O momento econômico

0
1162

O Professor José Carlos Braga é economista e Livre Docente do Instituto de Economia da Unicamp desde 1974. Fez pós-doutorado nos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia. Foi Secretário de Abastecimento e Preços do Ministério da Fazenda (1986-1987 – Governo José Sarney). Reside na Vila Madalena desde 1978, de onde não pretende sair tão cedo. Considera que o conjunto de atrações que a Vila Madalena proporciona aos seus moradores resulta em uma vida vibrante e de boa qualidade. Gosta da proximidade com o centro da cidade, entre outras vantagens que destaca de morar na Vila Madalena. Colabora com artigos e análises para jornais e revistas. Nesta entrevista ao Guia da Vila, o economista faz um raio X da crise que atinge os Estados Unidos e suas conseqüências para a economia mundial, principalmente no Brasil.

A crise dos Estados Unidos vai atingir ao brasileiro em geral?
O problema nos Estados Unidos ainda não está claro, vai afetar o mundo inteiro, dado o peso da economia americana. As medidas tomadas, como queda nos juros, injeção de dinheiro na economia, vão atenuar a crise. O Brasil hoje está com mais defesas, tem cerca de 186 bilhões de dólares em caixa e as relações internacionais vão muito bem. Exporta mais do que importa. O país está em crescimento, não está estagnado.

O Brasil cresce quanto em 2008?
Poderá crescer entre 4 e 5% no ano. Ainda é insuficiente, mas já é um bom número em relação ao nosso passado recente. Estávamos na mediocridade de 2 – 3%.

Quem ganha e quem perde com esta crise?
Os grandes detentores de riqueza financeira. Para o brasileiro isto é muito claro, com a taxa de juro que temos. Aqui ganha quem tem riqueza financeira, dinheiro. No Brasil e há bastante tempo, viver do trabalho, do salário, é mais difícil. Especular é mais fácil. E o mundo tem vivido assim. A crise financeira dos EUA é resultado de uma grande especulação imobiliária. Os espertos saem na frente e vendem e os mais tolos ou menos informados ficam com o “mico” na mão. Quem perde hoje nos EUA são as pessoas de baixa renda. As grandes corporações estão protegidas pelos bancos centrais. Precisamos reformar esse sistema, supervisionar e fiscalizar, para evitar essa especulação sem precisar gastar dinheiro público.

Os juros no Brasil vão aumentar?
Eu creio que não, a atual diretoria do Banco Central é menos paranóica do ponto de vista monetário. A diretoria anterior tinha uma “paranóia monetária”, ou seja, por qualquer coisa aumentava os juros, para evitar a inflação. O mundo inteiro está abaixando os juros e no Brasil são absurdamente altos e poderiam baixar sem maiores problemas.

Com juros baixos, o Brasil perde investidores?
Não porque a nossa taxa é tão alta e mesmo que as taxas de juros caiam, continuaria sendo muito atraente.

O Brasil acaba pagando mais por ser um país subdesenvolvido?
O que falta hoje ao nosso BC é uma atitude corajosa para mudar esses parâmetros de taxa de juros. No mercado internacional, já temos reconhecidas todas as condições para mudar isso.

Quais as conseqüências disso tudo para o cidadão comum?
O principal é que se gasta muito com juros, se deixa de gastar com saúde, educação, estradas, com infra-estrutura. Os conservadores dizem que o governo gasta muito, mas eles tiram a parte dos juros. Mas olhando os números, 8% do PIB são gastos com juros.

E o dólar como fica?
Com juros altos, entram muitos dólares que desvalorizam e o real valoriza. Exportamos muito porque o mercado internacional está muito bom e as empresas daqui são produtivas, modernas e competitivas e estão se internacionalizando. Elas exportam e ganham muito, fabricando seus produtos e exportando-os. O juro baixo é bom para as exportações.

