A rua era a Antonio de Queiroz, o ano 1960 e todos ainda estavam vivos.
A melhor barba quem fazia era o Seo Felipe, diziam os adultos da minha infância. Um italiano vermelhão e narigudo. A casa ao lado da barbearia era do encanador Dedão, amigo de outro vizinho, o craque de futebol, Friedenreich, o “El Tigre” do São Paulo Futebol Clube, um mulato de olhos verdes, com nome alemão, um craque maior que Pelé, mais fino do que Di Stefano, mais boêmio do que Heleno, então aposentado, só que em sua época não existia a televisão e a mídia de hoje. Bons tempos.
Quando o ex-craque lá ia fazer a sua barba, a molecada da rua ficava na frente da barbearia aguardando na calçada o grande Arthur Friedenreich fazer para gente umas embaixadas e outras demonstrações.
Meu pai fazia festas engraçadas e divertidas lá na casa da Antonio de Queiroz. Pé direito alto, corredor estreito e comprido, depois a copa, a cozinha e um grande quintal nos fundos, convidava gente do rádio, da tevê que se iniciava, políticos da época, artistas e amigos. Nestes dias, minha avó Julia preparava a massa de macarrão desde manhã, quilos e quilos de macarrão que os meninos passavam na máquina de fazer massa e depois colocávamos as tiras para secar sobre os panos no sol. A companhia Antarctica mandava barris de chope gentilmente cedidos para o festeiro radialista Pedro Geraldo Costa. Numa destas festas, foi buscar um manequim de gesso das lojas Mappin. Colocou-o sentado no vaso com as calças abaixadas, no único banheirinho que havia no quintal, uma luz bem fraquinha e a porta entreaberta. A festa começava, o chope rolando solto. Carvalho Pinto, Auro de Moura Andrade, Pagano Sobrinho, Hebe Camargo, Zé Bonitinho, Silvio Caldas, Walter Foster, Francisco Egídio, que cantava tão forte que caiam as panelas da cozinha, e tantos outros que não lembro mais.
Para cada um que, já bem apertado abria a porta, fechava em seguida pedindo desculpas. A certa altura todos loucos para aliviarem os litros de chope consumidos, o comentário era geral, alguns educados: “Mas tem um homem lá que não desocupa o banheiro!!”. Bem mais tarde descobriram a farsa, muita gente fina brava, outros morrendo de rir, uns xingando e indo embora. Que saudades!
Nossa casa era ao lado da barbearia do Seo Felipe. Eu e meus irmãos cortávamos o cabelo acompanhando o corte da época “meio-americano”, às vezes o horrível “bodinho”. Sempre pelo mestre Felipe. O mais curioso era a perfeição da barba que fazia. Seu segredo era uma bolinha de ping pong que colocava na boca dos clientes. O volume arredondado da bochecha saliente do sujeito permitia que a navalha tirasse bem rente cada pêlo do rosto raspado. Após cada uso, lavava a bolinha numa tigela com água quente e sabão esfregando o pincel de barba. Enxaguava e lá ia de novo dentro de outra boca. Com sua risada alta e meio banguela, Seu Felipe contava orgulhoso que a mesma bolinha estava com ele há muitos anos.
Certa feita, o velho encanador Dedão fazia barba, enquanto esperávamos a nossa vez para cortarmos o cabelo. Meu irmão Chico perguntou a Seo Felipe se alguém já havia, sem querer, engolido a sua bolinha. Então, respondeu: “Ah sim, várias vezes. Mas sempre no dia seguinte eles trazem de volta”. O Dedão, nesse instante, assoprou com tudo expelindo, junto com a bolinha, a sua dentadura que bateu com força derrubando o vidro de Água Velva que se espatifou no chão. Rimos bastante até o meu irmão Beto molhar as calças de tanto rir. Daí a barbearia toda caiu ainda mais nas risadas.
Nunca uma bolinha de ping pong puxou tantos risos como naquelas tardes perdidas num tempo de antigamente.