O francês Auguste Comte, pai do positivismo, influenciou bastante os políticos brasileiros e os intelectuais republicanos. A Bandeira Nacional foi inspirada no conceito elaborado por Comte, de uma sociedade exemplar que teria “amor como princípio, a ordem como base e o progresso por fim”. Infelizmente retiraram da nossa bandeira a palavra amor e ficamos apenas com a frieza militar das palavras ordem e progresso. Talvez seja isso que nos falta, esta palavra piegas neste mundo clean. Assim, o que a bandeira excluía, a nossa música cantava.
A industrialização acelerava a rotação da terra. Enquanto a música de Noel, que agora comemora o seu centenário, desprezando a ordem e o progresso, captava o ócio e a poesia do cotidiano e dos “apitos da fábrica de tecidos ferindo os ouvidos”, achando por aí que “quem acha vive se perdendo”.
Quem não tem saudades das músicas de verdade e sobre mentiras também. Músicas com encanto, com gotas de suor, lágrimas ou de orvalho das manhãs. Gotas de amor no mesmo compasso da dor, da alegria de ver ou de lembrar. Não estes pagodes cafajestes, axés das reboladas ou funk das cachorras e de rádios que só tocam por “jabás”, mas músicas de verdade sobre ilusões, músicas de voar sem sair do lugar, músicas de parar para ouvir e frases poéticas que ecoam em poucas vozes quixotescas, onde ainda são possíveis as histórias de amor.
Há tempos li, em uma entrevista divertida onde os compositores contam que após uma tarde inteira de roda de violão, canções e muito uísque, Chico Buarque e Tom Jobim resolvem retornar para suas casas. Mais uma saideira e lá se foram. O grau alcoólico de ambos estava alto demais, ao ponto do Chico, no trajeto, reclamar seriamente para o Tom :
– Olha aqui, se você continuar dirigindo o carro assim, eu vou descer!
Tom responde:
-Não desce não, cara, que quem está dirigindo é você!
Mais trágico-cômico ainda foi outro dia, aqui na Vila Madalena, que encontrei o meu amigo Periquito tomando uma cerveja num boteco de esquina. Digo boteco, não botequim estereotipado. Digo boteco mesmo com balcão de fórmica laranja e preto, dando choquinho às vezes no cotovelo:
– Fala, Pedrão!
Nem bem me aproximo atende seu celular, falando :
– Sei. Sei. Tá bom, faz o seguinte: pra ele parar de chorar mete a mamadeira fervendo direto na boca dele, depois dá uns tapas na bochecha dele pra valer. Se continuar chorando pendura este chorão de ponta cabeça e da-lhe umas cintadas. Tá bom? Tchau!
Assustado olhei para o sossegado Periquito:
– Ô Pedro, não se assusta não. São estes chatos de seqüestradores e seus companheiros de cela imitando choro de criança e dizendo que estão com meu filho.
Perplexo digo:
– Nossa cara! E você tá calmo desse jeito e ainda manda bater na criança?
– Ô Pedro, você esqueceu que eu nunca tive filho?! – disse o pacato Periquito com toda sua calma peculiar.
Havia entrado ali com a crônica na cabeça e Auguste Comte no pé. Saí de lá compondo na caixinha de fósforo um samba de breque batizado de “Desordem e Retrocesso, onde o tal amor foi parar?”.