E o emprego, a inflação, o Brasil está bem, estamos seguros?
A economia não é uma ciência exata. No curto e no médio prazo, o cenário do Brasil é de crescimento. O sistema de bancos públicos do Brasil, por exemplo, nenhum país da América Latina tem. O governo pode usar de uma maneira eficiente. O governo Collor e o FHC destruíram a máquina pública. Todos os governos são ineficientes. Eles destruíram as burocracias públicas. Poucas coisas resistiram. As próprias universidades inclusive. Quando fiz meu pós-doutorado nos EUA, eu recebia 1.200 dólares da Capes, mas se eu não tivesse minha poupança, não conseguiria viver lá, com mulher e dois filhos. O governo perdeu quadros públicos para o setor privado. Para o governo hoje, tocar o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) é um parto. Falta gente preparada. Temos alguns nichos e vai levar tempo para esses quadros serem repostos.

O consumo do brasileiro ainda é baixo?
Precisamos de uma melhor distribuição da renda e da riqueza. O Lula tem o Bolsa-Família e a recuperação real do salário mínimo. Foi o FHC que começou isso. Não sou petista, mas sempre votei no PT. Com o Bolsa-Família, as famílias do Nordeste tiveram um crescimento no consumo de padrão chinês com velocidade do crescimento acima dos 25%. E com pouco dinheiro. Os supermercados cresceram barbaramente. Primeiro, comida, depois medicamento. Isso se deve com a recuperação do salário-mínimo e do Bolsa-Família que rebate na aposentadoria também. Crédito consignado é outro item que aumentou o consumo.

Por que as lojas preferem vender a prazo?
Até fazem um desconto ridículo se você pagar à vista. É uma estratégia financeira e elas fazem parte de grupos comerciais, produtivos e financeiros. Incentivam você comprar a prazo, para ganhar nos juros.

O consumidor sabe que paga muito juro?
Não sabe. A conta que o pessoal faz é se a prestação cabe no orçamento. É até difícil saber qual é a taxa que cobram. Tudo por causa do juro alto. O que acontece é que o consumo se expande, de uma forma perversa por parte do BC, por causa do jogo financeiro. O sujeito quer a geladeira dele. Votei no Lula, mas quem manda na economia é o presidente do Banco Central, em quem nós não votamos. Ele é do PSDB, serve aos interesses do Banco de Boston e de Washington. Ele é o czar da economia do Brasil.

O brasileiro está muito endividado? O que se deve fazer?
É um problema. Conselho do economista não adianta muito. O óbvio a fazer é comparar preço, fazer as contas dos juros. O brasileiro precisa se organizar e reivindicar uma economia com crescimento e com melhores salários. Nada adianta o sujeito barganhar se o seu salário for baixo. Por mais que a gente negocie, acaba se endividando para ter as coisas.

Na Vila Madalena, temos lojas de luxo, bares, restaurantes. Serão afetados?
Vejo um cenário otimista-realista e os dados de crescimento de emprego e de investimento, de consumo são bons. Acredito que a boemia da Vila Madalena vai continuar bem. Não será afetada.

São inúmeros os lançamentos imobiliários de alto padrão. Teremos uma crise imobiliária?
O número de milionários no Brasil está crescendo e faltam imóveis para a classe média e de baixa renda. Temos uma estrutura de riqueza e de renda concentrada. E o país tem vínculos muito fortes com o exterior, que passam também pela aplicação variada em imóveis. Isso mantém muito dinâmico o mercado de imóveis de alto luxo. Acho que vai continuar, sim.

E qual a saída para a classe média?
Acredito que, além da Caixa Econômica Federal, os bancos privados vão se interessar por esse público, e o governo vai seguir nessa direção.

Por que a reforma tributária não sai?
É briga política. Quem paga imposto no Brasil é o assalariado, que é descontado na fonte, a viúva e o débil mental. Os ricos pagam pouco imposto. Tanto para o rico como para o pobre o imposto é o mesmo quando você vai comprar um refrigerante. Os lucros de bancos são fantásticos e o que pagam de imposto é ridículo.

Nossas elites estão preocupadas com isso tudo?
Não temos uma elite nacional preocupada com o país. Tivemos uma elite militar que teve certa preocupação com o país, impôs uma ditadura e isso não quero, sou contra. Nós nos internacionalizamos. Precisamos construir um projeto nacional que tenha interesses no país, acima dos interesses privados. Com Collor e FHC ficou claro que era para internacionalizar o país para valer. Com o Lula vinha a esperança e ele fez uma opção que não foi por aí e também não teve aliados para construir isso.

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA