Quando a andorinha voou com a patativa

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“Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla.
De riso na boca zomba no sofrê
Não nego meu sangue, nem nego meu nome
Olho para a fome, pergunto: que há?
Eu sou brasileiro, filho do nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará”
Patativa do Assaré
Patativa do Assaré, compositor nordestino dos bons, havia combinado um recital com uns poetas daqui de São Paulo e do Sul. Tal encontro seria em Fortaleza, no verão de 1978. Já na rodoviária, aguardávamos o velho Patativa chegar do Crato. Poeta e repentista, tinha na ponta da língua afiada sempre um verso ao invés de uma resposta convencional.
Avistamos o ônibus estacionando. Por último, desce o Patativa, já se desentendendo com um grupo de passageiros por versos ditos, dedicados a alguma dama da embarcação.
Apresentações, abraços, alegria e parceiros que não se conheciam. Patativa vai ao mictório. Rosenberg Cariri, um gentil cineasta do Ceará e organizador deste evento se oferece para acompanhar o velho poeta. Ao pretender entrar no banheiro da rodoviária, um porteiro mal encarado diz: “- Opa!, ficha no caixa”. Patativa retruca: “-Que sorte precária, que vida tão rija, aqui na rodoviária quem não tem ficha não mija!”. O porteiro fica ainda pior do que já estava. Rosenberg, acalmando os dois, foi buscar a tal ficha e entregou à Patativa. Pacientemente, nosso poeta passa pela roleta calado. Na volta solta o canto ao porteiro: “- Vou sair daqui dizendo que achei muito feio, vendo um cabra viver às custas do mijo alheio”. Ai sobrou bengaladas e cassetetes para todo lado.
Fomos acompanhados para a delegacia do centro de Fortaleza. No caminho houve mais presepadas. Logo na frente do prédio policial, no pequeno saguão da entrada, por ironia ou coincidência, uma gaiola com um pássaro de asas e caudas pretas com um canto enternecedor. Era a Patativa, ave que habita as caatingas do Nordeste brasileiro. A própria diante do próprio. Cujo nome, virou seu apelido desde de menino lá de Assaré. Analfabeto sem saber as letras onde mora. Antonio Gonçalves da Silva, querido até por Luiz Gonzaga, o rei do baião.
Silvinho Vaz, certa vez esparramou pela Vila Madalena um apelido que ele mesmo inventou para quem vivia em serenatas escrevendo e pulando de mesa em mesa de bar, recitando poesias e colocando poemas em postes. A este jovem sorrateiro, inquieto e de menor importância, apelido-o de Pedro Andorinha, este que vos escreve.
E, dali mesmo daquela escadaria da delegacia, o velho Patativa do Assaré sapecou um verso dramático olhando para a gaiola: “- Patativa você está presa pra cantar. Eu vou preso porque cantei”.
E, assim, a então pequena andorinha teve o prazer de voar e sorrir por instantes em outros horizontes ao lado da inesquecível patativa.

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