Distâncias

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Morar no interior parecia mais longe que hoje. Agora as cidades do interior de um estado são logo ali. Cada vez mais uma cidade emenda-se com outra. Parece não ter mais espaços nem vegetação entre elas. No encanto de cada cidade os tijolos se emendam aos de outras, como um enorme dominó, viadutos se entrelaçam, edifícios vão se encostando apertados, janelas se entreolham enquanto a orquestra do progresso não para de tocar seu bolero num infinito bis.

Lá aonde ainda se faziam serenatas e a lua de noite fazia suas sombras no coreto da praça, ao lado da matriz morava este moribundo, numa velha república de amigos recentes. Dar notícias à família era a cada quinze dias, mesmo assim, os pais recomendavam pra gente ligar só em caso de urgência. “Se não ligar, é porque está tudo bem!”. Para ligar era preciso ir até a central telefônica, pedir à telefonista fazer a ligação e aguardar até ser chamado: “Senhor Fulano, cabine tal”. E tome aguardar na linha até a telefonista completar a ligação interurbana. Ali dentro daquela cabine me sentia um astronauta da Apolo 12. Confessava baixinho as mentiras de estudante enquanto por entre os fios daquela distância vinha o cheiro da comida da mãe. Via sempre nestes dias os olhos mareados dos garotos que saiam das cabines a despistarem o olhar.

Depois o tempo, eterno brincalhão cuidou de inverter os papéis e mudar tudo. Soprou pra longe as velhas cabines e seus astronautas, varreu para fora da história os coretos, apagou as sombras da lua e encurtou distâncias, ainda mandou meu caçula de lambuja estudar no exterior. Agora acabei de falar com ele mostrando seu quarto do outro lado do mundo e ao vivo falamos da saudade nos vendo, enquanto contava sua nova vida via o tempo passar de novo na minha frente e beijei sua testa na imagem do celular. Eu daqui de dia disse boa noite. E o garoto de olhos mareados agora era eu.

pedrocosta.pira@uol.com.br

 

 

 

 

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