Orgulho da raça

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A atriz Thereza Morena busca reconhecimento profissionalmente pelas suas qualidades e como ser humano. Entre seus projetos está a realização de um documentário onde questiona o papel do negro em nossa sociedade.

 

Paulista de Rio Claro, veio criança para a capital. Filha de mãe mineira e pai pernambucano, aqui estudou em escola pública e ficou faltando um semestre para se formar em administração de empresas. Nestes últimos seis anos, trocou de carreira e de vida. “Troquei a rotina de um escritório pelo desafio de viver de arte. Troquei o papel de figurante para ser a protagonista da minha vida”, afirma. Explica que a opção pela arte tem a ver com seu pai, “que era pedreiro de profissão, mas era um artista e dele herdei o gosto pela arte”.

Casada desde 2011 com o fotógrafo e artista plástico André Peirão, recentemente se mudou para um novo apartamento na Rua Harmonia. “Quem me apresentou a Vila Madalena foi o meu marido. Descobri que aqui é um lugar inspirador com seus grafites e adoro os brechós. Pela sustentabilidade e pela economia”, resume sua relação com o bairro.

Quando o assunto é questão racial, Thereza diz que já se sentiu discriminada em alguns momentos da vida, mas que só veio a ter mais consciência tempos depois. “Mas mesmo sem ter a consciência que tenho hoje, nunca deixei que as dificuldades de não ter dinheiro, a questão racial ou outra dificuldade me paralisasse. Nunca fiquei me lamentando… Segui em frente.”

A carreira de atriz começou meio ao acaso. Um amigo a convidou para fazer uma oficina de interpretação para cinema. Ele saiu logo. Ela continuou até o final. “Descobri que era isso que queria para mim”. Assim como em qualquer profissão, o não faz parte da rotina e “mesmo assim não desanimei. Vejo na profissão, mais do que um meio de vida, um sentido para minha vida e quero que meu trabalho seja útil para a sociedade”.

THEREZA_MORENA_35O primeiro teste aconteceu no Rio de Janeiro. Uma companhia de teatro buscava uma protagonista e ela sem nenhuma experiência em teatro resolveu encarar o desafio. A diretora da companhia, Gabriela Linhares, ao assistir sua performance, que consistia em uma trilha musical de Tom Jobim e um lenço, perguntou o que ela estava fazendo: “São suas vísceras?” perguntou a diretora. Conta que foi um dos momentos mais emocionantes da sua vida e ela entendeu que o caminho era esse. Embora reprovada no teste, um mês depois, fazia sua estreia no Teatro Augusta.

A emoção toma conta de Thereza ao falar da mãe. Ela considera que a mãe sofre opressão por ser negra. “Recentemente pediram para ela alisar o cabelo. Ela é a única negra entre as colegas de trabalho. Não tenho rancor dessas pessoas, mas não vou deixar que façam o mesmo comigo. Quero que me reconheçam pelo meu trabalho e luto pelos direitos de todos, não importa a cor da pele, o gênero, o sexo…”, afirma.

Com sorriso perfeito e medidas de 1,67 m e 47 quilos, Thereza explica que o seu biotipo não é ideal para ser manequim ou modelo para a publicidade. Faz críticas aos padrões estabelecidos pela publicidade. “Não tenho cabelo black power e nem sou gostosona, tipo Globeleza!” Reclama da pequena quantidade de negros na publicidade brasileira e na televisão em papéis que não sejam de serviçais. “Precisamos reconhecer a beleza e o poder do negro e, felizmente, o Brasil está melhorando nesse sentido”.

Para sobreviver e pagar as contas, Thereza já precisou fazer outros trabalhos enquanto não era chamada como atriz. “Fui vender pulseiras de identificação para shows e eventos.”

THEREZA_MORENA_38Enquanto os convites não apareciam, buscou novos caminhos. Thereza apanhou a câmera que tinha em casa e saiu pela cidade com a seguinte provocação: “O que você tem a dizer?” Inicialmente ela entrevistou apenas negros, jovens e velhos, mulheres e homens. Já fez mais de 30 entrevistas e deve fazer mais algumas. “Quero saber o que essas pessoas têm a dizer e quais são seus sonhos e desejos, além das frustrações.” O projeto vai virar um documentário que ela pretende que esteja pronto no próximo ano.

Um dos entrevistados que mais lhe marcou foi Alex, morador de rua que vivia em uma praça próxima ao BNH da Vila Madalena. “Ele não conversava com quase ninguém. Consegui que ele conversasse comigo, e ele me surpreendeu várias vezes com suas respostas. Certa vez, vendo suas roupas perguntei se aquilo era tudo o que ele tinha, ele respondeu ‘tudo o que tenho está dentro de mim, é o meu cérebro!’ Ele optou por não falar muito e viver isolado, mas sabia de tudo o que acontece no mundo, lia diariamente os jornais”. Hoje, Alex não está mais na praça. Thereza acredita que ele está trabalhando, conforme lhe disse que faria um dia, mas ela não sabe por onde.

Depois das entrevistas, será a vez de editar todo o material. Para essa fase, Thereza pretende recorrer ao financiamento coletivo através do crowdfunding. Com esse dinheiro, ela e o marido pretendem finalizar a produção e fazer a divulgação do documentário que espera possa ser lançado.

Ao mesmo tempo que faz o documentário, Thereza revela, com economia de informações, que tem projetos de teatro para um festival e outro para cinema. “Mas ainda não posso revelar mais do que isso”, faz mistério. Recentemente, fez a produção do curta “Braciolas”, dirigido pelo marido, e participou do curta “O Pacote”, ambos produzidos pela 2 Irmãos, a produtora do André e o irmão, Rodrigo Peirão.

Outro modo de abordar a questão racial, o casal criou no Instagram o blog Black Stage. “Nele divulgamos o trabalho de artistas negros, de todas as artes pelo mundo. Esse trabalho também aumentou minha autoestima e meu modo de me vestir. Deixei as cores neutras que usava por cores fortes, como amarelo e vermelho, que combinam com a minha pele, e descobri os turbantes”, explica.

Com essa garra e determinação que mostra ao defender suas ideias e seus pontos de vista, Thereza Morena certamente será a protagonista de seu destino e de sua carreira de atriz. (GA)

 

instagram.com/_blackstage_

www.2irmaos.com

 

Créditos Fotos/André Peirão – Styling/Marina Nascimento

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