Momento de reflexão

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Dezembro lembra Natal e Ano Novo. Não bastasse isso, dezembro também lembra correria, compras, presentes, encontros e desencontros. Convencionou-se que este é o momento mais adequado para se fazer um balanço do ano que está terminando. E esta avaliação nem sempre é das melhores, até porque as pessoas não conseguem cumprir todas as metas estabelecidas. Resultado: mais frustração. O fim do ano acaba sendo propício à depressão, angústia e estresse. Soma-se a isso a pressão psicológica de que é preciso estar feliz nesta época. Mesmo remoído por dentro é necessário sorrir. Isso só faz aumentar a pressão.
Como lidar com os sentimentos próprios desta época do ano? Segundo a psicóloga e analista bioenergética Silvana Tenório, é preciso dar mais valor às relações do que às coisas materiais. Para a professora e supervisora do Instituto de Análise Bioenergética, na Vila Madalena, analisar as metas não cumpridas e fazer planos para o próximo ano são atitudes válidas, bem como estar mais aberto ao contato com as outras pessoas pode significar mais felicidade.
Vale lembrar que este acerto de contas no fim de ano que muita gente tenta fazer não é necessário. Melhor seria se a avaliação fosse periódica e que o indivíduo buscasse renovar suas metas e refletir sobre a vida. Criar uma atitude positiva diante do futuro é um passo importante, mesmo que difícil. Confira a entrevista.

Final de ano é sinônimo de frustração, principalmente neste mundo globalizado?
Pode ser, por isso temos que observar como lidamos com as nossas frustrações. Muitas vezes esquecemos de olhar para nós, para nosso próprio corpo e para os sinais que ele nos dá. Nesse mundo moderno, as pessoas vivem num ritmo tão alucinado que não se dão conta de como estão respirando, por exemplo. Tanta tensão, tanta pressão… Aquilo que chamamos de encouraçamento muscular, que tem a ver com essas exigências, às vezes impede até o fluxo de respiração. Isso tem a ver também com uma maneira de suprimir as emoções porque quanto mais você respira, mais entra em contato com as suas sensações. E, muitas vezes, para se dar conta da loucura deste mundo moderno, as pessoas se vêem negando a si mesmas, deixando de sentir e entrando em um padrão automático de funcionamento. Hoje, estou estudando um pesquisador inglês, chamado Winnicot, que fala muito desta questão do vínculo, do contato, do quanto as relações são importantes; e como hoje, nessa vida enlouquecida, como as pessoas estão com dificuldade de se vincular. Entram no ‘piloto automático’ e acabam se esquecendo de uma coisa simples que é estabelecer as relações de uma forma mais saudável.

Diria que as pessoas estão muito individualistas?
No mundo de hoje, muitas vezes a pessoa é considerada mais pelo que tem do que por aquilo que ela é. E quando se encerra um ano é que vamos pensar no ciclo, por que esta questão de ano é algo que faz parte do processo de evolução humana. Foram convenções criadas: temos o calendário romano e o gregoriano. Ano é um momento que se inicia e se estabelece, e quando as pessoas se dão conta de que um ciclo está se encerrando param para pensar no que fizeram durante este ciclo.

Isso faz com que surjam as angústias…
Sim. No final do ano há a questão do Natal. Para a nossa sociedade ocidental, por exemplo, Natal sempre foi uma festa de família. A base era festejar o nascimento de Cristo, mas o quanto isso, hoje, realmente se volta para a questão da espiritualidade? E o quanto às vezes isso vira só uma reunião familiar. E não é só isso. É uma convenção, ’tenho que participar’. E esse ‘participar’ pode ser bom ou ruim. E aí eu volto para a questão de como esses vínculos estão fortalecidos ou não… E próximo do Natal as pessoas se sentem muito solitárias ou fazendo muitas coisas sem se dar conta de quem são realmente. Às vezes elas vestem máscaras para agradar aos outros e se adequarem à sociedade. Em algum momento, se pode dizer que criamos um falso ‘self’ – aquilo que é verdadeiro de cada um não pode ser mostrado; o que pode ser mostrado é aquilo que vai agradar o outro. E isso significa muita falta de conhecimento de si próprio. Ao mesmo tempo se considera que, por estar chegando no final do ano é hora de fazer uma retrospectiva, o que eu fiz, o que eu não fiz, quais foram os projetos que eu consegui realizar e os fracassos . Ao mesmo tempo é como o se houvesse um pensamento mágico: aquilo que não foi legal fica para traz e… Bola pra frente! Isso mobiliza um pouco da crença que tudo pode ser melhor.

Vale à pena fazer esse balanço no final do ano?
Acho que vale sim. Quando, nesse ritmo desenfreado, as pessoas não param nem para fazer isso, temos um problema. O ideal seria fazer isso rotineiramente em cada situação que está vivendo. Mas o final do ano não deixa de ser um momento em que as pessoas entram mais em contato com suas angústias, com aquilo que elas têm ou não, não só no sentido material… As conquistas são importantes, mas não é só isso. Sugiro que se faça mais esta reflexão ao longo do ano. O tempo é relativo. O que significa a relação tempo e espaço? E sempre vem aquela história: ‘Ano Novo, renascimento, novas possibilidades’. A questão é que o que passou fica dentro da gente, não dá para simplesmente deixar de existir.

