Arte do bem, arte do mal

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Arte não é escapismo, apenas diversão ou algo que se ouve ou se vê entre dois goles de um drink. Arte não é, ainda, pura cópia da realidade. Se assim o fosse, Kandinsky, Joan Miró, Paul Klee, Bach, Gabriel Garcia Marquez, Franz Kafka, Mário Quintana, Augusto e Haroldo de Campos não seriam artistas, mas adultos que brincam com cores, formas, sons e palavras a esmo, sem propósito. Ouvi um dia de Dom Hélder Câmara que os santos e os artistas são os humanos que mais se aproximam de Deus. Os santos, pensei eu, pelos seus atos, enquanto os artistas – pelas suas obras – tentam fazer deste mundo um lugar melhor pra se viver. Os artistas, fazendo os humanos menos criativos ou reflexivos perceberem os outros, a vida e o universo que os cercam. Perceber é diferente de saber. Percepção e sensibilidade estão muito próximas. Perceber é (re)conhecer através do corpo inteiro. Animais não compreendem, mas percebem. Quem os observa perceptivamente sabe o que estou dizendo.
Mas vamos do nível genérico a duas notícias que me chegam e me levam às reflexões acima. E, abaixo, o que Dom Hélder não disse porém a realidade me faz concluir.
A TV Cultura acaba de relançar o programa Vila Sésamo, três décadas após o início da primeira fase. A ONG educacional Sesame Works não considera o Vila um programa ou mercadoria, mas um movimento. Exige compatibilidade do canal licenciado com os propósitos do projeto original. No Brasil, nesta segunda fase, o cenário evocará características da arquitetura brasileira nas casinhas dos bonecos, desenhos indígenas nas paredes, documentários mostrando crianças de diversas regiões do nosso país no seu dia-a-dia. Garibaldo, o grande pássaro amarelo (na 1a. fase vivido por Laerte Morrone, falecido em 2005) continuará comandando o programa ao lado de Bel, uma boneca rosa, meiga e aloprada, que lembra um cãozinho com boca de sapo. O casal faz parte da porção de 20% gravada aqui. Outros personagens aparecerão, mas gravados no exterior. Na África do Sul, Kami é o nome da boneca que é portadora do vírus HIV. No México, o programa exibia histórias com crianças deficientes. Assim, o programa passa pras crianças mais do que noções de alfabetização, aritmética, sonoridade ou nomes de cores: elas aprendem a conviver com o diferente, a respeitar o meio ambiente, a valorizar a solidariedade. Os animais-bonecos humanizados, mas com aparência fora do padrão, induzem com delicadeza as crianças à percepção de que sensações e sentimentos não são privilégios apenas dos humanos e, entre estes, também não só dos iguais.
Já Guillermo Habacuc Vargas, costa-riquenho, foi o “artista” escolhido para representar o seu país na Bienal Centro Americana Honduras 2008. Sua obra de arte: expôr um cão faminto e doente, que foi caçado nas ruas, numa galeria. O cão, um filhote, ficou ali exposto, preso por uma corda curta. Ninguém o alimentou ou lhe deu água. E ali mesmo o cãozinho morreu de fome e sede.
Que tipo de criança foi Habacuc Vargas? O que ele assistiu e recebeu na infância? Sua “arte hiper-realista” horroriza e indigna qualquer um dotado de um mínimo de misericórdia. Uma coisa é denunciar através da arte. Outra é repetir o horror do ato que se quer denunciar. Se os artistas se elevam até a vizinhança de Deus, não podemos esquecer, no entanto, que eles não são deuses. No caso de Habacuc, ele desceu – e levou consigo – pessoas e um animal ao inferno. O maléfico respeito a tal “obra de arte” manteve expectadores aparvalhados diante de um ser sensitivo agonizando pela falta proposital de um gole d’água e um prato de comida. O proposital faz toda a diferença. A indiferença, idem.
Na Bienal de Honduras, onde representará seu país, Habacuc repetirá o ato doentio? Outro crime travestido de “arte” representará seu povo e seu país? Pensando bem, talvez isto seja condizente.
Pobre Costa Rica!

* No site www.petitiononline.com/13031953/petition.html está uma petição para que Habacuc Vargas não represente a Costa-Rica. Engrosse a lista da indignação: basta dar apenas um clic, assinar e designar o país em que reside. Ou alongar a fila dos que assistiram à “performance” e nada fizeram.

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