“… E o tempo se rói com inveja de mim, me vigia querendo aprender, como eu morro de amor pra tentar reviver / No fundo é uma eterna criança / que não soube amadurecer / Eu posso, ele não vai poder me esquecer.”
Cristovan Bastos e Aldir Blanc
No berço herdado de seus irmãos, de mão em mão, ainda menino, inventou para o caçulinha, um mecanismo feito de mola de carro e câmara de ar que fazia o velho berço balançar sozinho.
O tempo passava e o pequeno inventor não parava de inventar. O seu carrinho-de-rolemã era o único que voava. E como voava. Com duas asas de folha de zinco de galinheiro nas laterais e outra sobre um eixo vertical que saia do piso do carrinho, passava entre suas pernas e com as mãos agarrava-se neste eixo que suportava a terceira asa sobre sua cabeça. Descia as pirambeiras do bairro do Bexiga à toda, antes de chegar no final, planava e quase sempre se esborrachava num jardim vizinho.
Nestas épocas natalinas, empinava pipas à noite com fios fininhos de telefone com uma lampadazinha de lanterna na ponta da pipa. Costumava dizer que empinava estrelas. Por essas e outras era sempre chamado pelo padre da Aquiropita para montar o presépio na praça. A pequena manjedoura, burricos, ovelhas, os reis magos, um pastor, Maria, José e o menino Jesus, presenciavam divinamente desatentos o pleno furor do século vinte, entre trenzinho elétrico pilotado por um boneco – Pinóquio vestido de Papai Noel rodeando o imenso presépio entre cataventos e moinhos quixotescos. Roda-gigante de onze cadeirinhas levavam o time inteiro da copa de 70, todos feitos de argila pelo seu amigo Espoleta, com as devidas caricaturas dos nossos craques canarinhos, que giravam na roda movida a pilhas Everest. Tudo diante de um laguinho onde ficavam uns patinhos de verdade boiando zonzos na água, outros sujando sem parar por todo o cenário, sem contar os inquietos pintinhos saltitantes. Uns achavam aquele presépio muito brega, outros uma zona. Apenas o padre Aurélio achava-o “ma-ra-vi-lho-so” e demonstrava uma exagerada admiração pelo seu pequeno inventor, ouvida em bom tom em seus sermões natalinos.
Um varal de linha de pescar atravessava o cenário de lado a lado. O mesmo mecanismo que de baixo do tablado girava a roda-gigante, erguia e abaixava o machado do lenhador e puxava uma desengonçada estrela cadente indo e vindo pelos céus do presépio desnorteando todos que ali paravam, menos os insistentes magos.
Quando os lindos patinhos amarelos começavam a ficar com a beirada das asinhas pretas e os pintinhos começavam querer virar frangos, era chegada a hora de desativar aquilo tudo o que coincidia também com a chegada dos reis magos. “Graças a Zeus”, dizia seu velho avô anarquista.
O pequeno inventor gostava de inventar, sobretudo nos presépios. A cada ano aparecia uma novidade. Ainda garoto inventou sem saber, a primeira máquina de fazer suco de laranja. O que na época, a maioria dos garotos, inclusive ele, não tomavam. Nossas mães faziam “laranjadas”, ou seja, para render mais acrescentavam bastante água e açúcar, moendo uma ou duas laranjas. Mesmo assim, o inventor adaptou um funil e uma castanha na roldana da máquina de costura, que ao pedalar a Singer, o suco caia do funil direto para a jarra.
O tempo, este gozador, inventa de passar toda vez que um inventor inventa de não inventar. Assim, por questões e dúvidas existenciais e para o desespero do padre, não mais haveria presépios. Para as noites frias e escuras voltou a criar. O inventor fez o “chapéu para boêmio”, um testador de pilhas embutido no forro do chapéu com a lâmpada para fora, iluminava as ruas e atalhos das noites que adolesciam com lua nova. Por aí se foi.
Sinto saudades do pequeno sujeito.
Há pouco tempo, soube que ele descobriu afinal o DNA da mitológica Fênix, que tanto pesquisara. Bebeu dessa poção e de novo partiu.
De vez em quando, sopra-me algumas estórias, crônicas por onde andou ou por onde voou, que aqui prazerosamente encarrego-me de lembrar.