Pedro Costa — “Visitas de outrora”

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Quarto de visita era um cômodo da casa que costumava ser o mais próximo da porta de entrada, reservado para parentes distantes, amigos que de repente precisavam de um pernoite na cidade, mais conhecidos como Caixeiros Viajantes, que os tempos e seus trens não os trazem mais. Quando garoto via pela fresta da janela, o tio que aparecia cada ano mais calvo, com uma maleta de couro postado no portão da entrada, um sorriso meio sem graça, casaco no dorso do braço, bigodinho feito à navalha, terno e gravata meio surrados, chapéu de lado, meio Clark Gable de Bragança Paulista apertando a campainha de antigamente.

Admirava com curiosidade o perfil de cada um destes breves inquilinos. Gostava quando tinha uma visita. Traziam notícias de um mundo que eu desconhecia e os cafés matinais eram mais caprichados nestes dias em que meus pais exerciam sua hospitalidade.

Minha vó transformava os pães amanhecidos em doces rabanadas, da cesta de ovos saiam omeletes e o coador coava logo cedo um café que acordávamos com o cheiro. No quarto entreaberto eu conhecia suas manias e costumes. O pijama listrado dobrado sobre a mala, um par de chinelos simétricos sob a cama. As primas solteiras, que após concluírem o curso de normalistas, vinham prestar concurso ao magistério ou tentar uma vaga em fábricas de tecelagem. Daí era a vez das camisolas repetirem a mesma ordem, porém o cheiro virgem e interiorano de alfazema do campo deixava exalar um perfume novo pelo buraco da fechadura que só os meninos de casa pareciam sentir.

Os quartos de visitas foram desaparecendo junto com certas funções que foram deixando também de existir. Em breve, como já dizem os profetas do cotidiano, mais ainda desaparecerão, como consertador de relógios, caixas de banco, árbitro de futebol, corretor de imóveis, operador de telemarketing e outras que vão surgindo, como passeador de cachorros, segurança de celebridade, tatuador, grafiteiro.

Porém, ainda existem o afiador de facas com seu apito assobiador e o vassoureiro grita: “Olha a vassoura, olha o vassoureiro!”, passam sob as janelas da Vila Madalena, que ainda soa delicadamente pelos tempos, sem terem ido embora desde os tempos de outrora.

pedrocosta@uol.com.br

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