Recrudescer a lei não funciona

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Recrudescer a lei não funciona

Consultor, palestrante, advogado, empresário, escritor e jornalista, Percival Maricato, que é fundador da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) de São Paulo e coleciona uma série de vitórias pela entidade, fala sobre a tragédia de Santa Maria e sua repercussão em nosso Estado.
Aos 69 anos, o morador da Vila Madalena, hoje diretor jurídico da Abrasel SP, foi sócio da Cervejaria Continental, Restaurante Danton, Bar do MIS, entre outros. Escreveu vários livros, entre os quais “Como Montar e Administrar Bares e Restaurantes”, “Marketing para Bares e Restaurantes”, “Franquias para bares, restaurantes, lanchonetes, fast–foods e similares” e “Promoções para Bares e Restaurantes”, além do “Manual do ECF e Cartilha de Segurança”. Também foi editor da Revista Bares e Restaurantes por 13 anos. 

A tragédia de Santa Maria foi uma espécie de exemplo do que não pode ocorrer?
Na verdade, foi uma fatalidade, que obviamente deve ser prevista pelos empresários, mas que ocorreu devido a uma série de fatores e coincidências trágicas, e não apenas por um único motivo. O fato é que a nossa sociedade conservadora acha que o que ocorreu pode impedir os jovens de sair e se divertir e isso não vai nunca acontecer. O que precisa ocorrer é uma mudança de postura do empresariado, no sentido de não negligenciar questões mínimas de segurança, mesmo porque nenhum deles quer ver o seu nome envolvido em mortes e escândalos. O que qualquer empresário honesto quer, primeiramente, é segurança, tanto jurídica quanto para o seu negócio, mas são tantas as propostas de corrupção que acontecem em várias prefeituras e por vários funcionários, que isso leva essa relação (empresário e poder público) para a lei da selva. Os proprietários da boate Kiss não tiveram morte física, mas psicológica e financeiramente eles acabaram, embora não sejam os únicos culpados. Houve negligência do pessoal da banda, sim, assim como do poder público, que não facilita nada, alias, dificulta com suas burocracias, exigências e corrupção.

O senhor acredita que é possível sanear, começando pelo poder público?
Sim, poderia sanear, mas para isso teria de simplificar a lei. Não é um processo simples, por conta das questões de segurança, entretanto, deve haver um esforço conjunto para tornar os procedimentos para tirar o alvará mais transparentes e menos burocráticos. O que eu proponho para o novo prefeito de São Paulo, nas sugestões que redigi através da Abrasel, é deixar as vistorias para os profissionais terceirizados, contratados por licitações, ou através de convênios com institutos de arquitetos e engenheiros. Isso ajudaria a desburocratizar o processo e dar mais agilidade aos alvarás.

A Abrasel está apresentando essa sugestão ao prefeito da cidade de São Paulo? Como?
Temos algumas sugestões para apresentar a ele em breve sobre esse tema. Mas o que posso dizer é que o que ele pretende, recrudescendo a lei, não irá funcionar. Terá sim o efeito contrário, como já ocorreu. Sempre conto uma história que aconteceu num dos países mais civilizados do mundo: a Suécia. Lá, a lei para abrir bares e casas noturnas era tão rigorosa que afastou os empresários honestos e abriu caminho para os que não estão nem aí para a lei. Houve uma fatalidade numa dessas boates clandestinas, que funcionava num local impróprio, sem condições, longe das vistas das autoridades e dos pais, que fez com que a sociedade e as comissões começassem a mudar seu conceito sobre o assunto. Os pais apoiaram a decisão de facilitar a legislação (pois sempre querem saber onde seus filhos estão) e até hoje a Suécia é um dos países mais liberais na abertura de casas noturnas. Por isso tudo, creio que é preciso tomar cuidado para não exagerar nas regras e afastar os bons empresários, que querem proporcionar lazer sem burlar a lei. 

O senhor acha, então, que a repercussão do caso do sul gerou uma caça às bruxas?
Sim, e isso sempre vai acontecer. Temos uma sociedade conservadora, demagógica, que faz muito espalhafato com as situações. A gente vê veículos de imprensa culpando o vencimento do alvará pela tragédia de Santa Maria, o que é absurdo, pois a maioria das casas não tem alvará nenhum por conta do retardo na liberação. É a mesma coisa que dizer que uma pessoa atropelou outra porque a carta de motorista dela venceu há quatro meses. O que se criou é uma situação terrível, por culpa das atitudes do próprio poder público, que não fiscaliza devidamente, que propicia a corrupção e que culpa outros pela situação.
 
Tudo o que ocorreu pode gerar mudanças?
Por um tempo sim, depois entra novamente na rotina. O poder público, na maioria dos países, é uma máquina grande e difícil de movimentar. Em geral, os políticos são demagogos e oportunistas e só aparecem nos momentos de comoção nacional até tudo acabar.