E fazer planos para o próximo ano não potencializa as ansiedades?
O ser humano precisa estabelecer metas. De alguma forma é se conectar com a vida, por que quando ele quer atingir algo, ele se move. Porém não dá para ficar só no fazer planos. É preciso saber lidar com a sensação de fracasso. Vivemos em uma sociedade que exige muito o sucesso das pessoas, uma sociedade cobradora e competitiva; as crianças mal começam a falar e já têm que competir se quiserem ir para uma boa escola. E tem que ser uma boa escola, falar muitas línguas, enfim… O ser humano já nasce com uma exigência do que vai ter que fazer e isso realmente traz à tona todas as angústias.

Como lidar com isso?
É o momento de parar e se conectar sim, mas qual o plano e o que tem à ver realmente com um desejo muito mais intimo, e não um plano de sucesso para atender uma demanda externa. Neste momento a reflexão que se pode fazer, até mesmo porque é momento de férias, aquele espaço tão ocupado durante todo o ano se abre e às vezes ficamos perdidos. Principalmente as pessoas que vivem em um ritmo muito acelerado ficam sem saber o que fazer com tanto tempo livre, ou com simplesmente poder não fazer nada…

É quando vem a culpa.
Sim! A culpa remete aos princípios judaico-cristãos. Como assim ficar na ociosidade? Isso é errado. Tem que ser produtivo! E é tão bom parar um pouco, ter um dia livre e não ter que se guiar pelo relógio. Bom, o final de ano é um período, sim, que mexe muito com as angústias, a demanda clínica aumenta. As pessoas mais solitárias entram em um processo depressivo; o apelo publicitário do “compre, compre” também favorece isso. Muitos pais são obrigados a dizerem para uma criança: ‘Você quer este presente, mas o Papai Noel não vai trazer”. E aí mexe muito com a impotência também. Às vezes essa angústia nem é tão clara assim.

A história de que “no ano que vem vai ser diferente” não é apenas um paliativo?
Sim. Mas entra também no princípio da ilusão. É uma ilusão que se revela neste momento sobre o que passou e o que poderei fazer de diferente. Mas o que efetivamente podemos fazer de diferente por nós mesmos sem colocarmos esse ideal de alegria e conquistas em algo que está muito fora. Por exemplo: “Quando eu conseguir fazer aquela viagem de férias vou ficar legal” ou “quando conseguir tal emprego”, “quando conseguir comprar minha casa”. A felicidade fica na projeção de um desejo que nem sempre pode se cumprir, por vários fatores.

Há receita para lidar com as frustrações?
Não. Não existe uma receita como ‘faça isso que vai dar certo’! Pelo que eu tenho visto na clínica, o processo de desfragmentação das pessoas, dos vínculos mais simples de família, que é a nossa base emocional… Se cada um realmente pudesse parar e pensar se está sendo leal com o que importa pra ele, quanto mais essas questões se revelam as pessoas vêm em busca de ajuda. E não só ajuda de um profissional, mas poder contar com um companheiro, um irmão, um amigo, com alguém que nos ouça. Ninguém é auto-suficiente. Há momentos em que até podemos estar, mas somos seres ‘relacionais’, por isso é importante parar para refletir a esse respeito.

O que fazer para escapar da pressão consumista?
De novo é parar e voltar para a questão de quais valores estão estabelecidos neste nosso mundo. É difícil primar as relações de afeto. Vale mais o ‘tenho que ganhar um super presente’. E esse consumismo no Natal foi estimulado porque antigamente havia uma queda nas vendas. Falando de novo em reflexão, as pessoas têm que parar para olhar, neste mundo corrido, onde os pais nem sempre têm tempo para estar com os filhos, e pensam: ‘Já que eu não posso dar tanta atenção, então darei algo que é como se fosse um substituto’. Mas não existe um substituto para a atenção… Poder dizer que ama, independente de qualquer coisa, e o filho saber receber isso da mesma maneira. O que eu diria neste momento é que as pessoas busquem lidar com suas angústias. Se estiverem se sentido sós, que busquem o semelhante e tentem restabelecer as conexões, e sem fazer isso com cobranças. Às vezes a gente fica muito tempo sem ver um amigo e quando encontra diz: “Você não me procura mais!!?” Se a gente tiver menos cobrança e mais disponibilidade fica mais simples. Amigo que é amigo, independente do tempo que fica sem se ver, quando se encontra continua a conversa de onde parou, sem cobrar o tempo da ausência. Quando uma relação é verdadeira, não é a presença física que importa e sim tudo aquilo que você mantém e guarda da pessoa ao longo da vida. Sentiu saudade de uma pessoa? Passa a mão no telefone e liga. Às vezes não dá para encontrar mesmo! Este mundo hiper veloz em que vivemos é verdadeiro. Principalmente aqui em São Paulo, que para você se deslocar dentro da cidade, à vezes leva mais tempo que pegar o carro e descer para o litoral. Um pouco mais de abertura pode ser um bom caminho e os planos e projetos para o ano novo são válidos, sim!


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