“Faço arquitetura e design como quem sente, mais do que sabe”. Assim se define o arquiteto Aurélio Longo, que, ao convidar a equipe do Guia da Vila para um cafezinho antes desta entrevista, demonstrou toda a simplicidade de quem é um dos mais renomados arquitetos brasileiros, ou “o mais sério”, como ele mesmo brinca, tirando da gaveta um nariz de palhaço!
Paulistano, nascido entre o Paraíso e a Liberdade, especificamente no Cambuci, em 1948, Aurélio conta que só poderia mesmo ser arquiteto, afinal, sente um enorme prazer em criar. Sua trajetória na profissão começou em 1974, quando se formou em arquitetura pela Universidade Braz Cubas, mas o dom para as artes se manifestou mesmo, segundo ele, na infância, quando dizia ao pai que queria ser “desenhista de arquitetura”. Passou alguns anos na Europa e na África; experiência fantásticas, diz, “não só profissionais, mas de vida”. O contato com renomados profissionais da área da arquitetura, como Oscar Niemeyer, também lhe renderam bons conhecimentos. “O próprio Oscar é meu coração porque é a pessoa mais generosa que eu conheço, mais doce e ao mesmo tempo mais genial”.
A aplicação de toda essa vivência se deu em grandes projetos como o desenvolvimento do complexo Anhembi, a reurbanização da cidade de Cunha (RJ), o grupo Itaú e as redes de restaurantes Vienna e Ráscal, entre outros no Brasil e na América do Sul. Vários deles premiados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB).
Nesta entrevista, Aurélio fala sobre suas experiências como arquiteto e de sua relação com a Vila Madalena, onde mantém seu escritório há dez anos.
A generosidade foi o que mais te marcou na convivência com Oscar Niemeyer?
Com certeza, mas não só isso. O que mais me marcou foi sua generosidade e sua humanidade, os valores. As pessoas, de uma maneira geral, conhecem o Oscar Niemeyer pelo lado público, de declarações, de postura políticas, etc. E ao conviver com ele pude perceber a dimensão do homem, do sentimento e da generosidade, da emoção, sobretudo do carinho com as pessoas que o rodeiam. E naquele jeito todo pacífico também tem um vulcão fantástico. É esse vulcão que gera essas obras maravilhosas, que têm uma postura política séria.
Você sempre quis ser arquiteto?
Desde o primeiro instante. Meu pai atuava numa área de eletricidade e ele me perguntava o que eu queria ser. Eu dizia que queria ser desenhista de arquitetura. E foi uma coisa que sempre fiz e acho que vou morrer fazendo com o maior prazer. Aqui no escritório temos uma relação com o cliente desde o início e vamos acompanhando-o, buscando um espaço para a sua atividade, desenvolvendo uma idéia, elaborando… No caso da rede Vienna, Ráscal, que estamos fazendo desde a primeira loja, começou com esse processo. Fomos quebrando uma série de regras do mercado. Hoje, são redes de qualidade.
Quando você fala em quebrar regras o que mais diferencia o seu trabalho?
A proximidade com o cliente e o fato de dispor de uma equipe multidisciplinar. Tendo-se boas relações, obtem-se consultores de várias áreas. Porque cada projeto que você elabora, tem uma solicitação diferente. Tenho amigo que é cenógrafo, consultores da área de estrutura, de acústica, elétrica, hidráulica, alimentação, chefs de cozinha… Não sou nem um bom cozinheiro, mas isso não quer dizer que eu não possa fazer bons restaurantes! Chamo um profissional e com ele desenvolvo a estrutura. Pro grupo Itaú, Duratex, Itautec, fiz uma série de trabalhos de designer. Ou seja, brinco que fazemos projetos de cercas a hidrelétricas. Um escritório de arquitetura envolve um universo infindável.
Qual o trabalho mais recente?