O senhor acredita que essa busca nas casas noturnas acabará atingindo também os bares e restaurantes?
Agora não, porque o poder público anda preocupado com as casas noturnas, e ainda há muitas para verificar. Mas creio que é uma questão de tempo para chegar aos bares e restaurantes. Penso que tudo vai ser mais difícil doravante, muito embora tenha tido uma surpresa ao ver que o prefeito de São Paulo não divulgou a famosa lista negra, pedida pela imprensa. Ele teve muito bom senso, mesmo sendo pressionado. Eu só espero que não voltem a acontecer as famosas blitzes de outras épocas, quando eram chamados 40 carros de polícia fazendo estardalhaço. Isso aconteceu em muitos bares da Vila Madalena na gestão Serra.Fale um pouco sobre a lei seca. A nova versão da legislação tem reflexos nos bares, restaurantes e casas noturnas?Sim. Essa lei afeta os empresários da noite porque se soma a várias outras que tentam criminalizar bares, restaurantes e casas noturnas por tudo o que acontece. A lei seca fere os princípios de direito básico, porque onde já viu comer bombom de licor e se transformar em delinquente? Essa é uma briga eterna entre as forças conservadoras que agem contra bebida, sexo, cigarro, coisas de Dionísio e as forças de Apolo, que controla a civilização para evitar riscos e paixões… Na primeira versão dessa lei, eles erraram, liberando o delinquente, o bêbado que deveria ser preso e responder pelos seus atos. Nesta última, erraram de novo, taxando de criminosos os 38 milhões de brasileiros que bebem uma cerveja e comem um bombom de licor eventualmente.  

Qual a importância dos bares, restaurantes e casas noturnas para os brasileiros?
Existem 140 a 150 mil estabelecimentos como estes somente no Estado de São Paulo. No Brasil, o setor gera 2% do PIB nacional e emprega cerca de 8 milhões de pessoas. É ainda a maior das atrações turísticas nos locais sem praia, uma das primeiras opções de lazer da população. É uma atividade muito importante, que deve ser olhada de outra forma pelo poder público. O problema é que ainda somos divididos, pulverizados em diferentes entidades, o que inibe a união e a força. O empresário isolado tem de ter alguém para defendê-lo, pois, até hoje, depois de ser dono de tantos estabelecimentos e lutar pela classe, nunca vi nenhum fiscal entrar num local só para ajudar. 

Como foi a sua trajetória profissional até ser presidente da Abrasel?
Eu sou advogado, formado pela São Francisco em 1975, e sempre fui boêmio. Posso dizer que não se passaram dois dias da minha vida sem ir a bares e restaurantes, excetuando a época em que fui preso pela ditadura militar. Depois, fui empresário da noite. Abri o Bar Brazil, na Bela Cintra, que foi considerado o bar da década de 1970. Tive o Danton, o primeiro restaurante sofisticado da Vila Madalena, e também fui dono do Bar Avenida, Choperia Continental, Carioca Club… Cheguei a montar uns dez bares nos bairros dos Jardins, Morumbi e Pacaembu. Tive sócios, como o Paulo Caruso, entre outros. E foi daí que descobri a dificuldade desse tipo empresário. Como advogado, eu sou respeitado, mas como empresário, tive de aguentar um fiscal corrupto a cada semana… e não tinha ninguém que nos dava cobertura. Foi então que fundei a Abredi (Associação de Bares e Restaurantes Diferenciados) e fizemos muita coisa. Tivemos mais de 20 conquistas contra os abusos das autoridades. Depois disso, transformei a Abredi em Abrasel São Paulo, pois essa associação já existia em outros Estados e aqui estou, agora como diretor jurídico da entidade, ajuizando ações de interesse da classe. Também sou jornalista e durante alguns anos escrevi em veículos de grande circulação, além de ser autor de vários livros publicados sobre bares e restaurantes. 

A Vila Madalena sempre esteve presente na sua vida?
Sim. Na época da faculdade eu morava na Oscar Freire e frequentava a USP, pois meus amigos moravam no CRUSP. Quando houve a invasão do residencial, na época da ditadura, no final de 1968 para 1969, todos os meus amigos ficavam escondidos na Vila Madalena, onde havia muitas chácaras e áreas verdes. Foi daí que começou a minha relação com o bairro. Quando montei o Danton, eu já morava na região. Tive a oportunidade de ver as modificações e o crescimento, e confesso que hoje me sinto até meio temeroso com o intenso movimento. Sou a favor das fiscalizações noturnas para coibir coisas como buzinaço, mas sem exageros. E creio que é preciso também a união de moradores e empresários para evitar a deterioração do local. 

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