Além da preservação

0
1169

A questão ambiental está sendo discutida cada vez mais. Temas como poluição, destruição da fauna e da flora, aquecimento global, destino do Planeta, escassez de água, reciclagem são assuntos abordados pela mídia, pelas escolas, em todas as camadas sociais e culturais. Mas, o que economia e ética tem a ver com meio ambiente? Este é o tema abordado pelo professor Zildo Gallo no livro Ethos – A grande morada humana, lançado em agosto, no eco-forneria Integrale, na Vila Madalena. O evento foi promovido pela própria pizzaria, pela Alternativa Casa do Natural e pela Farmácia Equilíbrio.
O professor explica que não é possível separar mais a economia da ética, ou seja “é cada vez mais necessária e urgente a construção de uma ética planetária” pelo bem-estar do próprio homem. E acrescenta: “O compromisso primordial do sistema econômico deveria ser, na sua essência, ético: o bem-estar. Como ainda tem muita pobreza no mundo, podemos concluir que, por muitos anos ainda, o crescimento da economia deve continuar necessário. Contudo, ele não pode se dar nos antigos moldes, concentrando renda e destruindo o meio ambiente”.
Bacharel em Ciências Econômicas, mestre e doutor em Administração e Política de Recursos Minerais, Zildo tem grande experiência em políticas públicas, gestão de recursos hídricos, economia solidária e desenvolvimento sustentável. Confira a entrevista e pense em como esses princípios podem ser aplicadas na sua vida, na Vila Madalena.

O livro trata de economia e consumismo e da relação com o meio ambiente. Como é isso?
É uma obra que tem o objetivo de tentar resgatar a questão ética na economia. Este é o caminho para resolvermos os problemas ambientais e sociais. A economia surgiu, como ciência, como um ramo da ética. E do século 19 para frente enveredou muito para o campo da engenharia. A questão econômica passou a ser muito mais uma questão logística e se deslocou de seu papel central. O objetivo central do sistema econômico é o bem estar social. Ponto. E não o funcionamento da máquina em si. Neste sentido trabalho este livro. Falo da necessidade do resgate de uma ética econômica para que se faça um diálogo com a ecologia. E isso é extremamente urgente.

De que maneira o senhor aborda a questão da sustentabilidade?
Para entrar na questão da sustentabilidade é preciso resgatar uma ética econômica. Isso é um processo de tomada de consciência e você toma consciência a partir do conhecimento. Eu busco fazer um resgate, lá atrás, de Aristóteles até chegar ao momento de hoje, nessa questão da ética e da economia. O livro tem vários momentos. Em um primeiro momento eu trato da ética em si. Falo dos fundamentos da ética, que são dois principais. Ela se fundamenta na religião e na razão. Depois falo da ética econômica. Como, a partir de um dado momento, a economia se afasta da ética e coloco a necessidade de retomar. Tem um capítulo em que trato da ética ambiental. Todos têm a mesma fonte, tanto a economia quanto a ecologia. Elas têm que se encontrar neste campo. Assim tornam-se possíveis as soluções para as questões que estão abalando o Planeta.

Quando o senhor fala da ética ambiental quer dizer exatamente o quê?
Da relação do homem com a natureza. Tem uma questão central aí. O homem, a partir do movimento iluminista, se torna o centro do universo. E a partir deste momento a relação do homem com a natureza se torna muito débil. Ele perde o contato mais profundo com a natureza porque a subjuga. A natureza perde seu aspecto divino. O movimento iluminista caminha no sentido de um materialismo exacerbado, do antropocentrismo e com o tempo o homem perde o contato completo com a natureza e torna-se dono dela. Aí se origina o caos ambiental. Essa possibilidade de tomar a natureza nas mãos e fazer dela o que bem entender. E a economia é o instrumento para isso. Fazer dela o que bem entender para quê? Para aumentar o consumismo e fazer a máquina do capital continuar se reproduzindo sem parar. Na verdade, o homem criou uma inversão. A economia é meio para se atingir o bem-estar. O sistema econômico deixa de ser meio e passa a ser fim.

Ou seja, o homem precisa voltar a se ver como parte da natureza, e não como um ser superior a ela.
Sim, e também precisa voltar a se ver em condição de igualdade com todos os outros animais, com todos os demais seres. E começar a enxergar o dinheiro como meio e não como fim. Esse é o resgate ético. E no livro também trato do fenômeno da globalização. Ela só exacerba o caos ambientar e social. Faço uma análise relativamente profunda da globalização e tem outro capitulo em que trato do consumismo.

E como o senhor vê o consumismo nos dias de hoje?
O consumismo é um fenômeno recente, do pós-guerra. Nasceu com a Revolução Industrial e no pós-guerra o mundo assiste a uma explosão do consumo devido ao desenvolvimento da indústria, surgimento de novas tecnologias. E a questão do consumo é algo extremamente complicado porque até a metade do século 20 vivíamos em uma sociedade de produtores. As pessoas eram reconhecidas socialmente pelo que elas faziam profissionalmente. Um era padre, o outro professor, o outro marceneiro, pedreiro… A partir da segunda metade do século 20, vemos uma inversão. A pessoa passa a ser reconhecida pela sua capacidade de consumo. E esse passa a ser o papel principal do ser humano, o que é uma degeneração. O ser humano não é um consumidor, mas ele se transforma nisso. E não importa os meios para consumir, contanto que ele consuma. Ele tem que cumprir este papel. E como sair disso? Novamente é um processo de tomada de consciência.

Mas isso não é muito vago? Afinal, entraria nesta tomada de consciência acesso à cultura e a educação, no mínimo.
Sim, passa pela cultura e educação. E hoje observamos que existem grupos preocupados com o consumo exagerado. Quando alguém começa a atuar no movimento ambientalista, começa a perceber isso. Este movimento alerta que se está consumindo exageradamente, que para viver não precisa de tanto, que boa parte do que se produz não serve para nada. A gente produz muito lixo. Essa tomada de consciência é muito importante.

E a água, como é abordada no livro?
A questão da água no Brasil tem avançado muito por conta da nova legislação, da criação do sistema de gerenciamento nacional e estadual. Mas ainda existe muito mau uso da água. Quando falo em gestão quero dizer distribuição, controle da água, etc. No estado de São Paulo isso evoluiu muito. Embora ainda não aparente, mas muita coisa já mudou. A região é muito caótica em termos de recursos hídricos. Primeiro que tem pouca água e a água que tem é inservível, pois é poluída. Isso é um descuido de décadas e para consertar demora um pouco. Mas está a caminho e é reversível. O Tâmisa era uma coisa terrível.Até o início da década de 1960 os rios da França eram podres. Hoje estão todos recuperados.

Para isso é preciso boa vontade política…
Também. Os instrumentos de gestão estão sendo criados, como a cobrança pelo uso da água. A poluição está sendo acompanhada e coibida. Acredito que em pouco tempo a questão da água no Brasil vai estar muito melhor equacionada do que hoje. Em termos de América Latina, eu diria que o Brasil está muito na frente.

SEM COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA