cada local, fotografava as pessoas, dava uma folha em branco e pedia para elas se expressarem.

E podiam se expressar sobre o que quisessem?
Sobre o futuro do Brasil ou sobre os sonhos delas. São coisas sobre as quais todo mundo pensa, o nosso futuro e os nossos sonhos.

De 1999 até agora, o que observou quanto à expectativa de futuro e quanto aos sonhos das pessoas. Mudou muito?
Elas falam de tudo; de tudo que podemos imaginar, de violência, todo mundo quer paz, mais saúde… Um milhão de coisas. Já fiz umas trezentas fotos e tenho um calhamaço de textos. O mais legal disso é que, além da pessoa ser fotografada, que já é uma coisa complicada, ela quer se manifestar, escrever, desenhar… Isso é muito legal. Os desejos das pessoas basicamente são os mesmos, em qualquer lugar. Há maneiras diferentes de se expressar esses desejos. Aquela foto [painel na foto atrás de Paulo na página 4] fiz no primeiro dia. Ela acabou ganhando um concurso fora do Brasil e ele fez esse desenho. A foto chama Douglas quer ser policial. Ele fica se imaginando… Como outra senhora que fotografei, a dona Maria Augusta. Ela chegou com um carrinho cheio de latas de alumínio e escreveu um texto impressionante. Na época ela tinha 80 anos. Nunca mais a vi… Acho que a vi um dia, mas não tenho certeza. Naquela época não pegava o endereço e telefone das pessoas porque era um experimento. Agora tenho os dados das pessoas que fotografo. E essa senhora foi fotografada na Feira da Vila. A letra e o português dela eram impecáveis. Ela assinou ex-professora e ex-advogada. Não sei se é moradora de rua… Mas foi impressionante. Foi quando decidi continuar. Ela foi um dos personagens que mais me marcou. Uma vez, na Bienal, tinha a instalação de um artista que chamava ‘Ver ou não ver’, e ele me convidou para fazer um trabalho como esse. E fotografei pessoas deficientes visuais e as coloquei para fotografar. Coloquei a máquina para elas sentirem o papel do fotógrafo. E pedi para que eles escrevessem em braile.

“Retratos Falantes” está em exposição no Metrô Vila Madalena. Você continua a fazer as fotos? Como escolhe as pessoas que vai fotografar?
Não seleciono. As pessoas passam e vão ver o que é. Elas querem participar. Acho isso sensacional, é do povo brasileiro. Essa receptividade, a criatividade das pessoas é fabulosa. Continuo fazendo. Estou fazendo algumas fotos para o Canal Futura, um projeto muito legal que tem um cunho educativo, e fotografo pessoas não anônimas também. Faço o retrato e peço para escreverem. São empresários, artistas, músicos que vêm aqui no estúdio.

Isso pode virar uma exposição?
Pode. É uma boa idéia!

E a Vila Madalena, como vê o bairro?
A Vila Madalena se transformou totalmente, como São Paulo, com qualquer lugar onde tudo se transforma, nada é preservado, na realidade. E a Vila também. Mas a Vila é o lugar mais legal de São Paulo, com vários lugares para ir, centros culturais, restaurantes, lugares de músicas, livrarias, cafés… Até parques, uma ou outra praça que sobrou! E é um bairro onde ainda dá para andar pelas ruas, tem calçada… No Morumbi não tem calçada; é o bairro dos carros. Lembro que quando era criança andava de bicicleta, de carrinho de rolimã; e agora não dá mais pra molecada fazer isso. Não deixo meus filhos fazerem isso! E há todo o tipo de pessoas aqui, é um bairro alegre, colorido, tem a Feira da Vila que é maravilhosa. Eu quero participar com o meu projeto. Aliás, no Metrô estou querendo fazer o ‘Retratos Falantes’ em um dia, fotografar as pessoas ao mesmo tempo em que elas vêem o resultado. A idéia inicial era que esse projeto fosse interativo. Criei o site Retratos do Brasil e a idéia era que as próprias pessoas mandassem as fotos e os textos. Mas ficou parado. E tenho um livro pronto, a espera de patrocínio. E mais legal de tudo isso é ver as fotos no metrô porque as pessoas vêem, o povo vê. A próxima quero colocar nas ruas, em vários pontos, no chão. O importante é que as pessoas vêem. É um projeto para ir para a boca do povo.

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