Pedro Costa
Seu nome confunde-se com o amanhecer. Talvez por isso, logo cedo vai passando pela Vila, de passos lentos e sorriso largo segue cumprimentando todos pelo nome, àqueles que não conhece diz um simpático “bom dia”, ou puxa logo uma breve prosa.
É a querida Dona Aurora. Nome dado pelo pai, de dezessete filhos. Nome considerado entre os gregos, “a luz suave de tonalidades rosadas que precede a saída do sol, sendo a manifestação da deusa do amanhecer”. Conhece a Vila Madalena desde menina. Morou na Girassol, depois na Wisard, agora na rua Harmonia. “Tenho saudades do bonde”, diz espalhando o olhar. “Na Wisard, a rua era de barro, foi a primeira por aqui a ser calçada por paralelepípedos, o qual sempre achei melhor que o asfalto, porque drena mais a água de chuva e a temperatura das ruas ficam mais frescas, o asfalto solta aquele calor do chão”. E continua lembrando. “Aqui na Wisard, onde está hoje o Bar Piratininga, era um bar chamado Funchal, tinha um limpa- barro na porta e mesas de sinuca, a nova Vila nasceu com o Piratininga, o pioneiro na elegância do bairro. Quando começou o calçamento da Wisard, a garotada nos fins de semana fazia competição de arremesso de paralelepípedos, era divertido”, diz contando sorridente.
A vida de Dona Aurora Tagmillo já presenciou algumas perdas queridas, como o marido Rêmulo e sua filha Noremar. A força desta mulher é indescritível. Seu otimismo e sua certeza de dias “melhores virão” compõe o seu olhar de esperança e de compaixão maternal. Nunca ouvi de seus lábios, durante todos estes anos, uma reclamação se quer, seja da violência da cidade, o barulho noturno, o trânsito da Vila, ou queixas de um vizinho qualquer. Sempre falando bem de tudo e de todos, e sobretudo reserva para si um amor especial a sua querida Vila Madalena, “a menina dos meus olhos”. Assim são as manhãs por aqui. Lá vem dona Aurora, ora levando um bolinho fresco para os netos, Dario, Adriano, Danilo ou para a filha Marlene, ora levando um pãozinho para outro. Todos querem vê-la e ouví-la. Faz bem. É gostoso encontrá-la, sentir que há gente como Dona Aurora ainda. Nos diz palavras de ânimo, dá um leve afago com as mãos sobre os ombros de quem encontra e parte dizendo: “Seja feliz, vai dar tudo certo, você está linda, ou – virá uma tarde de sol daqui a pouco!”
Na casa em que morou na rua Wisard, onde é hoje o Crab, do Jaime, recente amigo que prepara lá ele mesmo as deliciosas patolas de caranguejo, Dona Aurora passa na frente todos os dias, como que ainda cuidando ou zelando pela casa. Na Harmonia mora ao lado onde estava Marcelo, o educado e gentil filho do “seo” Joaquim açougueiro. Marcelo acaba de ir embora, talvez dando espaço para mais um daqueles barzões de Balli ou outro monstrengo etílico. Na pequena garagem do Marcelo, a coxinha, o café e as notícias dos jornais fresquinhas eram imbatíveis, a verdadeira cara da Vila. Dona Aurora com certeza acha que perdemos mais um pedacinho nosso. Depois do cafezinho no Marcelo, avisto dona Aurora atravessando a rua Harmonia, vou ao seu encontro e pontualmente cruzamos o Zé Pedreira, nosso cúmplice, já à postos para o seu cooper matinal. De tanto o Zé mexer com jóias na sua escolinha ali mesmo na Wisard, lapidou-se junto, tornando-se uma preciosidade de pessoa, largou o banco, jogou a gravata e não sai mais da Vila. Grande Zé Pedreira. Ao lado de Dona Aurora está o Rafa e sua família, ali naquele começo da Harmonia, antes do asfalto a sua rua era mais alta, abaixaram tanto para aterrar lá para baixo do Jacaré, que na casa do Rafa e da Dona Aurora deu para fazer uma garagem em baixo, com escadas para chegar na residência.
A Vila é rua e suas casas modestas. A Vila é essa gentileza e sutileza da Dona Aurora, tudo parece que “puxou” dela por aqui, as pessoas da Vila se parecem. Aurora é mais verdadeira que foi Amélia. É diferente da Rosa e de todas as musas das músicas. Aurora é mais que Luiza, Maria ou Helena. Do que Ida ou Beatriz. Só por que é a mãe de todas elas.
É Aurora a mãe da boêmia Madalena.
É Dona Aurora a mãe da Vila Madalena.