Pedro Costa — Bar do Mojica

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GVM JUNHO22

Bem antes de a Vila Madalena ser conhecida pela mídia como a noite boêmia da cidade, existia aqui na Rua Horácio Lane, travessa da Luiz Murat, o bar do Mojica, que já ia noite adentro. Nessa rua escura atrás do Cemitério São Paulo apenas um único poste, ainda de luz amarela. Mojica era um sujeito quieto, de poucas palavras. Cabelo penteado com Gumex e bigodinho fino, ambos tingidos de preto e rosto pálido de ausência de sol. Lembrava o Mandrake dos gibis da época. Há quem diga que estava mais para a figura do Drácula, o antigo vampiro das telas de cinema.

Tinha realmente um olhar e postura nobre, digno de Duques e Condes de outros tempos. Ao abrir uma cerveja sobre o tampo de mármore do antigo balcão, fitava aquele seu olhar estranho no freguês que ali se postava. O bar só abria no início da noite. Nunca vi aquele bar cheio. Piriri, que apesar de dormir sob os túmulos do cemitério dizia que lá não entrava, tinha medo do calado Mojica.

As noites de garoa fina e do vento frio do inverno eram barradas pelo muro do final do cemitério, canalizava assim um vento só naquela rua, que chegava a assobiar, tremia a opaca luz do poste que apenas focava seus próprios pés na calçada deserta. Isto quando não tinha o cachorro da esquina uivando feito lobo. Ali um casal ou outro que aproveitava o bar de luz âmbar para trocarem seus segredos e beijos. Uma vez cheguei já meio envolvido pelo álcool, sugeri ao Mojica que fizesse uma noite só com voz e violão, músicas do Lupicínio Rodrigues que combinavam com a tristeza fúnebre do bar… Nunca mais falou comigo. Os rostos que surgiam do escuro eram às vezes, quase iluminados com os cigarros que acendiam. Pareciam vagalumes piscando no escuro quando tragavam. Muitas vezes, nesse ambiente propício e quase tétrico, com cheiro de flores vencidas. Lá assisti vários namoros que chegavam ao fim, ao contrário dos barzinhos iguais de paqueras e demais frufrus que começavam inaugurar na pequena e invocada vila gaulesa. No bar do Mojica tinha um que destoava mais, o Zulzinho. Cachaceiro danado que toda noite batia ponto lá. Pedia sua pinga no copo americano, virava para o cemitério e oferecia um brinde com o braço levantado: “Aí defuntada, saúde!” E virava num gole só.

O bar do Mojica era autêntico, não era mais um, tinha a sua identidade, seguiu por muitos anos, ali se podia papear tranquilamente um tete a tete, ou curtir a sua solidão povoada, como diz uns dos ex-frequentadores, meu amigo Zé Eduardo. No Mojica a gente convivia com sapateiros, pedreiros, estudantes, coveiros, poetas soturnos, músicos, pretensos suicidas, pintores, funcionários das Clínicas e jardineiros da antiga Vila Madalena, tudo junto e misturado, como o nosso Brasil, essa nossa Pérola Negra, no meio dessa selva de pedra.
pedrocosta.pira@uol.com.br

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