Dono de estilo próprio, o escritor Milton Hatoum acaba de lançar o segundo volume de uma trilogia onde a Vila Madalena dos anos 1970 faz parte da narrativa. Conheça um pouco mais sobre esse manauara radicado em São Paulo desde 1998.
O primeiro livro de Milton Hatoum, “Relato de um Certo Oriente”, em 1989, recebeu o prêmio Jabuti de melhor romance daquele ano. Nos anos subsequentes, quando não ganhou, foi finalista. Desde então, o nome do escritor nascido em Manaus (AM) em 1952, sempre esteve associado a bons livros e prêmios literários. Em 2005, com “Cinzas do Norte” ganhou o Portugal Telecom, Grande Prêmio da Crítica APCA e Jabuti 2006, além do Prêmio Livro do Ano da CBL, Prêmio Bravo! Em 2008, recebeu a Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura; e em 2010, a tradução inglesa de “Cinzas do Norte” (Ashes of the Amazon, Bloomsbury, 2008) foi indicada para o prêmio IMPAC-Dublin.
Sobre prêmios, Hatoum lembra que “não escrevo para ganhar prêmios, mas é sempre bom quando isso acontece”. Questionado porque o Brasil ainda não ganhou um Nobel de literatura, Hatoum considera que o Brasil “já ganhou esses prêmios!”. Para ele, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa mereciam ganhar esse prêmio. “Eles não ganharam porque Drummond não foi indicado pelo governo da ditadura do Brasil na época. E o Rosa, porque as traduções foram mal feitas. Mas além destes, escritores como Manuel Bandeira e Graciliano Ramos mereciam o Nobel. São nomes que não devem nada aos grandes escritores”. Para ele, a literatura precisa ser valorizada no Brasil, mas “se as ciências não têm valorização, o que dirá a literatura”, diz.
Passando do Nobel para a Academia Brasileira de Letras, Hatoum não pretende se candidatar em um futuro próximo, afirma. “Não é do meu perfil e sinceramente não tenho nenhuma crítica. Apenas não me vejo usando o fardão. O importante para um escritor é ser lido. Não adianta ganhar prêmios e não ser lido!”
Hatoum veio para São Paulo, em 1970, estudar arquitetura na FAU-USP. Nos anos 1980 foi bolsista na Espanha, depois estudou literatura comparada na Sorbonne (Paris 3). Esteve nos Estados Unidos como professor visitante em Berkeley, Yale, Stanford University. Desde 1998 está morando em São Paulo, na região da Vila Madalena.
Sobre a região, ele lembra da Vila dos tempos mais tranquilos, “em 1979, a Vila Madalena era só casas e sem prédios. Eram muitas repúblicas de estudantes da USP por ser mais barato para morar. Hoje essas repúblicas estão localizadas no Butantã. Onde hoje está o BNH, tinham campos de futebol. No livro “Pontos de Fuga”, o segundo volume da trilogia “O Lugar Mais Sombrio”, a Vila Madalena aparece como um microcosmo na Rua Fidalga e foi uma forma para eu falar do bairro da cidade. Dois dos personagens passam pela Vila de antigamente. Hoje, a Vila, se transformou em um ponto de atração turística e comercial com muitos restaurantes e bares. Quem é mais velho e conheceu a Vila daqueles anos, vai se lembrar”. O terceiro volume será lançado em 2020. “Está em fase de revisão”, informa.
Cita entre outros endereços da região, o Martin Fierro. “Lembro do bar da Terra, na Fidalga que tinha uma comida alternativa e do Nello’s, que ainda existe”. Gosta de ir ao CineSala na Fradique Coutinho e tem um xodó especial por livrarias, é claro. “Gosto de livraria de rua, eu considero as livrarias um marco da civilização do bairro”. A livraria Mandarina (R. Ferreira de Araújo, 373), inaugurada em agosto, teve Hatoum no evento de inauguração. A outra, da Travessa (R. dos Pinheiros, 513) também é saudada pelo escritor. A Livraria da Vila da Fradique recebeu o autor, em novembro, para uma noite de autógrafos do seu livro mais recente. “São Paulo, pelo tamanho, deveria ter mais livrarias de rua”, avalia.
O escritor faz críticas contundentes ao governo Bolsonaro. “Todo poder é castrador e nós escritores não devemos nos autocensurar, mesmo e apesar deste governo. Para os cineastas e pessoal do teatro é preciso renunciar alguns aspectos estéticos para conseguir financiamento do governo. Mas cada um deve julgar o que é melhor. Não me cabe julgar ou dar opinião no trabalho do outro. Uma das característica da arte é a liberdade da imaginação, da reflexão. Se essa liberdade for tolhida fica difícil exercer o ofício. A liberdade define a democracia e o respeito total à constituição, o que não está acontecendo hoje no Brasil. Mas vamos resistir apesar das tentativas de nos constranger e nos calar, não só através de agressões físicas como também pelas redes sociais”, afirma.
Seus livros já se transformaram em filmes, peças de teatro e miniséries na TV. “Tive sorte em todas as adaptações de meus livros, tanto para a TV, como no cinema e também nas histórias em quadrinhos pelos irmãos Fábio Bá e Gabriel Moon, em “Dois Irmãos”. Na TV a audiência não foi assombrosa mas popularizou o meu trabalho. E em breve teremos dois longas adaptados de meus livros”.
Para quem quer conhecer a obra de Milton Hatoum, o escritor indica “‘Dois Irmãos’ que tem até edição de bolso, mais econômica ou o ‘Os Filhos do Norte’”. E informa que tem outros projetos incluindo um novo livro de contos e de ensaio sobre a literatura brasileira. Para ele, “a literatura é um antídoto à miséria do mundo”. (GA)
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