Pena vai ter quem ficar

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Era uma noite do ano de 1945. Dois jovens soldados da cavalaria faziam a ronda no centro de São Paulo, no baixo meretrício. Um deles observava bem o que acontecia dentro desses bares ainda abertos da Rua Aurora, Avenida São João e adjacências. Alguns jogando dadinhos, outros bilhar, enquanto uns bebiam solitários nos balcões, uma mulher entrava e saía de bar em bar, sob o olhar de seu observador, mais rápida que os lentos trotes cadenciados dos cavalos a ecoarem no asfalto úmido da terra da garoa, o tilintar das ferraduras.

Aquela mulher parecia procurar um homem para se reconciliar, mas a vontade mesmo era de encher ele de bala, segundo esse soldado, grande contador de “causos”, mais tarde me confessaria num programa piloto que fazíamos para a Rádio USP, sobre os detalhes da ronda daquela noite, que mais tarde tornou-se música. Com outra, “Volta por Cima”, disse ter ficado triste com os comentários, que ninguém entendeu que o importante não é dar a volta por cima e sim reconhecer a queda.

Já havia se tornado um cientista conhecido e respeitado. Por casualidade da vida e pela província ainda pequena que foi esta cidade, casou-se com uma prima de meu pai e assim frequentava nossa casa enquanto foi casado com ela. “… Mulher que vira pro lado, tá convocando suplente, mulher que não ri não precisa dente”.

Nunca estudou música, porém fez mais de setenta. Pela vida solitária de um cientista fechado horas e horas no laboratório de pesquisa, teve o rádio como companheiro e seu professor de música. Compunha sambas e toadas enquanto estudava todo tipo de répteis. Sambas sem malandros, apenas o relato cotidiano de um boêmio que amou demais sua metrópole. “Sua bandeira de guerra seu direito de ser gente”.

Agora a metrópole está mais desprotegida, morreu o soldado que rondava a cidade que tanto a admirava. Viva Paulo Vanzolini! “… O que fiz é muito pouco, mas é meu e vai comigo, deixo muito inimigo porque sempre andei direito. Agasalhei neste peito muita cabeça chorando, morena minha até quando você de mim vai lembrar. Quando eu for vou sem pena. Pena vai ter quem ficar”.

pedrocosta.pira@uol.com.br

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