Teoria da Invisibilidade

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Capítulo I:
Como era verde o meu vale

A crônica deste mês tem como personagem um ser estranho até para si mesmo, um ser ausente, o “invisível”. Se você leitor, não consegue me ver na foto, não se impressione. É normal.
Foi pelos bares da Vila que tudo começou. Ainda era visível naqueles primórdios. Bonitão, tipo esbelto, olhar 43, um paralelo entre John Waine e James Dean, uma sobrancelha mais levantada que a outra, adentrava no “saloon”, virava o drink, puxava o lenço no bolso do colete, limpava do rosto os beijos de batom das pequenas. Atirava com as duas mãos, de frente, de lado, de costas, sem deixar cair o chapéu. O tempo passou. A cidade não sente mais falta de mim. Nem os lares, nem os bares. Era preciso encarar a real. Pensava: “Como pode um pistoleiro, de repente, ir criar galinhas? Xô, galinha, xô”. Era preciso aposentar o cinturão, a roupa negra de franjas douradas estava opaca, as botas já não aceitavam outro solado, as esporas já sem dentes, a camisa não fechava mais e os dois Schimmith & Wesson estavam meio enferrujados.

Capítulo II: A tomada de consciência

Era difícil de entender o que acontecia. Quanto mais eu não aceitava a invisibilidade, mais eu me emperiquitava. Olhava-me nos espelhos e não me via. Sentia-me ridículo e sozinho. Tomava Prozac com conhaque e nada. Ninguém mais me via.Como voltar o tempo? Cadê o túnel? Onde foi o “glamour”? Não se trata do tempo linear dos homens, como infância, juventude e velhice, nem começo, meio e fim. Não cabe a Pitanguy, muito menos a Freud resolverem a possível dor, ainda mais sem ver o paciente. É árdua esta tese. Há anos venho desenvolvendo-a.

Capítulo III: O reconhecimento

Depois de muito sofrimento descobri que estar invisível não é dolorido, é divertido.
Como exercício diário, ou por ofício, fico sentado na entrada de um bar. A noite começa. O velho lobo perde o pêlo, mais não perde a mania. As moçoilas entram e saem do recinto. Eu, logo na porta, exclamo numa voz audível: “Olá, bonequinha que anda”, “Boa noite, docinho de côco”, “Olá chuchuzinho”, entre outras pérolas do tempo da visibilidade. Elas ouvem, mas não me vêem. É ótimo, você fala o que quiser. Os seus olhares me transpassam, ouvem a voz sem a imagem, por um instante procuram pelo balcão e nada vêem. À vezes, se perguntam: “Quem falou? Você disse algo?” E assim vão entrando. Ao saírem escutam mais elogios. Algumas acham o bar meio fantasma e coisa do tipo.
No entanto, há um fato curioso da invisibilidade. É algo que nos revela e acaba com as nossas brincadeiras.
Capítulo IV: A revelação

É o nosso lado frágil. Esta descoberta já me valeu grandes sustos e alguns enroscos. Aí, lá de novo sentadão no balcão. Vem vindo em minha direção um tribufú, sei lá, um jaburú pintado, chegando perto de mim, bem perfumada, outra característica do invisível, no anseio de ser visto se perfuma bem e vem vindo e diz: “E aí, bonitão, que cê tá fazendo aí escondidinho, em ‘môr’?”. Daí em diante tomo mais cuidado, pois descobri que só outro invisível é que enxerga o outro.

Capitulo V: O invisível em grupo

Ainda não existem grupos que aceitam ser invisíveis, embora formem seus grupos. Individualmente, os que não se acham invisíveis são os que mais sofrem com a invisibilidade. Nesta fase, andam em grupo, tentando em vão serem vistos pela quantidade, juntam–se então aos montes, ilusão. Um destes bandos me chamou a atenção. Utilizam também do barulho para serem percebidos. As suas motos são imensas, geralmente são Harley-Davidson’s e suas imitações japonesas. É possível vê-los, quero dizer, é possível ver suas motos passando pela cidade sem ninguém em cima. A moçada gasolina exclama: “Nossa, que moto linda passou aqui agora sozinha, você viu?” O ronco precede a aparição destes fantasmas. Dá para saber quando irão passar e só.
Outro dia, encontrei um bando deles. Lógico que fingiram que não me viram. Eram todos iguais. E outro detalhe, que vem acrescentar à TEORIA DA INVISIBILIDADE, é que os invisíveis adoram adensar, ou sub engrossar, a pele com um outro couro. Adoram couros. Todos de calça, camisa, botas e casaco de couro. O invisível não tem frio, nem calor, por isso, andam assim o ano inteiro, alguns entre o bando puxam caixões atrás de suas motocicletas, outros usam chifres de Vikings, piercing’s e tatuagens a rodo e caveiras impressas nas jaquetas, barbas e bigodões compensando a ausência de cabelos. Carecas, cabeludos com rabinhos de cavalo. Suas calvas cabeças também são amarradas e cobertas de couro. Também adoram metais, pelo fato do mesmo ter brilho e nitidez. De nada adianta. Estavam todos numa estrada sem destino, talvez seguissem para um outro encontro ainda com mais deles por lá. Ameaçava chover, pelo caminho, parei o carro e pensei: “Esses caras com medalhinhas, condecorações, motos e bótons de metal, todos juntinhos assim…Se der um raio haverá um grande curto-circuito em cadeia”. Resolvi esperar um pouco no boteco da estrada.

Capítulo VI: A grande SEDE

Esta coluna, através do seu e-mail, estará cadastrando todos os indivíduos invisíveis para formar um clube aberto no espaço, ou melhor, um espaço aberto para confabulações, trocas de experiências e juntos arrecadaremos verbas para a construção da emérita sede, o “GASPER CENTER”. Pare de perambular triste, sozinho sem precisar se fantasiar por aí.
Em nossa sede, aqui, na Vila Madalena, você será notado e visto por nós, sem precisar de badulaques, balangandãs, maquiagem, carrões ou acessórios afins. Um mundo melhor e mais brando te espera. Abaixo o consumismo. Lá você será visto sem preconceitos e sua invisibilidade será preservada. Nos veremos novamente, quero dizer, até a próxima edição, caso você me veja por aqui.

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