Estamos fazendo um projeto de revitalização do Conjunto Nacional. É um trabalho muito lindo e que estamos tomando o cuidado de devolver ao edifício as características originais, as primeiras idéias que por vários motivos, ao longo de muitos anos, foram deformadas. Talvez agente consiga retroceder. É um trabalho onde a minha atuação tem que ser invisível, diferente de outros em que a minha atuação é extremamente marcante, tem a minha característica.
E qual a característica principal do seu trabalho?
Eu acho que a minha arquitetura, por ser uma arquitetura comercial, sofre mutações à medida que a tecnologia muda. Hoje é diferente de 20 anos atrás, quando fiz os primeiros edifícios, principalmente para o Itaú. Eles tinham tecnologias diferentes. Hoje temos edifícios completamente inteligentes, configuração de espaço, materiais diferentes. O bom profissional é aquele que se apropria corretamente da tecnologia que aparece e não falsamente. O fato de eu usar alta tecnologia não impossibilita que eu use soluções fantásticas que foram lançadas no começo da modernidade. Ter soluções técnicas corretas significa se apropriar de boas idéias, de redesenhar e inventar outras. A questão do estilo é uma questão de postura emocional, mais do que tudo. Fala-se que o estilo do Oscar é este ou aquele, mas o estilo dele é o que ele sente, é a emoção, aquela pureza e liberdade ao mesmo tempo. Não temos nem pretensão de fazer o que ele faz, mas dentro das limitações que o mercado nos coloca conseguimos fazer o melhor possível. Voltando a idéia que temos um espectro de trabalhos muito vasto, por exemplo, desenvolvemos para a estância climática de Cunha (RJ) todo um programa visual. Desenvolvemos projetos para programas sociais, culturais e educacionais baseados em materiais simples: barro, tijolo, telha, madeira, taipa. Redesenhei e fizemos paredes de taipa desenhadas, usando o taipeiro de lá. Ele me dizia que iríamos fazer paredes bêbadas! Isso não quer dizer que perdi o meu estilo. Ao contrário. Significa entender a característica de cada região, de cada trabalho. Isso não me faz um mutante, mas alguém sensível para perceber quando se deve usar uma informação ou outra, além de ser coerente.
Você está na Vila Madalena há dez anos. Acredita que a mistura de culturas, uma das características do bairro, está se perdendo?
Acho que a Vila Madalena está sujeita as transformações da cidade. É inevitável. E por ter acompanhado parte disso, essas transformações são visíveis. Talvez a Vila seja o ponto onde há mais formador de opinião por metro quadrado do Brasil. Quiçá de outras grande cidades. Porém, como profissionais liberais, temos uma certa desordem nas nossas interrelações. Se fôssemos um pouco menos sujeitos as atribuições da própria profissão e do mercado, talvez fôssemos capazer de criar manifestações, movimentos, iniciativas em prol de resgate da qualidade da Vila Madalena. Um exemplo muito simples é que se conseguíssemos que pequenos movimentos fizéssem uma reurbanização dos passeios permitindo que os deficientes, velinhos, carrinhos de bebês, andassem melhor, isso já seria uma conquista. E isso poderia ser feito em todos os quarteirões e com a colaboração dos órgãos públicos, isentando de imposto os moradores e comerciantes de um quarteirão para que a grana fosse aplicada no próprio passeio. Essa pequenas manifestações envoveriam os cidadãos num movimento de reconquista do seu próprio espaço, com o apoio da iniciativa privada e de todos os profissionais. Não tenho uma solução, mas é possível achar boas alternativas. Houve uma transformação, houve. A Vila é muito legal, ela ainda mantém as boas características. É um ponto super estratégico em São Paulo, mas também está sujeita a todo trânsito pela assessibilidade. A Vila é um espaço privilegiado em muitos aspectos e preservar isso é o mínimo que se pode fazer. Falta um pouco de vontade e de mais união e mobilização. Temos que fazer essas modificações não matem as coisas boas. Aqui as pessoas são abertas, e esse clima é que faz da Vila um lugar fantástico.