Cafezinhos da madruga

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A ausência de bares noturnos na Vila Madalena era terrível. Digo no final da década de 1970, começo de 1980. Ou íamos para o sujinho da Mourato ou no Bartolo da Fradique. Então, para variar, saíamos da Vila quando as portas destes bares abaixavam  com a certeza de que o Riviera na Consolação estaria aberto. A via sacra começava. De lá, eu e meu amigo Zé Eduardo, descíamos pela Consolação, filavamos umas pipocas do Valdemar, eterno pipoqueiro do Cine Belas Artes. Logo à direita o boteco mais sujo do mundo, o primeiro 24h de Sampa, o Querido Day After, onde se tomava o delicioso caldinho de mocotó – era comum encontrar por lá o cartunista Glauco e o primeiro ex-futuro hippie Cosmos, com seu um metro e meio de altura e um e quarenta de barba, erguendo a sua bengala anunciando o apocalipse.

Era preciso atravessar a Consolação para ver o seu Antonio, dono do Sujinho-mor. O gostoso e alegre Bar das “Moças”. Encher o seu Antonio era tão bom porque ele respondia a todas as provocações que fazíamos:

– Toninho Salazarista, mais uma cerveja! O caixa, de onde ficava era ao lado da vitrine de salgados sem o tampo de vidro de cima. As salsichas ferviam levemente no molho de tomate e era comum caírem às moedas menores sobre o molho, que atravessavam entre os dedos do seu Antonio, devido à artrite que o maltratava além dos “insultos afetivos” que ouvia. A cada troco, mais mergulhos. Parecia mais a fonte dos desejos da Europa do que salsichas ao molho. Depois, vendeu o lugar, virou Bisteca D’Ouro, perdeu o encanto.

Era necessário seguir, a madrugada nos convidava. Do mesmo lado, descendo a avenida estava à pizzaria Zi Tereza. Não era preciso entrar. O Cacá Ceará, o generoso pizzaiolo, fazia malabarismos com os discos de massa, a vitrine era no limite da calçada. Ao lado o corredor de entrada com uma pequena boqueta no vidro, de onde o nosso amigo nos lançava umas azeitonas. Tomávamos a saideira no Redondo, em frente à Igreja da Consolação.

Chegava a hora do retorno. Saltávamos do ônibus em frente ao boteco “Day After’. A última. Dali só faltava ir dormir o pouco que ainda restava da noite. Antes do café: o Zé Eduardo descobrira a mamata. O café lá era fresquinho e tinha a toda hora, segui o Zé. Que bar seria aquele? E além do mais de graça, no Vasco? O Zé entrou. Eu parei com a boca aberta. -Venha, disse: -Faça cara de triste e tente chorar.

Era no velório da Dr. Arnaldo. Não acreditei. Começou a fazer parte do roteiro, era só descer a Cardeal Arcoverde, entrar na Belmiro Braga, estávamos de volta a Vila, à vida.

Por Pedro Costa, pedrocosta.pira@uol.com.br

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