Kaoru Ito tinha nove anos de idade quando os aviões dos Estados Unidos jogaram a segunda bomba atômica sobre o Japão, em Nagasaki. Nesta entrevista ele relata suas lembranças.
Em maio de 1945, os alemães haviam se rendido aos exércitos aliados, mas a guerra continuava no Oceano Pacífico e os Estados Unidos lançaram a bomba atômica sobre duas cidades japonesas, Hiroshima e Nagasaki, que tinham instalações militares. Em 6 de agosto, Hiroshima foi atacada e 210 mil pessoas morreram imediatamente. Três dias depois, Nagasaki foi bombardeada e teve 72 mil mortos. Outros milhares morreram nos dias seguintes nas duas cidades, que ficaram em ruínas. No dia 15 daquele agosto de 1945, o Japão se rende e a guerra termina.
Em Nagasaki, estava o menino Kaoru Ito, com nove anos de idade. No momento da explosão da bomba atômica, ele estava na montanha, na plantação de flores de sua avó. “Só não morremos porque estávamos a cerca de dois quilômetros da cidade e havia umas montanhas entre nós e os efeitos da bomba”, conta Ito, sete décadas depois.
Da bomba, ele lembra da ventania. “Sentimos uma grande ventania que arrasou pessoas e telhados das casas. Só ficamos sabendo o que havia acontecido quando voltamos à cidade uma semana depois e era só ruínas e havia um cheiro de querosene queimado”. Entre os amigos e parentes, não encontrou ninguém. “Reconheci um tio por causa das tatuagens que ele tinha nos braços, mas o resto dele era só carvão”. Mesmo com as dificuldades, Ito ficou em Nagasaki até os 16 anos.
Para sobreviver, Ito e as outras pessoas comeram peixes e plantas. “Quem tinha comida era rico. Dinheiro não valia nada”, narra ele com seu peculiar sotaque.
A rendição japonesa também foi muito sentida pelos japoneses, conta ele. “Até então, para todo mundo, o imperador era um deus. Depois disso, ele se tornou uma pessoa como as outras”.
O judô e o karatê também foram determinantes na vida de Ito, além da pintura e desenho, que ele já praticava. Conseguiu entrar na academia de polícia para praticar. Aos 16 anos, era faixa preta 3º dan (grau) nas duas modalidades de arte marcial. Esse aprendizado lhe foi útil no futuro.
Em Nagasaki morou com um tio que era pintor. “Foi com ele que aprendi a pintar, mas também o ajudava: ele pesava mais de 200 quilos e precisava de auxílio para comer, higiene pessoal e até para dormir”, lembra.
Filho único, não chegou a conhecer o pai, que estava lutando e morreu na guerra da Manchúria quando Ito nasceu. Ito conta que teve uma infância solitária e graças à pintura conseguiu viver. Também aos 16 anos, partiu para Itália para estudar artes. Mesmo brigado com a mãe, que não queria que ele fosse. E sem falar italiano, com pouco dinheiro e sem conhecer ninguém, chegou à Roma para estudar pintura.
Ficou um ano e meio na capital italiana, onde passou dificuldades. “No início, o dinheiro que tinha era para pagar pensão. Comer, nem sempre”. Depois de alguns meses de escola, conseguia ganhar um dinheiro pintando retratos pelas ruas de Roma com a ajuda de algumas colegas de escola. “Elas arrumavam os clientes e eu fazia a pintura”, conta.
Com o dinheiro ganho, viajou para Espanha, França e Estados Unidos. O retorno ao Japão durou pouco tempo. Conheceu um japonês que falou do Brasil e Ito não perdeu tempo. Arrumou as malas e foi em busca de um navio que o trouxe ao Brasil. Ele chegou em Santos em 1955.
Aqui, ele tinha o endereço de uma tia que morava em Parapuã, interior paulista. Viajou para visitá-la. “A ideia era apenas uma visita e conhecer mais do Brasil. Logo nos primeiros dias, fui com os conhecidos até uma boate e acabei me envolvendo em uma briga com cinco boiadeiros. Dos cinco, apenas um não bati porque ele fugiu para chamar a polícia”. Tempos depois, com cidadania brasileira, foi incorporado ao exército para ensinar judô e karatê para mil recrutas, em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. “Para ganhar um dinheirinho, fazia o retrato de oficiais e de outras pessoas.”
Do interior veio para São Paulo em busca de trabalho com publicidade. Os primeiros cinco meses foram difíceis. O primeiro trabalho foi uma peça de elevador, na técnica de retoque americano. Outros trabalhos surgiram e ele conta que chegou a ter estúdio com mais de 50 desenhistas.
Casou com uma imigrante japonesa e com ela teve três filhas, e voltou para o Japão para trabalhar em uma indústria automobilística. Depois de 23 anos, separado e com as filhas casadas, retornou ao Brasil para retomar a carreira com publicidade.
Aqui, em 2002, conheceu Tereza, filha de um amigo japonês, com quem divide a escola Shunkun, na Rua Mourato Coelho. Ele ensina pintura japonesa, sumiê, shodô, aerógrafo e desenho comercial. Ela, idioma japonês.
Ito pintou, em 2008, o quadro Haywa (Paz) usando areia de Nagasaki, Hiroshima e do Brasil – a tela será incorporada ao acervo da Assembleia Legislativa de São Paulo. E perguntado qual sentimento tem sobre a guerra, Ito afirma: “Não tenho tristeza e nem raiva. A bomba atômica acabou com a guerra no Japão, que desde então vive em paz”.
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