Asdrubal Sanchez Moura é carioca e chegou a São Paulo décadas atrás junto com a família. Vindo de Brasília estudou e se formou em Geografia na USP. E desde que conheceu a Vila Madalena passou a freqüentar o bairro e se interessou pelo que acontecia por aqui. Transformou-se em um observador privilegiado das mudanças pelas quais o bairro passou e passa. Atualmente participa com seus depoimentos de um projeto que quer preservar a história da Vila Madalena e resgatar a história de seus personagens para as gerações presentes e futuras. Esse trabalho deverá resultar em um livro.
A cada ano, Astrubal foi ficando mais íntimo e interessado neste espaço da capital. Participou de forma atuante dos principais eventos políticos e artísticos que aqui aconteceram. Virou personagem de um quadro que decora a parede do Bar das Empanadas. Mantém um forte vínculo com o bairro e acompanha com otimismo o crescimento e as mudanças que por aqui acontecem. Lembra de épocas mais bicudas quando a ditadura militar governava o Brasil. Das reuniões de estudantes e intelectuais que aconteciam nos bares em animadas e democráticas discussões em busca de soluções para o país, geralmente regada à cerveja. Reconhece que o público de hoje está mais interessado em badalação do que em discussões intelectuais. Mas não desanima. Acredita na vocação artística e cultural da Vila Madalena e quer preservar a história do bairro, afinal “por mais que a Vila tente nos abandonar, a gente nunca vai abandonar a Vila!”.
Qual é a sua relação com a Vila Madalena?
Além de freqüentador eu tive alguns comércios aqui. Uma confecção e um bar. Eu nunca morei na Vila Madalena, mas sempre estive por aqui. Estudei na USP e vinha sempre ao bairro. Tinha e tenho muitos amigos que moravam na região. Mas eu nunca residi..
Você participa de um estudo sobre a Vila. Fale um pouco sobre isso.
O que acontece é que eu faço parte de um grupo de pessoas que são observadores, com conhecimento, e interessados em fazer uma avaliação histórica do bairro. Começamos a perceber que a Vila Madalena não tem a sua história registrada. Existem algumas pessoas que detêm determinadas informações e que estão se perdendo. O meu vínculo hoje seria dar continuidade na formação de um grupo de estudo do processo histórico da Vila Madalena.
E que resultados vocês buscam?
Tem uma pessoa que está fazendo uma tese e eu sou basicamente um dos depoentes. Já gravei umas 30 horas de depoimentos. Falo sobre as diversas pessoas que participaram da história da Vila Madalena. Muitas delas, hoje, não participam mais. E daquelas que continuam participando, de que maneira aconteceram as alterações, as mudanças nos relacionamentos e tudo mais. É colocar em prática uma idéia que nós já tínhamos.
Você é um observador interessado em entender os rumos do bairro? É isso?
Hoje, a Vila Madalena sofreu uma valorização econômica muito grande. Um dado interessante. Não sei se foi na década de oitenta, a Feira da Vila Madalena sempre trabalhou com um tema anual. Teve um ano em que o tema foi: “Antes que a Casa Caia”. Na época, a Feira da Vila Madalena era feita por nós, moradores e comerciantes atuantes da Vila Madalena. Era um grupo bem atuante que tinha um comprometimento com o bairro. E esse tema causou polêmica porque questionava a chegada do metrô Vila Madalena. Uns achavam que com a chegada do metrô à Vila Madalena iria perder o lado humano. Para uns era muito romântico manter esse espírito. Mas para o dono de um imóvel a valorização financeira era o que importava.
E isso foi bom para a Vila Madalena?
Eu acho que foi bom. É a evolução do espaço urbano. Eu mesmo me senti prejudicado com isso. Eu continuo freqüentando bares, mas deixei de beber. Ainda existe em muitos bares da Vila Madalena uma grande identidade entre o dono do bar e o freguês. O Empanadas Bar (onde a entrevista foi feita), por exemplo, cresceu em relação ao tamanho original. Venho aqui, ocupo uma mesa, fico conversando, tomo meu café sem problema. Em muitos outros bares da Vila Madalena não existe nenhuma identidade. O dono investe uma grande soma no bar, em uma cozinha imensa e faz um lugar bonito e cria um point. Para ele, é apenas um negócio. Para mim, a Vila Madalena ainda não se tornou internacional. Aqui na Vila, há uns trinta anos, tinha criação de cavalos, era uma zona rural. Tinha até terrorista procurado pelo mundo inteiro escondido por aqui. Alguns moradores evitavam falar que moravam na Vila Madalena. Diziam que moravam em Pinheiros.
E a partir de quando e por que a Vila Madalena passou a mudar de característica, para um lugar mais boêmio, de entretenimento?
