GVM MAR22
Andava meio down (I was feeling down), diria Bob Dylan. Pandemia, reclusão em casa, ruas vazias. Aquilo foi me deixando deprê. E acabou puxando lá do fundo minhas angústias até então adormecidas. Nunca fui rato de terapia, aquelas onde ficamos anos e anos num mesmo divã. Porém quando jovem passeei por vários tipos de correntes da psicologia e não me encaixava em nenhuma. Concluí que eu era mesmo o patinho feio da estória. A ovelha negra da família e outros bichos. Que o meu lugar era o não lugar. E por aí segui solidário comigo nessas questões existenciais.
Mas, a malvada da angústia veio com tudo, camuflada na pandemia, vestida de rublo negro com seus dentes de lobo babando bateu em minha porta vestida de doce donzela indefesa. E assim toda a noite ceava ao seu lado. Até que um dia mostrou seus dentes enormes. Estava dominado.
Até que vi no jornal uma matéria sobre a nova maneira de tratar essa doença infernal. Claro, um tratamento alternativo, porém com liberação da OMS. A mesma substância que há no lisérgico LSD das décadas de 50 e 60, a Quetamina. Aplicada com acompanhamento médico e monitorado por aparelhos. Lembrei da paz e no amor que a moçada toda emanava e pregava, naquele “pare o trem que eu quero descer”, o amor livre e solto… Enfim tudo que eu precisava sentir. Lá fui eu.
O woodstock brasileiro ocorreu depois do original, em Iacanga, interior de São Paulo, como Festival de Aguas Claras, na Fazenda Santa Virgínia em 1975. Lá estive acampado com um grupo de amigos. Conheci o tal alucinógeno, cuja “viagem” durava umas doze ou quinze horas, mais doido do que capeta chupando manga amarrado num pau de manhã cedo, como dizia Zeca Bahia. Tudo lindo e maravilhoso entre a moçada que se liberava das suas amarras, da repressão da família, da ditadura vigente, das normas estabelecidas, ou também pela pura satisfação de pertencer e achar que aquela geração que se libertaria em massa para um novo lugar, apontando a utopia como moradia.
“Voltando ”da rápida viagem das seções de Quetamina, barulhos na enfermaria e na rua. Conversas sobre o trânsito, risadas de enfermeiros e médicos. Tudo havia mudado. O que era antes num campo enorme, céu estrelado apenas luzes de pequenas fogueiras, rodas de danças e violões já sem cordas de tanto tocar, jovens de todos os tipos, gente querendo ser livre, malucos belezas nas árvores, gente bonita fazendo de tudo, inclusive amor entre bezerros e cavalos e muita música dia e noite nos palcos.
Claro, nem a Quetamina era a mesma, nem o lugar era o mesmo. E eu, agora outro. Ainda bem, sobrevivi de novo. Sabendo que a saída não é pelo passado nem pelo futuro e sim fazer o presente acontecer.
pedrocosta.pira@uol.com.br