Ela começa a mudar com o fim da ditadura militar no Brasil. A Vila Madalena era um espaço de bares e botecos onde muita gente com participação político-partidária circulava. Aqui, na Rua Wisard, estavam instaladas as produtoras independentes de cinema, como a Tatu Filmes e outras. Era um pólo de cinema muito importante. Com a chegada do Collor (1990-92) o cinema independente estava começando a se manter. Tinha muitos profissionais de cinema por aqui. O Collor quebrou a Vila Madalena com o fim da Embrafilme, que foi um dos primeiros atos dele. A falta de compromisso do seu governo com a cultura e a arte afetou completamente a Vila Madalena. E quando ressurge, não tem mais o mesmo compromisso que tinha com a arte e a cultura em geral.
E o que aconteceu?
Nesse momento, a Vila Madalena já tinha o status de um bairro onde se bebia e comia bem. E os vários movimentos como punks e darks e outros grupos criaram um racha dentro do bairro.
E quem criava esse clima por aqui? Moradores ou gente de fora?
O morador da Vila Madalena basicamente nunca foi o principal agente da agitação. Os que vieram de fora foram mais importantes. Aqui tem muitos artistas, muitos estudantes. Naquela época, anos 90, final da ditadura, tinha aqui muitas repúblicas de estudantes da USP, gente com pouco dinheiro. Os mais abonados ficavam longe daqui. Aqui ficavam as repúblicas mais populares e trabalhadores da área de saúde que pela proximidade com o Hospital das Clínicas e pelo baixo custo das moradias.
E o que ainda resiste daquele tempo?
Lugares como o Bar Empanadas (Rua Wisard, 489) e outros ainda resistem. Mas os atuais freqüentadores do bairro desconhecem a história. Nós temos aqui ainda alguns espaços que vamos chamar de “espaço de resistência” que nós, os antigos freqüentadores ainda fazemos questão de manter. Tem lugares onde você é bem recebido, tem boa comida e boa bebida e até uma boa música que é outra vocação natural da Vila, mas já foi mais forte. Hoje, muitos montam um bar, fazem um palanquezinho e contratam gente para tocar aquilo que o público dele quer. O Restaurante Soteropolitano (Rua Fidalga, 340), por exemplo, tem uma música de primeira linha. Tem o Paróquia (Rua Wisard, 423), que apesar de ser pequeno, mantém uma programação musical legal. Muita coisa daqueles tempos, como o Teatro Lyra Paulistana, por exemplo, acabou. Mas tem algumas novas manifestações como o Teatro da Vila que é novo e espero que continue.
Com a chegada da linha Amarela do Metrô, a Vila Madalena vai sofrer outra alteração?
Vai alterar bastante. Vai acontecer uma nova valorização imobiliária. Aqui começou a se estruturar com a chegada do Metrô e a Vila Madalena está predestinada a só ter moradores nos condomínios. Essas casas que ainda existem serão transformadas em bares e comércios ou outros edifícios.
A Vila Madalena ainda carece de estrutura básica?
Ainda tem carências, mas nestes quatro últimos anos a estrutura vem melhorando. Ainda não é a ideal. É gerado muito valor por aqui. Chegaram novas agências de bancos. Os moradores tinham problemas com transportes. E as mudanças vieram para ficar.
Atualmente, você nota que o morador da Vila Madalena tem orgulho de dizer que reside aqui?
Hoje, sim. Aqui não tem “nativo”. Os que existiam foram embora com o crescimento econômico do bairro. E muitos deles estavam aqui como inquilinos. E saíram devido ao custo.
Os atuais freqüentadores do bairro, os mais jovens, vão manter a tradição?
Não acredito. Pode até acontecer. Sou realista e aqueles freqüentadores mais antigos ainda se encontram pelos bares daqui. Você percebe que não são nativos. A Vila Madalena de antigamente era abandonada. A população não estava organizada para exigir suas necessidades básicas. Boa parte dos moradores era temporária, como os estudantes das repúblicas.
O seu grupo pretende fazer o que com esse estudo sobre a Vila Madalena?
Esse trabalho do nosso grupo, que não tem comprometimento partidário nenhum, deve resultar na publicação de um livro, montar um arquivo com a história da Vila Madalena. É um pessoal comprometido com o conhecimento. A nossa necessidade é preservar a história de gente do bairro como o Piriri um músico que viveu por aqui na década de 80. Foi marginalizado, mas foi uma pessoa atuante e morreu. Era uma chave para a existência da Feira da Vila Madalena que é uma das maiores atividades dentro da cidade além do carnaval e já acontece há anos.
Qual é a importância da Feira da Vila Madalena?
Percebemos que havia muitos artistas pela Vila e nós nos reunimos no Bar Sujinho, que não fechava nunca. Na primeira Feira nós convocamos os artistas que faziam pintura, escultura e tinha um palanque. De repente, apareceu um monte de artista querendo expor seu trabalho. Foi a primeira manifestação da vocação artística da Vila. Era um espaço democrático total, com uma discussão sadia.
Você vem à Vila Madalena com que freqüência?
Venho um pouco menos por estar construindo uma casa no litoral,, mas por mais que a Vila Madalena tente nos abandonar, a gente nunca vai abandonar a Vila Madalena!